1,6 MILHÕES PASSAM FOME… RELATIVA (É CLARO!)

Quase 1,6 milhões de pessoas no sul de Angola sofreram insegurança alimentar grave (eufemismo que significa fome) em 2021 devido à seca, a pior em 40 anos, revela hoje um relatório que prevê em 2022 o terceiro ano consecutivo de colheitas reduzidas.

De acordo com o relatório, publicado anualmente pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Programa Alimentar Mundial (PAM) e a União Europeia, no ano passado, 193 milhões de pessoas em 53 países estavam em situação de insegurança alimentar aguda, ou seja, precisavam de assistência urgente para sobreviver.

A classificação engloba os níveis entre 3 e 5 da escala internacional de segurança alimentar: crise, emergência e desastre.

Em Angola, os autores do relatório analisaram 17 municípios rurais de três províncias do sudoeste do país, Namibe, Huíla e Cunene, onde vive 9% da população angolana, de 32,1 milhões.

Nestes municípios, os investigadores calculam que 1,59 milhões de pessoas — ou seja 58% da população analisada — estivessem em situação de crise ou emergência alimentar (níveis 3 e 4) entre Outubro de 2021 e Março de 2022, dos quais 420 mil dos quais no estado mais grave.

Em quatro dos municípios estudados – Cahama (Cunene), Gambos (Huíla), Camucuio (Namibe) e Virei (Namibe) – pelo menos 75% da população estava em situação de crise alimentar ou pior.

Os números pioraram entre 2020 e 2021, ano em que a pior seca em 40 anos e uma praga de gafanhotos reduziu a disponibilidade de alimentos pós colheita para um a três meses em alguns dos municípios.

O número de pessoas em crise ou pior aumentou de 1,3 milhões (49% da população analisada) na época das colheitas de Junho-Setembro de 2021 para 1,6 milhões na de Outubro a Março de 2022.

Segundo o relatório, as três províncias do sudoeste de Angola enfrentam uma crise de baixo peso nas crianças: 114 mil crianças com menos de 5 anos tinham baixo peso, 37 mil das quais de forma grave.

Os autores do relatório atribuem a crise a dois anos consecutivos de colheitas reduzidas após uma seca que o PAM considera a pior na região em 40 anos.

As quantidades cumulativas de precipitação sazonal nas províncias do Namibe, Cunene, Huíla e Cuanza Sul ficaram 60 a 80 abaixo da média, segundo a FAO, e os efeitos recorrentes da seca reduziram a produção agrícola e pecuária e contribuíram para o aumento dos preços dos alimentos.

A situação foi agravada por uma praga de gafanhotos que provocou danos nas culturas em Cuanhama, Namacunde, Ombandja e Curoca (Cunene), Virei e Moçâmedes (Namibe) e Humpata (Huila), escrevem os investigadores.

Para 2022, as perspectivas indicam grande probabilidade de chuvas desfavoráveis, aumentando a probabilidade de uma terceira colheita reduzida consecutiva.

Como há também indicação de baixa disponibilidade de sementes, a área semeada com cereais em 2022 deverá ser reduzida, o que deverá comprometer ainda mais as perspectivas de produção, segundo a FAO.

Os autores alertam ainda que os choques económicos, incluindo a Covid-19, provocaram cinco anos consecutivos de recessão económica, o que afectou gravemente as oportunidades de geração de rendimentos das famílias.

AS ESTRELAS DA FOME (RELATIVA) SÃO DO POVO

A União Europeia, que – para além dos negócios – sobre Angola tem apenas uma vaga e ténue ideia do que se passa, sublinha o empenho na abolição da pena de morte, na erradicação da tortura e na eliminação de todas as formas de racismo e diz que Angola pode incentivar outros países a seguir exemplo. Lindo. Só faltou citar Manuel Rui Monteiro a dizer que “as estrelas são do Povo”.

Em concreto, a União Europeia congratulou-se com a adesão de Angola a três tratados internacionais de protecção dos direitos humanos, designadamente abolição da pena de morte, fim da tortura e eliminação de todas as formas de discriminação racial.

Em 2 de Outubro de 2019, Angola tornou-se parte do Protocolo Opcional para a Abolição da Pena de Morte, da Convenção contra a Tortura e Outras Formas de Tratamento ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

“Ao fazê-lo, Angola reforça a tendência global para a abolição da pena de morte, a erradicação da tortura e a eliminação de todas as formas de racismo. Estas adesões por parte de Angola deverão incentivar outros países a seguir este exemplo”, sublinhou a União Europeia, reafirmando ainda o seu “compromisso firme a favor da abolição universal da pena de morte, do combate à tortura e outros maus-tratos em todo o mundo, bem como de todas as formas de racismo”.

A pena de morte (onde não se inclui os mortos provocados pela criminosa incompetência do Governo) por acção desproporcional da Polícia Nacional (do MPLA) ou devido à fome não contam porque, explicou este João Lourenço, são tudo causas… relativas.

Angola continua, impávida e serena, a assinar tudo quanto lhe põem à frente. Ratificou até vários tratados internacionais de direitos humanos, com vista a fortalecer o sistema jurídico de promoção e protecção desses direitos a nível nacional.

É mesmo caso para dizer que leis, tratados, acordos, convenções não faltam. O que falta é cumprir tudo isso. Mas o MPLA ainda não teve tempo… Como dirá João Lourenço, o MPLA não podia em tão pouco tempo (46 anos) resolver todos esses problemas.

O Governo ratificou, de igual modo, o Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados não-internacionais, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas e a Convenção para a Redução dos Casos de Apátrida.

Com a ratificação desses instrumentos, Angola cumpriu com os seus compromissos (formais) a nível internacional, especialmente enquanto Estado Membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o período 2018-2020.

Angola é Estado-Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, bem como a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Ainda não há muito tempo o Governo do MPLA e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) assinaram, em Luanda, um outro acordo de cooperação destinado a reforçar as garantias da promoção e defesa dos Direitos Humanos em Angola.

O acordo, assinado pelo então secretário de Estado do Interior angolano, José Bamikina Zau, e pelo representante do PNUD em Angola, Henrik Fredborg Larsen, prevê o apoio da agência da ONU na monitorização, avaliação e estatísticas sobre direitos humanos, bem como acções de formação, sobretudo junto dos agentes das forças de segurança.

O documento prevê o apoio do PNUD em acções destinadas a melhorar as relações entre os agentes da ordem pública e os cidadãos e a respectiva capacitação institucional em matéria dos direitos humanos, como recentemente se viu em… Cafunfo.

Na cerimónia, Henrik Larsen, que, mais tarde, se escusou a falar aos jornalistas (o que só por si é sintomático), destacou a “parceria estratégica” entre Angola e o PNUD, realçando o facto de a agência das Nações Unidas já trabalhar no sector em mais de uma centena de países, nomeadamente junto dos Governos e das polícias.

Sem adiantar pormenores, Larsen realçou, por outro lado, a importância de o Ministério do Interior angolano estar, desta forma, a “responder às preocupações” manifestadas nos últimos anos pelo PNUD em questões ligadas aos Direitos Humanos.

Por seu lado, Bamikina Zau sublinhou o “empenho” do Governo angolano na promoção e defesa dos direitos humanos em Angola, consubstanciado nos diferentes acordos já assinados com outras agências da ONU, como os altos comissariados das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Num documento oficial do Ministério do Interior, foi lembrado que a questão dos Direitos Humanos em Angola é uma matéria que está no “topo da agenda do executivo”. Só falta saber se essa agenda não está de pernas para o ar. E mesmo que esteja (e está mesmo), a posição é uma questão… relativa, tal como a fome.

Segundo o Ministério do Interior, Angola tem alcançado “importantes marcos no cumprimento das suas obrigações internacionais e regionais de reportar sobre Direitos Humanos, destacando a participação em dois ciclos de revisão periódica universal (UPR) – 2010/14 e 2015/19.

O Ministério do Interior lembrou ainda que Angola já criou “importantes instituições nacionais” representativas da defesa dos Direitos Humanos, como a Comissão Intersectorial para Elaboração dos Relatórios Nacionais dos Direitos Humanos, o Provedor de Justiça, os comités provinciais dos direitos humanos e o projecto legislativo para a criação de Centros de Resolução Extrajudicial de Conflitos (CREL). Faltou lembrar (e para isso estamos cá nós) o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.

No dia 26 de Fevereiro de 2018, o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Manuel Domingos Augusto, reconheceu finalmente o que acontece há décadas. Ou seja, que o país “ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir o bem-estar e os direitos fundamentais a todos os cidadãos”. Haja Deus!

Será que, perante este reconhecimento do ministro dos Negócios Estrangeiros, o MPLA iria pedir desculpas aos que – como é repetidamente o caso do Folha 8 – têm dito o mesmo ao longo dos anos e que foram acusados de alarmismo e de ataques ao prestígio do país e falta de patriotismo? Não. É claro que não.

O Presidente João Lourenço pediu desculpas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo nos massacres de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977, salientando que se tratou de “um sincero arrependimento”. Nem sequer foi relativo. Foi, disse ele, sincero. Mas, é claro, o assassino responsável pelos massacres, Agostinho Neto, continua incólume e a ser, por imposição expressa de MPLA, o único herói nacional. É fartar vilanagem.

“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias”, disse o chefe do executivo angolano.

João Lourenço dirigia-se ao país numa comunicação transmitida pela sua Televisão Pública, na véspera da passagem dos 44 anos sobre os massacres de milhares e milhares de angolanos, ordenados por Agostinho Neto, então Presidente da República Popular de Angola e Presidente do MPLA e ainda hoje considerado oficialmente o único herói nacional, em 27 de Maio de 1977.

Folha 8 com Lusa

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