O embaixador de Portugal em Angola, Francisco Alegre Duarte, disse hoje que há uma “pressão maior de mais angolanos” que querem viajar para Portugal e os funcionários do consulado fazem um “esforço sobre-humano” para responder aos milhares de pedidos de vistos.
Segundo Francisco Alegre Duarte, os pedidos de visto no consulado-geral de Portugal em Luanda são muitos milhares e tem vindo a bater recordes mensais de solicitações de angolanos que querem viajar para Portugal.
“Porque, há um aspecto que tem a ver com a recuperação do atraso que existia do tempo da pandemia e também é verdade que há uma pressão maior de mais angolanos que querem viajar para Portugal, em relação ao passado, ou seja, notamos um maior fluxo de pedidos”, afirmou o embaixador.
Em declarações à saída da audiência que lhe foi concedida pela presidente da Assembleia Nacional de Angola, Carolina Cerqueira, o diplomata português referiu que o consulado-geral em Luanda é neste momento o maior centro emissor de vistos de toda a rede diplomática portuguesa.
“E tem sido feito um esforço quase sobre-humano por parte dos seus funcionários para dar resposta aos muitos pedidos de vistos para Portugal, são como disse muitos milhares, há aspectos que é preciso melhorar sim, sem dúvidas, estamos a fazê-lo”, salientou.
“Já cá veio o ministro dos Negócios Estrangeiros abordou esse tema, veio cá o nosso secretário de Estado das Comunidades, vieram cá vários membros do governo, foram tomadas medidas em termos de reforço dos recursos humanos”, recordou.
Para Francisco Alegre Duarte, que respondia sobre a demora da emissão de vistos para Portugal, vai ser também necessário reforçar os recursos tecnológicos para responder às solicitações.
“E agora no âmbito do protocolo de facilitação de vistos estamos também a trabalhar no sentido de agilizar mais ainda, mas isto é um fluxo bilateral, recíproco”, frisou.
O mecanismo de agilização de vistos deve ser recíproco, argumentou, porque, a empresas portuguesas com necessidade de “trabalhadores para funções específicas” em Angola, acrescentou: “Às vezes também oiço queixas”.
“Mas, vamos fazer um esforço mútuo no sentido de melhorar esta questão, eu estou confiante que isto vai acontecer, estamos a trabalhar para isso”, assegurou.
Sobre alegados esquemas para a obtenção de visto no consulado português em Luanda, Francisco Alegre Duarte disse que também ouve falar, mas não passam de insinuações por não existirem provas.
“De modo que é verdade que eu às vezes oiço falar nisso, mas provas concretas o senhor tem? Conhece? Se conhecer alguém que tiver uma prova concreta eu agradeço”, respondeu aos jornalistas.
Com Carolina Cerqueira, o embaixador português abordou a questão bilateral em torno de três eixos, sendo que a mobilidade das pessoas foi o primeiro tema da audiência, na sede do parlamento, em Luanda.
Para Francisco Duarte, o tema da mobilidade “é um aspecto absolutamente central” da relação entre os dois países: “Caminhamos para um novo paradigma decorrente do Acordo da Mobilidade da CPLP e todas as medidas que vamos tomar no sentido da facilitação do fluxo das pessoas em ambos os sentidos”.
Em relação à implementação do Acordo de Mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), já ratificado pelos Estados-membros, o diplomata referiu que “ainda há aspectos a ultimar” para a sua efectiva funcionalidade.
“[Há] várias coisas que têm de acontecer, cada país tem que adoptar a legislação para concretizar este acordo e depois há também casos de, porventura, a necessidade de fazer acordos bilaterais por causa das categorias que são estabelecidas no âmbito do acordo de mobilidade”, explicou.
“Isto está a ser trabalhado e vai haver novidades em breve, mas ainda não é o momento para eu as anunciar”, assinalou Francisco Alegre Duarte.
Questionado se Bruxelas tem sido um obstáculo para a mobilidade da CPLP, o diplomata respondeu: “Eu não diria obstáculo, nós no tocante aos vistos de curta duração estamos limitados porque fazemos parte do Acordo Schengen”.
“Portanto, há aqui uma questão de soberania partilhada, vamos trabalhar no que pode ser feito, nomeadamente no tocante aos vistos de longa duração e facilitar na maior medida possível o que podermos”, apontou.
Francisco Alegre Duarte disse também acreditar que a regulamentação do Acordo de Mobilidade da CPLP, já assinada por Portugal, dará resposta à problemática da solicitação de vistos.
“Vai dar [resposta]. Houve nesta semana uma reunião importante, em Lisboa, no dia 19, sobre a implementação do protocolo de facilitação dos vistos e agora vão ser dados novos passos em termos de legislação e de concretização de todos estes passos”, respondeu.
Admitiu ainda que a implementação do acordo de mobilidade será um grande desafio para Portugal, porque os seus serviços consulares estarão pressionados com um “aumento brutal” de solicitação de vistos, garantindo, no entanto, trabalho.
“Esse é um grande desafio, não lhe escondo que é difícil, mas é a nossa obrigação fazê-lo e vamos trabalhar para isso, eu não lhe vou dizer que é fácil, não é fácil porque realmente há aqui uma grande pressão”, sustentou.
Mas, “a nossa vontade é dar resposta e o simples facto de haver este aumento brutal na ordem de uma percentagem altíssima é sinal de que a vontade está lá, sobre isso não haja dúvidas”, notou.
A cooperação parlamentar, a diversificação da economia e o vasto programa de cooperação estratégica entre Angola e Portugal foram igualmente temas abordados no encontro entre Carolina Cerqueira e Francisco Alegre Duarte.
Carolina Cerqueira é a nova presidente da Assembleia Nacional de Angola para a legislatura 2022-2027, que emerge das eleições gerais de 24 de Agosto, que elegeu 220 deputados.
Francisco Alegre Duarte disse ainda ter felicitado a presidente do órgão legislativo angolano, que na próxima semana viaja para Lisboa, onde participa da assembleia parlamentar da CPLP.
“Tive a oportunidade de lhe dizer que contamos com a toda a sua experiência e peso político para, no quadro desta nova legislatura, levar a cabo um trabalho que nós Portugal temos um país amigo que consideramos muito importante”, rematou o embaixador português.
O NEGÓCIO DOS VISTOS
As juras de amor eterno entre Portugal e Angola parecem aquelas histórias camilianas de amores, desamores, graças e desgraças, que tantas lágrimas fizeram correr no passado. Hoje em dia, presume-se que sejamos mais cínicos, e salvo as beijocas, selfies e afectos do Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que dão sempre muitas reportagens ao vivo nos telejornais, pouco sumo fica de tais juras.
É evidente que um dia virá em que, ou a haverá um visto lusófono, ou deixarão de existir no espaço lusófono vistos turísticos. Convenhamos que para os mais ingénuos trata-se de uma esperança legítima, que todos ou quase todos almejam. No entanto, para os “especialistas na matéria”, longe vá o agouro, isso significará que lhes estão a tirar mais uma mama.
As estórias que agora vos contamos, e escrevemos estória à maneira brasileira, porque de facto de pouco abonatório e histórico isto encerra, dizem respeito a dois processos de pedido de vistos de turismo, que se realizaram, um no Consulado de Angola do Porto, e outro no Consulado de Portugal em Benguela.
No primeiro caso, tratou-se de um pedido de visto para uma cidadã portuguesa se deslocar a Angola por 30 dias. No segundo caso, trata-se (“trata-se”, Presente do Indicativo e não “tratou-se”, Pretérito Perfeito. A coisa parece estar para durar, parece um anúncio televisivo a uma certa marcada de pilhas) de um cidadão angolano que pretende vir a Portugal por pouco mais de 30 dias.
Indo para a primeira situação, como o marido da cidadã portuguesa (que pretendia o visto de turismo para Angola) em causa já sabe o que a casa gasta, nem sequer perdeu tempo tentando apresentar por motu próprio o pedido de visto. Entregou o processo a uma agência que trata desse tipo de pedidos e zás, uma semana depois estava o caso resolvido. Os funcionários do Consulado de Angola no Porto são muito diligentes, perguntam sempre, porque agência o senhor ou a senhora em causa estão a tratar da documentação.
De qualquer modo os documentos necessários são muito simples, bilhete de avião em nome de quem faz o pedido de visto, carta de chamada e de responsabilização pela estadia ou comprovante de alojamento hoteleiro. No caso de carta de chamada e de responsabilização de alojamento há que adicionar cópia do Bilhete de Identidade de quem passa a carta de chamada para Angola e uma cópia de um extracto de conta bancária dessa mesma pessoa responsável. Enfim, nada de especial.
Agora temos o segundo caso, o de um cidadão angolano que pretende passar uns dias em Portugal, para conhecer a família da sua namorada portuguesa e com eles passar o Natal. Quem lhe fez a carta de chamada foi precisamente o marido da cidadã portuguesa acima referida. Carta de chamada e de responsabilização de custos de alojamento e caso seja necessário de reenvio desse cidadão angolano de volta a Angola, caso este queira curtir as maravilhas do País à Beira Mar Plantado e não retorne na altura combinada. O cidadão angolano teve ainda de apresentar cópia do seu bilhete de ida e volta entre Portugal e Angola.
Até aqui tudo bem. Acontece, porém, que ao invés de um simples extracto bancário de uma conta do cidadão português, que fez a carta de chamada para o cidadão angolano, foram necessários extractos bancários referentes aos três meses anteriores ao pedido de visto. Ou seja, qualquer português que faça uma carta de chamada para um angolano, que tenha de pedir um visto no Consulado português em Benguela, é por definição primeira um criminoso.
Ah! Mas em conversazinha de pé de orelha, alguém informou o dito cidadão angolano que uma “gasosasinha” poderia fazer maravilhas. E como de conversazinhas de pé de orelha não há registos, isto agora que aqui foi afirmado, sobre refrigerantes, é apenas uma divagação delirante de quem escreve…
Duas questões. Primeiro, é evidente que esta treta dos vistos é um grande negócio, não para os países, mas para os marimbondos de um lado e para as melgas (o equivalente português do marimbondo) do outro. Se os países quisessem tratar dos vistos de um modo simples e pragmático, cobravam simplesmente uma taxa em moeda forte à entrada. E acabavam-se os intermediários, esquemas e restante bicharada.
Segundo, um país que se diz do primeiro mundo e que se gaba de pertencer à União Europeia, não pode permitir que nos seus serviços consulares haja tal tipo de usos e abusos. Muito bem, podem argumentar que são funcionários que resolvem fazer isso por iniciativa própria. Lamentamos, para isso é que existem sistemas de fiscalização e auditoria. E não digam que não sabiam. É um processo recorrente. E estórias deste tipo não faltam.
Falando com pessoas que por motivos profissionais têm de acolher estudantes africanos ou brasileiros em Portugal, é também recorrente que os serviços consulares portugueses, por exemplo no Brasil, funcionam muito mal, e que existe uma distância astronómica entre os discursos políticos da cooperação, nomeadamente universitária, e a fria realidade do dia-a-dia. Com África é a mesma coisa.
É comum, no caso angolano, falar-se de “irritantes” por causa de uma ou várias personagens angolanas com comportamentos pouco abonatórios em Portugal. Mas sejamos objectivos e realistas, o que diariamente se passa com os cidadãos angolanos anónimos e os tais cidadãos portugueses “presumivelmente criminosos” porque lhes passam cartas de chamada, isso sim, é que é vergonhoso e irritante. Três meses de extracto bancário? Tenham maneiras e juízo! E ainda consideram que Angola é um país do terceiro mundo? E Portugal em que mundo está? Presume-se que na cloaca do terceiro mundo. Só pode ser.
A actuação dos funcionários do governo português nas suas delegações no estrangeiro, sejam estes funcionários de nacionalidade portuguesa ou não, deixa muito a desejar. Sugerimos um pequeno exercício, ouvir os programas de rádio da comunidade portuguesa no Brasil, basicamente aos sábados e domingos, para ouvir as muitas e frequentes queixas que os cidadãos portugueses naquele país apresentam.
Aliás, é nossa firme convicção de que os maiores inimigos de Portugal são precisamente os funcionários dos serviços consulares portugueses, que tão más imagens dão do país no estrangeiro. E que este modo de pensar e actuar só existe por complacência dos funcionários superiores que, esses sim, temos a certeza de que são de nacionalidade portuguesa. A nosso ver, é gente que não tem consciência da importância histórica de Portugal e que actua de forma profissionalmente mercenária, minando sistematicamente os esforços daqueles que quer a nível profissional, ou simplesmente a nível individual, tentam manter relações culturais e sociais pela comunidade lusófona afora.
Folha 8 com Lusa