A PÓPIA DOS VENDILHÕES

Angola tem trabalhado para se posicionar cada vez mais como um “Estado amigo do ambiente” e o seu ordenamento jurídico afigura-se “suficientemente protector do ambiente”, com normas que consagram imposições e proibições de crimes ambientais, foi hoje anunciado. Quando será que o MPLA (no poder há 47 anos) entende que o problema não está nas leis, nos acordos, nos compromissos que subscreve, mas sim no seu não cumprimento?

Segundo o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente angolano, Adão de Almeida, o país tem trabalhado, enquanto membro activo da comunidade internacional, “para que de modo inequívoco se posicione cada vez mais como um Estado amigo do ambiente”. É verdade. Posiciona-se como amigo do ambiente e, recorde-se, como inimigo – por exemplo – dos angolanos, 20 milhões dos quais são pobres.

“E que honre os seus compromissos para com a sustentabilidade ambiental”, afirmou hoje o governante na abertura do XIX Encontro dos Procuradores-Gerais dessa coisa que se chama Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que decorre, em Luanda.

A ordem jurídica angolana, quer por normas de direito interno quer por normas de direito internacional vigentes em Angola, sublinhou Adão de Almeida, afigura-se “suficientemente protectora do ambiente”.

Na medida em que, argumentou, “dispõe de normas jurídicas que consagram imposições e proibições das quais resulta a ilicitude de actos que com elas não se conformem”.

Adão de Almeida referiu também que cabe aos Estados a definição de políticas ambientais tendentes “à renovação e à correcta utilização dos recursos naturais disponíveis como garantia primeira do desenvolvimento sustentável da humanidade e da melhoria da qualidade de vida dos cidadãos”.

O “Papel do Ministério Público na Protecção Ambiental” é (não havendo temas mais relevantes como, por exemplo, a real transformação de alguns dos membros da CPLP em verdadeiros Estados de Direito) o lema deste encontro dos procuradores lusófonos, que se estende até sexta-feira, em Luanda.

A conversão energética, as mudanças climáticas são actuais e centrais para o nosso presente e para o futuro da humanidade, realçou: “Se temos o direito e o dever de ambicionar cada vez mais o crescimento económico e este direito não nos desonera da responsabilidade de não comprometer o futuro da humanidade”.

O ministro defendeu igualmente que criar sinergias nas mais diferentes perspectivas e também a nível dos Estados da CPLP “é também relevante para que possamos ter um importante contributo para que o direito ao futuro seja assegurado”.

Quanto às acções do Governo angolano, no quadro da sustentabilidade ambiental, o ministro de Estado do MPLA deu conta que a transição energética no país, através da redução da utilização de combustíveis fósseis, “já é uma realidade” no país. Aliás, por alguma razão grande parte da população angolana nem sequer sabe o que é usar, muito menos ter acesso, electricidade.

“Só na província de Benguela foram recentemente inaugurados dois parques solares de grande capacidade e projectos similares estão em curso em várias outras províncias do país”, concluiu Adão de Almeida.

Falar de direitos humanos com 20 milhões de pobres

Em 2019, Angola ratificou (como dito, o MPLA assina tudo) vários tratados internacionais de direitos humanos, com vista a fortalecer o sistema jurídico de promoção e protecção desses direitos a nível nacional, anunciou, em Luanda, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. Leis, tratados, acordos, convenções não faltam. O que falta é cumprir tudo isso. Mas o MPLA ainda não teve tempo…

Trata-se da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos relativos à Abolição da Pena de Morte.

Ratificou, de igual modo, segundo uma nota do Ministério, o Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados não-internacionais, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas e a Convenção para a Redução dos Casos de Apátrida.

Com a ratificação desses instrumentos, lê-se na nota, Angola cumpre com os seus compromissos (formais) a nível internacional, especialmente enquanto Estado Membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o período 2018-2020.

Angola é Estado-Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, bem como a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Após a aprovação da Assembleia Nacional, o processo foi remetido para a Promulgação pelo Presidente da República e Publicação no Diário da República (nos dias 9 e 16 de Julho), em conformidade com a Lei n.º 4/11, Lei dos Tratados Internacionais, faltando apenas o depósito dos Instrumentos de Adesão na ONU.

O Governo do MPLA e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) também assinaram, em Luanda, um acordo de cooperação destinado a reforçar as garantias da promoção e defesa dos Direitos Humanos em Angola.

O acordo, assinado pelo secretário de Estado do Interior angolano, José Bamikina Zau, e pelo representante do PNUD em Angola, Henrik Fredborg Larsen, prevê o apoio da agência da ONU na monitorização, avaliação e estatísticas sobre direitos humanos, bem como acções de formação, sobretudo junto dos agentes das forças de segurança.

O documento previa o apoio do PNUD em acções destinadas a melhorar as relações entre os agentes da ordem pública e os cidadãos e a respectiva capacitação institucional em matéria dos direitos humanos. O resultado é visto todos dias…

Na cerimónia, Henrik Larsen, que, mais tarde, se escusou a falar aos jornalistas (o que só por si é sintomático), destacou a “parceria estratégica” entre Angola e o PNUD, realçando o facto de a agência das Nações Unidas já trabalhar no sector em mais de uma centena de países, nomeadamente junto dos Governos e das polícias.

Sem adiantar pormenores, Larsen realçou, por outro lado, a importância de o Ministério do Interior angolano estar, desta forma, a “responder às preocupações” manifestadas nos últimos anos pelo PNUD em questões ligadas aos Direitos Humanos.

Por seu lado, Bamikina Zau sublinhou o “empenho” do Governo angolano na promoção e defesa dos direitos humanos em Angola, consubstanciado nos diferentes acordos já assinados com outras agências da ONU, como os altos comissariados das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Num documento oficial do Ministério do Interior, é lembrado que a questão dos Direitos Humanos em Angola é uma matéria que está no “topo da agenda do executivo”. Só falta saber se essa agenda não está de pernas para o ar…

“Angola é parte de cinco dos nove tratados principais dos Direitos Humanos e faz parte de cinco dos sete principais instrumentos legais da Comissão Africana dos Direitos Humanos”, lembra-se no documento.

Segundo o Ministério do Interior, Angola tem alcançado “importantes marcos no cumprimento das suas obrigações internacionais e regionais de reportar sobre Direitos Humanos, destacando a participação em dois ciclos de revisão periódica universal (UPR) – 2010/14 e 2015/19.

O Ministério do Interior lembrou ainda que Angola já criou “importantes instituições nacionais” representativas da defesa dos Direitos Humanos, como a Comissão Intersectorial para Elaboração dos Relatórios Nacionais dos Direitos Humanos, o Provedor de Justiça, os comités provinciais dos direitos humanos e o projecto legislativo para a criação de Centros de Resolução Extrajudicial de Conflitos (CREL). Faltou lembrar o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.

Muita parra e pouca, muito pouca, uva

No dia 26 de Fevereiro de 2018, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Manuel Domingos Augusto, reconheceu finalmente o que acontecia há décadas. Ou seja, que o país “ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir o bem-estar e os direitos fundamentais a todos os cidadãos”. Haja Deus!

Será que, perante este reconhecimento do ministro dos Negócios Estrangeiros, o MPLA iria pedir desculpas aos que – como é repetidamente o caso do Folha 8 – têm dito o mesmo ao longo dos anos e que foram acusados de alarmismo e de ataques ao prestígio do país e falta de patriotismo?

Falando na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, Manuel Augusto vincou que é por haver este caminho a percorrer que o Governo “continuará a trabalhar diariamente nos programas de diversificação económica, na criação de um melhor ambiente de negócios que atraia o investimento privado nacional e estrangeiro, garantindo assim o emprego à juventude e reduzindo drasticamente a pobreza”.

O diplomata angolano apresentou as que disse serem as principais preocupações do executivo liderado por João Lourenço, salientando que o país “continua a atribuir a maior importância à promoção e protecção dos direitos humanos e ao reforço do papel da sociedade civil na consolidação do Estado democrático e de direito e na prevalência do diálogo e da participação política inclusiva como elementos fundamentais para a convivência harmoniosa no país”.

Nesse sentido, acrescentou, “Angola está cada vez mais comprometida com acções que visam apoiar a criação, desenvolvimento e empoderamento das organizações da sociedade civil e privados, assegurando a actores não estatais a informação e participação inclusiva na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, bem como os apoios necessários para o desenvolvimento das suas actividades”.

Manuel Augusto disse ainda que o Governo queria “incentivar as organizações da sociedade civil a apresentar iniciativas e projectos junto da Administração Pública e de outros órgãos do Estado e prosseguir com a reforma do Estado, boa governação, luta contra a pobreza e combate cerrado à corrupção e à impunidade”.

Na verdade, a situação dos direitos humanos em Angola melhora a cada dia que passa e, embora não tenhamos um quadro perfeito, o país faz a sua caminhada. Isto, é claro, a nível dos que integram a elite do regime.

Não há no mundo uma ementa ou modelo que sirva como paradigma em matéria de direitos humanos. As leis angolanas e os instrumentos legais internacionais subscritos pelo Estado angolano, que não são cumpridos e apenas existem formalmente, além de uma experiência de reconciliação marcada por intolerância, denegação do diálogo, são bases relevantes para se verificar como o regime impõe a sua ditadura.

Angola participou na 58.ª sessão da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) que decorreu em 2016 na cidade de Banjul, Gâmbia, que se tornou numa espécie histriónica de “Meca dos direitos humanos em África”. Como africanos devemos olhar para este importante mecanismo continental, a CADHP, através do qual os Estados africanos supostamente avaliam o estado dos direitos humanos em África, como uma ferramenta indispensável… se fosse para ser cumprida.

Sem prejuízo para as demais instituições regionais e Organizações Internacionais que superintendem os direitos humanos, é preciso potenciar cada vez o papel que a CADHP deveria fazer em África.

Naquela cidade, o então secretário de Estado dos Direitos Humanos reafirmou mais uma vez o compromisso do Executivo de sua majestade o rei da altura, José Eduardo dos Santos, no sentido da contínua garantia, promoção e protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais para os angolanos de primeira, no âmbito das suas obrigações continentais e internacionais.

Fazendo jus às palavras emblemáticas constantes na Constituição (que o regime não cumpre) segundo as quais “Angola é uma República baseada na dignidade da pessoa humana”, as autoridades do país empenham-se para fingir que a agenda dos direitos humanos está no topo das prioridades. E assim tem sido, razão pela qual o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais continuam a não ser uma realidade em todo o país.

Como qualquer Estado cujas tarefas para limar arestas em torno dos direitos humanos prevalecem como fins a alcançar num horizonte de mais 40 anos, as autoridades angolanas reconhecem que há ainda muito por fazer. O fundamental é que gradualmente numerosas metas continuam por alcançar e muitas outras o poderão ser na medida que o reino venha um dia a ser um Estado de Direito.

Em teoria, o país mostra-se aberto a passar regularmente pelo crivo de instituições que lidam com os direitos de dimensão continental, mundial e cujas recomendações são normalmente aplicadas no país.

Não podemos perder de vista que numerosos Tratados e Convenções internacionais têm força jurídica no ordenamento jurídico interno, o que torna Angola – nesta matéria – num reino arcaico e esclavagista.

É natural que as expectativas no que à observância dos direitos humanos dizem respeito sejam elevadas, embora seja igualmente recomendável que deixemos as instituições trabalharem nos próximos 50 anos já que, recorde-se, nos últimos 47 anos andaram para trás. É fundamental que, em vez da promoção de campanhas que visam denegrir os donos reino, sejamos participantes activos nos esforços das instituições para melhorar a situação dos direitos humanos no país. Muitos dos parceiros do reino, tais como as organizações de defesa dos direitos humanos, realizam tarefas importantes na medida em que contribuem para olhar para o problema dos direitos humanos sob diversas perspectivas.

Mas há também, dentro e fora do reino, organizações que correctamente concebem planos e promovem campanhas para, constatando que o reino é cada vez mais esclavagista, mostrar que também neste assunto o rei vai… nu.

Somos, comparativamente a muitos outros Estados em África e no mundo, piores em matéria de direitos humanos. O fundamental, e que devia ser encorajado por todos, é a luta para que um dia destes deixem, por exemplo, de existir presos políticos em Angola.

Urge pôr em causa a falsa abertura e a não menos falsa cooperação do reino, tal como é amplamente realçada pelas organizações internacionais, particularmente a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Comissão Africana para os Direitos Humanos e dos povos.

As instituições angolanas são favoráveis à vinda ao país de entidades amigas e compráveis, colectivas e singulares para “in situ” terem uma percepção real sobre a situação dos direitos humanos que o Governo lhe queira vender. Toda essa demonstração por parte do reino demonstra que o Governo angolano nunca esteve pronto, disponível e aberto para o diálogo sobre direitos humanos com as competentes entidades, sendo muito, muito, o que tem a ocultar sobre esta matéria.

Folha 8 com Lusa

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