A DIGNIDADE E O DIREITO DA IGREJA CATÓLICA

É com bastante preocupação que acompanho, a postura de alguns actores da sociedade angolana, que visa limitar de forma equivocada os líderes religiosos católicos de exercerem a sua cidadania e de actuarem no âmbito dos cinco maiores princípios da Doutrina Social da Igreja, que são: o Princípio da Destinação Universal dos Bens, o Princípio da Subsidiariedade, o Princípio da Solidariedade, Princípio do Bem Comum, e o da Dignidade da Pessoa Humana.

Por João Kanda Bernardo (*)

É importante realçar que estes todos princípios encontram algum fundamento na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por isso, atrevo-me dizer que, qualquer tentativa de silenciar a igreja é um atentado grave aos direitos humanos.

Porém, gostaria de pedir a maior compreensão de todos actores relevantes da sociedade angolana, no sentido de cada um respeitar a opinião do outro, quando o assunto é do interesse comum, a fim de consolidarmos o espírito de tolerância que todos os angolanos almejam face à actual conjuntura do país.

A CEAST publicou recentemente as deliberações da sua última Assembleia Geral, ocorrida em Benguela. Eu olho para aquele conteúdo como um rico contributo que, quando bem interpretado, possa ajudar a corrigir algumas falhas que beliscam o acto de boa Governança.

Os Bispos da CEAST também são cidadãos e eleitores. Porém, é normal um cidadão emitir alguma opinião sobre a situação política, social, cultural e económica do seu país. Aliás, respectivamente, aos factos históricos, importa recordar que, a génese da Doutrina Social da Igreja Católica ensina-nos que, a Encíclica “Rerum Novarum” promulgada a 15 de Maio de 1891, pelo Papa Leão XIII, foi uma resposta da Igreja Católica ao fortalecimento do liberalismo e do capitalismo monopolista na Europa. Foi promulgada posteriormente à Revolução Industrial e ao Manifesto Comunista de 1848.

A Igreja colocava-se radicalmente contra os dois movimentos modernos surgidos neste período: O liberalismo e o comunismo.

Foi assim que a igreja estabelece uma estreita relação com a causa do Bem Comum. Daí é inquestionável a mais recente postura da CEAST face ao sofrimento do povo angolano.

Emitir uma opinião construtiva sobre o que se passa no país não é desrespeitar as autoridades governamentais, mas sim um exercício de cidadania. E as pessoas também nem sequer precisam de achar que respeitar as autoridades instituídas é um imperativo divino. Esta mensagem nem mesmo nos estados teocráticos constitui qualquer fundamento teológico nem político na idade moderna, porque foi apenas um fundamento do discurso filosófico da idade média, quando a religião era principal esfera da vida humana.

Ora, respeitar as autoridades instituídas (Governos), era apenas um imperativo divino na Idade Média, onde qualquer atentado ou ofensa que o cidadão proferia a Deus por meio do Príncipe (Governante), enquanto este representava a vontade de Deus na terra por ter sido esta a fonte da legitimação do seu poder, constituía um crime de Lesa-Majestade “crimen laesae maiestatis”.

Qual é o fundamento de um Crime de Lesa-Majestade num estado contemporâneo onde a fonte de legitimação do Poder é o povo, e a fonte de legalidade é a Constituição da República?

Portanto, na idade média cristianismo comandava a formação da mentalidade e do imaginário, e pela igreja passa a formação da civilização europeia. Por esta razão, o conceito de cristandade mostra-se bastante adequado. A Europa era, a despeito das singularidades de cada povo, um Reino cristão. E como a religião cristã era o motor da civilização medieval, ela atinge também a política.

Porém, é de salientar que, na “era moderna”, as “autoridades instituídas (Governos)” queriam dizer autoridades criadas. Isto significa que, o Governo angolano também foi instituído pelos cidadãos que através de um pacto entre eles criara, instituíram esta autoridade (Teoria Contratualista). Todas as vezes, que as autoridades não respeitam o povo, não garantem a justiça, paz e a segurança, não garantem o bem estar, o povo tem o direito de apelar-se ao mais alto magistrado (Deus) e aos céus (Appeal to Heaven).

Foi esta a ideia defendida por John Locke, e foi esta a ideia que esteve na base da revolução americana que deu origem à revolução de Virgínia e à constituição norte americana de 1776.

(*) Fellow do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos

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