ABSTENÇÃO DO MPLA E NÃO DE ANGOLA

A posição assumida por Angola (MPLA) de não-condenação da invasão russa da Ucrânia não afecta a relação com os Estados Unidos, afirmou o embaixador norte-americano em Luanda, Tulinabo Salama Mushingi, garantindo que os dois países vão “continuar a trabalhar juntos”.

Angola, disse Tulinabo Salama Mushingi, é uma das quatro parcerias estratégicas dos EUA em África e irá prosseguir dessa forma. “Para nós, um voto sobre este assunto não afecta a nossa relação, vamos continuar a trabalhar juntos”, disse em declarações à Lusa.

Angola absteve-se, no início de Março, na votação da Assembleia Geral da ONU que condenou a invasão da Ucrânia pela Federação Russa com 145 países a favor e cinco contra. No total, 35 países abstiveram-se, incluindo 17 africanos. Ao abster-se de condenar o agressor, ao contrário da UNITA, o MPLA assumiu a condenação do agredido. Só seria preocupante se Angola não fosse uma sólida democracia como é a Rússia, a Eritreia ou a Coreia do Norte…

“Sobre esta questão, todos nós podemos concordar com os factos quanto ao que aconteceu nesta região: um país atacou o outro, um país está a bombardear outro e a destruir o seu modo de vida. São factos. Mas quando chegamos ao momento do voto, cada país tem direito de decidir como votar. O que é claro é que a maioria dos países do mundo votaram a favor desta resolução e só cinco votaram contra, mas não vale a pena passar muito tempo a discutir como votou cada país”, sublinhou o diplomata, que chegou a Angola este mês.

Tulinabo Salama Mishingi adiantou que o assunto tem sido falado com a contraparte angolana: “Nós explicámos a nossa posição e Angola explicou a sua, é isso que fazemos. No que concordamos, vamos avançar; quando não concordamos vamos esperar e continuar a discutir”. E até que o mundo livre consiga “transformar” Vladimir Putin de bestial em besta, o MPLA continuará a considera-lo bestial. Se Agostinho Neto é, de acordo com o MPLA, o único herói nacional… está tudo dito.

Sobre se o facto de as empresas russas que estão a ser alvo de sanções poder abrir mais portas às empresas americanas, considerou que a prioridade é dar a Angola e aos angolanos “escolhas”.

O diplomata salientou que as empresas devem actuar de forma transparente e admitiu que as situações de conflito abrem oportunidades, mas também alguns desafios.

No que concerne aos desafios, notou que as empresas norte-americanas se debatem com o factor língua, bem como processos burocráticos complexos que devem ser feitos com mais clareza, nomeadamente quanto aos procedimentos que as empresas devem seguir.

“Mas não nos concentramos muito nos desafios, concentramo-nos nas oportunidades”, continuou o diplomata, assinalando que “há uma vontade política clara” no sentido de que o país progrida, adoptando medidas para combater a corrupção e promover a diversificação económica. Coisa que o MPLA promete fazer há… 46 anos. Só promete porque, reconheça-se, se combater eficazmente a corrupção entra num processo célere de auto-extinção.

“Isto são oportunidades, (Angola) é um grande país, com 30 milhões de pessoas, que tem uma liderança regional, estabilidade e segurança”, elementos que os investidores norte-americanos procuram.

“Acreditamos no sucesso aqui, é um sinal de que podemos ter sucesso nesta região, além da África do Sul que é um país anglófono”, complementou.

Tulinabo Salama Mushingi, de 63 anos de idade, nasceu no então Congo Democrático (hoje República Democrática do Congo), quando este país estava ainda sob dominação colonial da Bélgica, e estudou no Instituto Superior Pedagógico em Bukavu, onde obteve uma licenciatura e um mestrado.

Mais tarde, depois de emigrar para os Estados Unidos, obteve um outro mestrado pela Universidade de Howard e um doutoramento em Linguísticas pela Universidade de Georgetown em 1989. A sua dissertação foi o uso do Swahili como meio de educação.

Mushingi juntou-se ao Departamento de Estado em 1993 e trabalhou na embaixada americana em Moçambique entre 1994 e 1996. Teve também postos diplomáticos na Tanzânia, Marrocos e Malásia.

Tulinabo Salama Mushingi foi o primeiro cidadão americano nascido em África a ser embaixador num país do continente e, numa entrevista em 2013, afirmou que “teria sido um privilégio representar os Estados Unidos da América em qualquer país do mundo, mas ir para África como o primeiro africano naturalizado americano é mais especial para mim…. (porque) posso demonstrar que na verdade quando se abrem oportunidades para o povo nesses países africanos pode haver esperança”. Mushingi fala português. O primeiro país africano de língua portuguesa onde Mushingi foi embaixador foi a Guiné-Bissau, embora residente no Senegal.

Joe Biden é rico e mal-agradecido

Segundo o DIP (Departamento de Informação e Propaganda do MPLA), via Jornal de Angola (JA), vários temas de interesse comum entre Angola e os Estados Unidos da América estiveram em análise, em Washington, durante o encontro – Setembro de 2021 – que o Presidente João Lourenço teve com o conselheiro de Segurança americano, Jake Sullivan.

O encontro, com a duração de mais de uma hora, diz o DIP, foi considerado “excelente” pela então embaixadora dos Estados Unidos em Angola, Nina Maria Fite, que lamentou a impossibilidade de Joe Biden estar presente devido a compromissos inadiáveis (tinha ido ao barbeiro).

“Foi uma reunião excelente. Eles tiveram uma discussão muito ampla sobre vários temas de interesse mútuo”, sublinhou a diplomata, que destacou o papel chave de Jake Sullivan na Administração do Presidente Joe Biden. Aliás, é de crer que Jake Sullivan é, na verdade, tão ou mais importante do que Joe Biden. Se assim não fosse, presume-se, João Lourenço não aceitaria tirar uma fotografia com um funcionário… menor.

Por ser uma pessoa muito importante (muito, muito, disse o MPLA) na Casa Branca, acrescentou Nina Maria Fite , isso significa também uma grande vantagem para Angola e para o Presidente João Lourenço ter este tipo de discussão.

Segundo Nina Fite, o encontro foi enquadrado na cooperação estratégica entre os dois países, que mostra, cada vez mais, como os EUA e Angola têm esta “cooperação profunda”. Joe Biden terá mesmo equacionado adiar o corte de cabelo para estar com o Presidente do MPLA.

Os Estados Unidos têm destacado o papel de liderança do MPLA na pacificação da Região dos Grandes Lagos, bem como no fim da escravatura. Na qualidade de presidente da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos, Angola já organizou três mini-cimeiras sobre a situação de paz e segurança na República Centro-Africana.

Em 2019, Angola foi um dos facilitadores, juntamente com a República Democrática do Congo (RDC), do Memorando de Entendimento, assinado em Luanda, entre o Rwanda e o Uganda.

O encontro com o conselheiro de Segurança dos Estados Unidos marcou o início da agenda oficial do Presidente João Lourenço em Washington. O Chefe de Estado angolano, não nominalmente eleito (coisa menor para os EUA), foi homenageado pela Fundação Internacional para a Conservação do Ambiente (ICCF), pelo seu envolvimento em iniciativas de defesa do ambiente.

Presume-se que João Lourenço, na versão Presidente do MPLA, terá dado como exemplo o êxito conseguido no vegetarianismo dos jacarés angolanos que, depois de 2017, só mantiveram a opção carnívora quando tinham fome.

Em declarações à imprensa, no final da visita que efectuou ao Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, que na altura assinalava o 5º aniversário, o Chefe de Estado disse ter sido tocado, profundamente, pelo que viu. “O que vimos é algo bastante emocionante, porque isto é parte da nossa História comum, dos africanos e os da diáspora”, sublinhou.

“Todo o sofrimento por que os nossos irmãos passaram ao longo dos séculos, desde o tempo do esclavagismo, toca profundamente o nosso coração e, por esta razão, temos de estabelecer uma ligação mais próxima entre os países africanos e a nossa diáspora africana, parte da qual está nos Estados Unidos”, reforçou.

Provavelmente João Lourenço poderia emocionar-se de igual modo se visitasse as valas comuns onde foram enterrados os milhares de angolanos que o seu herói nacional, Agostinho Neto, mandou assassinar nos massacres de 27 de Maio de 1977. Ou não?

Questionado se a aproximação passaria pelo retorno desta diáspora, o Chefe de Estado, que esteve acompanhado da Primeira-Dama, Ana Dias Lourenço, colocou de parte a ideia de um regresso definitivo, mas sim a manutenção de uma ligação com as origens que, provavelmente, remontam ao tempo do primeiro militante do MPLA, Diogo Cão.

“Neste domínio dei um passo concreto, acabei de convidar a família Tucker a visitar Angola para partilharem a sua experiência com o Arquivo Nacional de Angola, com as universidades e com as nossas comunidades. Isso vai acontecer proximamente. Hoje é esta família, amanhã pode ser outra, de forma que possam manter a ligação com as suas origens, que é o continente africano”, concluiu.

A família Tucker é descendente dos primeiros escravos que foram levados para os Estados Unidos, originários de Angola, em 1619. É claro que, por uma questão de identidade, o MPLA continua a aumentar o número de escravos internos (20 milhões de pobres), garantindo assim que o seu ADN não será adulterado por uma qualquer opção democrática.

O Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana é um edifício imponente, situado nas proximidades da Casa Branca, construído para a conservação do legado dos afro-descendentes nos EUA. Nos vários compartimentos, narra o percurso dos escravos trazidos para América, o papel de alguns soberanos africanos, incluindo a Rainha Ginga Mbande, cujo retrato é exposto, em grande plano, na entrada de uma das galerias.

“O museu narra a história dos afro-americanos, desde a chegada dos primeiros escravos, às colónias americanas, independência americana e o paradoxo da liberdade, participação dos escravos na construção da Casa Branca e Capitólio, surgimento do movimento abolicionista, luta pelas liberdades civis, bem como a ascensão de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos e muito mais”, escreve o enviado do DIP/MPLA (Jornal de Angola).

Folha 8 com Lusa

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