A UNITA enviou à Assembleia Nacional (órgão que por ser esmagadoramente dominado pelo MPLA funciona como mera sucursal do Presidente João Lourenço) dois projectos de lei, sobre o direito à petição e o exercício do direito de oposição democrática, medidas legislativas que visam “contribuir para o combate à corrupção”.
Segundo um comunicado do grupo parlamentar da UNITA, principal partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, os dois projectos de lei terão “forte impacto na consolidação do Estado de Direito” e “poderão contribuir sobremaneira para o combate à corrupção”. Isto se, é claro, dessa opinião for o presidente do MPLA. Se não for, mesmo que os deputados do partido pensem o contrário vão comer e calar.
No caso do direito de petição, o diploma visa consagrar um instrumento de participação dos cidadãos na vida política, contemplado na Constituição angolana, que não está sujeito a formas ou processos específicos, tendo carácter essencialmente informal.
“Apesar disso, justifica-se que, para certos efeitos, se exija a forma escrita, a identificação dos peticionantes e se estabeleçam prazos e procedimentos para se garantir que os pedidos não caiam no esquecimento, que as assinaturas digitais sejam aceites, que os cidadãos sejam informados sobre a evolução dos pedidos e que os mesmos sejam atendidos em prazos razoáveis. Este é o grande objectivo desta lei”, defendem os deputados da UNITA.
Quanto à lei sobre o direito de oposição democrática, “viabiliza a fiscalização dos detentores do poder político, concretiza a possibilidade de alternância no poder executivo e garante os direitos políticos fundamentais”.
Para a UNITA, a sua aprovação “irá permitir o estreitamento das relações institucionais entre o Presidente da República e o Parlamento, irá introduzir uma nova dinâmica nas relações entre o Estado e o cidadão e fortalecer a confiança entre a comunicação social pública e as minorias” e beneficiar também o combate à corrupção.
Esta lei abrange outros direitos fundamentais consagrados na Constituição: o direito de resposta e de réplica política às declarações do Executivo, o direito de antena, o direito à informação sobre assuntos importantes da vida nacional, e o direito à consulta prévia.
“O Estado democrático de direito só se consolida se os dois grupos eleitos, maiorias e minorias, tiverem espaços iguais de intervenção para apresentação de medidas de política para as funções de governação, fiscalização, controlo e responsabilização”, defende a UNITA.
O estatuto constitucional da oposição, acrescenta o comunicado, inclui ainda o direito de obter do Executivo informação adequada e em prazo razoável, sobre as medidas tomadas para efectivar as garantias constitucionais de liberdade e independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, e para assegurar uma estrutura e um funcionamento democrático dos meios de comunicação social do sector público que salvaguardem a sua independência perante o executivo.
A UNITA desafia ainda o Presidente da República, João Lourenço, “nas vestes de presidente do MPLA (partido do poder há 45 anos)” a mandar avançar as comissões parlamentares de inquérito necessárias para apurar, a nível do Parlamento, “a dimensão real das conexões fraudulentas ou subversivas entre a Casa de Segurança, o Ministério das Finanças e o BNA e entre a Casa de Segurança e outros órgãos do Estado”, na sequência do escândalo financeiro recentemente revelado.
O grupo parlamentar da UNITA diz que quer “determinar o eventual envolvimento da Casa de Segurança do Presidente da República em outras actividades subversivas, atentatórias do Estado de Direito de que há muito tempo tem sido acusada”.
“Ainda há muitos caranguejos e polvos a engordar por aí, enquanto o povo morre de fome e a subversão ataca o Estado de Direito e procura asfixiar as liberdades democráticas”, salienta a nota, acrescentando que o combate à corrupção não se dirige a partidos ou pessoas específicas, nem pode ser condicionado ou limitado por conveniências eleitoralistas.
Segundo a UNITA, com a aprovação do projecto de lei sobre o direito de oposição democrática, Angola “dá um passo importante na caminhada para o resgate do Estado de Direito” e permite que, mesmo quando o MPLA estiver na oposição, não deixe de acompanhar as informações sensíveis sobre a segurança alimentar, a segurança financeira, a segurança sanitária ou a segurança cibernética.
“É o ciclo da democracia. É o princípio da alternância no exercício do poder político conjugado com o princípio da continuidade do Estado”, remata o comunicado.
Escrutinar o Poder? É mais fácil as galinhas terem dentes
Recorde-se que o grupo parlamentar da UNITA submeteu no dia 30 de Março de 2021 ao presidente da Assembleia Nacional (do MPLA) pedidos de audições a vários responsáveis ministeriais, para esclarecerem situações que afectam os seus sectores.
Segundo o líder do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, pretendia-se ouvir a ministra das Finanças, o governador do Banco Nacional de Angola e o presidente do Conselho de Administração do Banco de Poupança e Crédito, relativamente ao despedimento de cerca de 2.000 trabalhadores e ao encerramento de 73 agências do banco público, “quando o Executivo prometera criar 500 mil postos de emprego e o combate à corrupção como solução para melhorar o desempenho da economia”.
Para a UNITA, é uma preocupação a dispensa de milhares de cidadãos, considerando que “o BPC está praticamente falido por culpa dos que dele se serviram para fins pessoais e do seu partido”.
“A PGR [Procuradoria-Geral da República] tem os nomes, mas não exerce as competências constitucionalmente consagradas para investigar e eventualmente acusar os prevaricadores. As CPI [Comissões Parlamentares de Inquérito] solicitadas à Assembleia Nacional também nem sequer são respondidas, em clara violação à lei, que impõe o prazo máximo de 60 dias para a resposta de requerimentos”, referiu Liberty Chiaka.
A solicitação de audição, feita com carácter de urgência, dirigia-se também à governadora da província de Luanda, à ministra das Finanças e ao ministro da Cultura, Turismo e Ambiente sobre o impacto do lixo na capital do país, “cujos amontoados com o reinício das chuvas colocam cada vez mais em perigo a saúde dos habitantes de Luanda”.
“Queremos saber destes responsáveis do Executivo o que falta para que se resolva de uma vez por todas o problema do lixo, cujo impacto ambiental periga a saúde dos habitantes de Luanda. Um Governo que passa três meses para encontrar soluções da recolha de lixo na capital do país, precisa de descansar. A alternância é o caminho”, frisou.
As ministras da Educação e do Ensino Superior constavam igualmente da lista de governantes que a UNITA pretendia (sonhava, delirava) ouvir sobre as soluções que estariam a gizar para satisfazer as reivindicações dos docentes, cujos sindicatos ameaçavam com novas greves por registarem injustiças na remuneração em função do tempo de serviço.
A audição ao ministro da Construção, Obras Públicas e Ordenamento do Território sobre a política habitacional e a gestão de casas em várias sítios do país, muitas delas desabitadas e em claro risco de degradação, é também necessária na óptica da UNITA, porque “milhares de angolanos continuam sem tecto e sem dignidade”.
“Devem ser responsabilizados os que gerem tais projectos, sob pena de vermos desperdiçados recursos públicos avultados investidos nestas empreitadas sem servirem a finalidade para a qual foram concebidos”, disse.
Por último, foi igualmente pedida uma audição aos ministros do Interior e da Justiça e dos Direitos Humanos, “pela gestão pouco transparente das prisões, nomeadamente a falta de acesso regular à alimentação, produtos de higiene pessoal para os reclusos e sobrelotação dos estabelecimentos prisionais em todo o país, numa clara violação dos direitos humanos”.
Na sua intervenção, a segunda vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, Mihaela Weba, disse que não era a primeira vez que submetiam pedidos de audições ao presidente da Assembleia Nacional, contudo, “todas elas sem resposta”.
“Já passaram 60 dias de algumas dessas iniciativas do grupo parlamentar, o que quer dizer que há uma conivência entre o partido maioritário (o MPLA) que está na Assembleia Nacional e o executivo do Presidente João Lourenço”, igualmente presidente desse mesmo partido (o MPLA) realçou a deputada, lembrando que o chefe de Estado angolano afirma publicamente que “quer ser fiscalizado, mas quando o grupo parlamentar da UNITA mobiliza mecanismos para efectivamente fiscalizar a actuação do executivo há bloqueios”.
CPI sobre a Dívida Pública. Um exemplo
A direcção do Parlamento do MPLA (falar de Parlamento angolano é um sofisma) rejeitou em 2018 – cumprindo obviamente “ordens superiores” – o pedido da UNITA para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a real dívida pública angolana e os seus beneficiários.
A informação foi transmitida pelo então líder parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, que não se conformava com a decisão de indeferimento, tomada em “tempo recorde” – cinco dias – pela direcção do Parlamento, alegando falta de fundamentação no pedido. Tudo isto aconteceu, acontece e acontecerá porque a UNITA pensava (se calhar hoje não pensa bem assim) que Angola é aquilo que nunca foi: um Estado de Direito Democrático.
“O Parlamento nem tomou conhecimento porque não foi sequer distribuído às comissões [de especialidade] ou aos grupos parlamentares. Mesmo em caso de indeferimento posterior, ele [requerimento] é antes distribuído, ou então como é que vai ser avaliado? Não fizeram isso, é um procedimento em violação ao regimento. Entendo porquê, porque isto está a embaraçar”, criticou o líder parlamentar da UNITA.
A UNITA submetera a 2 de Março de 2018, à Assembleia Nacional, um requerimento para a constituição de uma CPI para apurar a real dívida pública bruta angolana e os seus beneficiários, além do real impacto sobre o desenvolvimento económico e social de Angola entre os anos 2003 e 2017.
O pedido de constituição desta CPI surgiu depois de o peso da dívida pública contraída pelo Estado do MPLA (excepto empresas públicas) ter atingido, no final de 2017, segundo o Ministério das Finanças, o equivalente a 67% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Contudo, a pretensão da UNITA foi recusada pela direcção do Parlamento do MPLA, presidido por Fernando da Piedade Dias dos Santos (MPLA), entre outros motivos por falta de fundamentação.
“A nossa fundamentação é imensa, por isso não colhe, e na argumentação [do indeferimento] até vão ao ponto de dizer que o ministro [das Finanças] foi aplaudido no Parlamento, como argumento de uma resposta jurídica”, criticou Adalberto da Costa Júnior.
“Isto são, sem dúvida, assuntos de interesse nacional. Só que é esta problemática de que se discute, discute, mas é para inglês ver. Esta é a mais grave de todas, porque não fizeram ainda nenhuma resposta à anterior CPI, sobre o Fundo Soberano, em que o valor envolvido é elevadíssimo, mas são 5,7 mil milhões de dólares. A dívida pública ultrapassa os 45 mil milhões de dólares, é muito mais grave e houve uma rapidez a tentar lavar as mãos”, afirmou ainda Adalberto da Costa Júnior.
Com mais um pedido de constituição de uma CPI travado, o deputado da UNITA disse ser necessária uma resposta: “Vamos dar um tratamento adequado a esta situação. Quem gere hoje a Assembleia Nacional não se limita ao cumprimento da lei”.
Pois é. Quem gere a dita Assembleia Nacional é hoje João Lourenço, Presidente da República e Titular do Poder Executivo, tal como ontem era José Eduardo dos Santos. E, de facto, não adianta ter leis democráticas se o que conta é a vontade despótica do MPLA. Não adianta haver partidos se o funcionamento do país segue as regras do tempo do partido único, ou seja, “queremos, podemos e mandamos”.
Para o grupo parlamentar da UNITA, conforme se lia no requerimento para a constituição da referida CPI, o tema da dívida pública “ainda não alcança a relevância que merece nos debates, não obstante ser a maior rubrica do OGE [Orçamento Geral do Estado] desde o ano de 2016”.
“De um peso de apenas 11% do total do OGE em 2013, evoluiu para 12% em 2014, 26% em 2015, 32% em 2016 e 2017 e 52% em 2018. Houve um aumento de 373% do peso da dívida no orçamento só entre 2013 e 2018”, fundamentava o documento.
Acrescentava que a tendência é de aumento para os próximos anos, além de que “não obstante ser um problema gravíssimo e inibidor do crescimento e desenvolvimento, o tema da dívida não é discutido por falta de conhecimento e pelo facto de os dados serem embelezados pelo executivo”.
A UNITA considera que “o país está num nó”, que é o sistema da dívida, questionando qual o seu valor real, quem são os beneficiários e o porquê da sua existência.
“Precisamos saber (a população tem esse direito) por que subiu bastante a dívida pública, principalmente nos últimos quatro anos? A que é que corresponde o empréstimo legítimo que o ente público realmente contratou e recebeu? O que é que corresponde aos esquemas financeiros que geram dívida pública? Tudo isso tem que ser segregado e esta CPI tem esse mérito”, era realçado no requerimento.
O documento pretendia apurar, em 90 dias, se os empréstimos elementares da ordem jurídica nacional e as boas práticas internacionais foram observadas no tratamento da dívida pública.
Como era previsível neste reino
Quando a UNITA anunciou a sua intenção, sob o título “Auditoria à Dívida Pública? – o MPLA não vai cair nessa”, o Folha 8 escreveu (14 de Fevereiro de 2018) o que se segue:
«O líder da bancada parlamentar da UNITA, maior partido da oposição em Angola, disse hoje que vai submeter ao Parlamento um pedido para constituição de uma comissão de inquérito à dívida pública, defendendo igualmente a realização de uma auditoria. De derrota em derrota até à vitória final, espera o Galo Negro.
Adalberto da Costa Júnior falava à imprensa no final da sessão de aprovação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o exercício económico de 2018, que contou com voto contra da UNITA.
“Nós temos ainda o inquérito ao BESA [Banco Espírito Santo Angola] não foi feito, à Sonangol não foi feito, ao Fundo Soberano, anda nos gabinetes, nas gavetas, mas posso dizer-vos que vai entrar uma [pedido de constituição] comissão parlamentar de inquérito à dívida pública. Já temos tudo pronto”, disse.
O deputado referiu que o executivo manifestou publicamente estar aberto a uma auditoria à dívida pública, mas “não faz”, como também até ao momento não foi entregue a lista das organizações financiadas de utilidade pública prometida pelo ministro das Finanças.
“Nenhuma das iniciativas fundamentais, a despartidarização do OGE é fundamental, não fizeram, continuamos com os mesmos vícios tal como aqui foi dito e sobre estas matérias lamentamos, porque nós pedimos essas mudanças e o Governo não foi corajoso o bastante para as fazer e não pode. Não se formata o futuro desta forma”, disse Adalberto da Costa Júnior.
Questionado pelos jornalistas à saída da sessão de hoje no Parlamento sobre a meta da dívida pública angolana, o ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, disse que é preciso trabalho para garantir níveis de crescimento que a tornem sustentável.
“Porque mesmo as economias mais avançadas do mundo têm défice nos seus orçamentos, o importante é fazer com que haja um crescimento que seja sustentável e permita fazer com que essa dívida não se torne uma dívida problemática”, disse.
Sobre se o Governo se mantinha aberto a uma auditoria à dívida pública, como proposto pela UNITA, Manuel Nunes Júnior não respondeu.
Agora o ministro não responde porque o mandaram estar caladinho quanto a este assunto. Recorde-se que a admissão dessa possibilidade foi feita aos deputados pelo próprio ministro de Estado e do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, durante a discussão da proposta de lei do OGE na Assembleia Nacional.
“Em nome do rigor e da transparência da gestão pública, não nos opomos para que sejam accionados todos os elementos legais que assegurem a concretização deste princípio, incluindo auditorias”, disse Manuel Nunes Júnior.
Recordando que “ninguém pode ficar acima da lei”, o ministro explicou, ainda assim, que o Tribunal de Contas já pode, actualmente, ao preparar o seu parecer, fazer as averiguações necessárias sobre qualquer parte da gestão do país, incluindo a dívida pública.
“Portanto, não vemos que esse aspecto não possa ser implementado”, disse Manuel Nunes Júnior.
A dívida pública governamental (que exclui a contraída pelas empresas públicas angolanas), já ultrapassou o equivalente a 67% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, segundo dados de Janeiro do Ministério das Finanças.
A despesa do OGE para 2018 com a dívida pública é uma das maiores preocupações admitidas pelo Governo angolano, que assume o objectivo, segundo o ministro das Finanças, Archer Mangueira, de “alterar a actual trajectória”, através de um “exercício de consolidação fiscal”.
O ministro das Finanças explicou a 18 de Janeiro que o Estado vai precisar de contrair 1,128 biliões de kwanzas de dívida (4.370 milhões de euros) em 2018, enquanto necessidades líquidas, acrescido de 4,153 biliões de kwanzas (16.000 milhões de euros) para pagar o serviço da dívida actual, respeitante a este ano.
Recorde-se que a agência de notação financeira Moody’s prevê que a dívida pública de Angola suba para mais de 70% do PIB no primeiro trimestre deste ano, crescendo 10 pontos percentuais só desde Outubro.
“A dívida global de Angola face ao PIB já subiu 10 pontos percentuais para além do nível que a Moody’s antecipava em Outubro de 2017″, quando a agência de notação financeira desceu o ‘rating’ do país para B2, ainda mais abaixo na recomendação de não investimento, escrevem os analistas na nota que acompanha a decisão de colocar a avaliação da qualidade do crédito em revisão negativa.
O aumento da dívida pública angolana deveu-se essencialmente “à depreciação do kwanza face ao dólar e ao apoio financeiro dado às empresas públicas no ano passado”, o que faz com que a Moody’s estime que a dívida pública tenha chegado aos 74 mil milhões de dólares, cerca de 66% do PIB, no final do ano passado”.
Isto, “juntamente com o ajustamento cambial em curso e com a eliminação de 5 mil milhões de dólares em atrasos a fornecedores, [faz com que] o rácio da dívida deva ultrapassar os 70% no final deste trimestre”.»
Folha 8 com Lusa