O estado de saúde de José Eduardo dos Santos gerou polémica entre a família que se queixa de “abusos” e ingerência externa e a Presidência angolana, que remeteu informações sobre o ex-presidente apenas para um médico.
Numa nota divulgada pela Presidência angolana e assinada pelo ex-presidente, José Eduardo dos Santos alega que João Afonso é o seu médico pessoal, que o acompanha há 16 anos, em quem tem “a máxima confiança”, e é “a única entidade autorizada a falar” sobre o seu estado de saúde.
Esta posição surge depois de uma das filhas, a ex-deputada Welwitschia “Tchizé” dos Santos, ter denunciado “abusos” e “condicionamento da liberdade” em relação ao seu pai, que reside em Barcelona desde 2019, admitindo que a família lida com “um caso de polícia”, que pode motivar uma queixa às autoridades espanholas.
“Nós, os filhos de José Eduardo dos Santos (…) os que, de facto, estamos a querer zelar pela segurança do nosso pai, pela integridade física e jurídica do nosso pai, estamos a sentir-nos impotentes e só vamos ter uma alternativa que é chamar as autoridades espanholas a intervir porque isto é um caso de polícia. A outra alternativa é levar ao conhecimento de todos os angolanos o que está a acontecer”, disse em declarações enviadas à Lusa.
“Tchizé” dos Santos tinha questionado anteriormente a intervenção do médico angolano, já que este teria dito aos médicos espanhóis que estavam a dar assistência ao ex-presidente “para anularem as consultas e para não aparecerem”.
Na nota divulgada pela Presidência, José Eduardo dos Santos refere que João Afonso “continuará a ser o médico coordenador da equipa multidisciplinar” que garante a sua “assistência médica em Barcelona”, conclui o documento.
Na última semana foi noticiado um agravamento do estado de saúde do antigo chefe de Estado, o que estará na origem de divergências entre alguns dos seus familiares e o regime angolano.
Tal como a irmã, a empresária Isabel dos Santos, que enfrenta vários processos judiciais, em Angola e no estrangeiro, “Tchizé” dos Santos vive fora de Angola desde que o pai abandonou o poder, sendo substituído na Presidência por João Lourenço (que foi uma escolha imposta pelo próprio Eduardo dos Santos), em 2017, afirmando ser vítima de perseguição.
“Tchizé” dos Santos, que perdeu o mandato de deputada do MPLA, o partido que governa Angola há 46 anos, em Outubro de 2019, queixou-se de ameaças e acusa João Lourenço de travar “uma campanha de perseguição” contra si.
“Tchizé” não vai à missa de João Lourenço
Em Maio de 2019, “Tchizé” dos Santos disse que o actual chefe de Estado, igualmente Presidente do MPLA, estava a fazer um “golpe de Estado às instituições” em Angola e pediu a destituição de João Lourenço.
Em declarações à Lusa, a na altura deputada do MPLA e membro do seu Comité Central, assumiu que estava “involuntariamente” fora do país devido à doença da filha e que há vários meses estava a ser “intimidada” por dirigentes do partido no poder desde 1975.
Face à realidade – descreveu – em Angola, “Tchizé” dos Santos assumiu que estava à procura de advogados em Luanda para avançar para o Tribunal Constitucional angolano (embora este mais não seja do que uma sucursal do próprio MPLA) com “um pedido de “impeachment” [destituição]” de João Lourenço, e que também procurava o apoio de deputados para uma Comissão de Parlamentar de Inquérito à actuação do chefe de Estado, igualmente Titular do Poder Executivo.
“Tchizé” dos Santos explicou as ameaças de que era alvo – apontando mesmo uma alegada lista de várias figuras angolanas ligadas ao período da governação do pai, José Eduardo dos Santos (1979 — 2017), que as autoridades pretendiam impedir de sair de Angola – por ser uma voz que contestava algumas das orientações de João Lourenço. “O Presidente da República é conivente porque nada faz”, criticou.
“Está a haver um crime contra o Estado. Isto é um caso para ‘impeachment’. Este Presidente da República merece um ‘impeachment’”, afirmou Welwitschea “Tchizé” dos Santos, considerada a filha mais próxima, politicamente, do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
“Tchizé” dos Santos falava em “abuso de poder” da actual liderança em Angola, como o caso de outro deputado do MPLA, Manuel Rabelais, próximo do anterior chefe de Estado e que foi impedido pelas autoridades de embarcar num voo internacional, em Luanda, apesar da sua imunidade parlamentar.
“É o senhor João Lourenço que me está a fazer a perseguição através do MPLA, porque ninguém no MPLA toma ali uma atitude sem a autorização do Presidente, ou sem a sua orientação”, afirmou.
“Tchizé” dos Santos assumia os receios face aos ecos que recebia do partido e que tem vindo a denunciar publicamente, dizendo sem receios que mesmo fora do país é visada: “Passo a vida a receber ameaças”.
Ainda assim, “Tchizé” dos Santos assumia que o seu partido é o MPLA, e disse acreditar que ainda era possível “um entendimento” com a actual liderança de João Lourenço, desde que se garanta a separação de poderes, entre o Parlamento, o partido e o Presidente da República.
“Tchizé” afirmou também que além das críticas publicas que faz, através das redes sociais, as suas acções enquanto empreendedora junto da sociedade angolana, como foi a acção de formação de zungueiras que realizou em Luanda, entre outras, estava a “irritar” a actual liderança angolana.
Além disso, disse que estava a ser visada pelas intervenções do Presidente da República e líder do partido, sobre o uso das redes sociais por responsáveis do MPLA.
“Um Presidente que está a subverter o Estado democrático de direito está a tentar dar um golpe de Estado às instituições”, afirmou, sobre João Lourenço.
Folha 8 com Lusa
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