Tudo serve para pedir mais e mais fiado

A Agência Nacional contra as Minas disse que Angola necessita de 200 milhões de dólares (170,8 milhões de euros) para se ver livre de áreas minadas conhecidas até 2028. Um país falido nada consegue fazer sem estender a mão à ajuda estrangeira. Só tem dinheiro para os nababos dos seus dirigentes…

A informação foi avançada durante o workshop sobre a Gestão de Risco Residual (desminagem) pelo responsável pela área de intercâmbio comercial da agência, Adriano Gonçalves, segundo o qual Angola ainda é considerado um dos países mais afectados por minas terrestres no mundo e o país mais afectado a nível de África. E a guerra terminou há 19 anos.

“Este rótulo de ser um dos países mais minados do mundo e o mais minado em África só poderá ser alterado de forma convincente através da informação regular dos progressos alcançados pelo país nos grandes fóruns, nomeadamente na convenção de Otawa, seguindo as normas internacionais e nacionais, bem como a partilha de informação de acordo com o artigo 6º da mesma Convenção”, referiu Adriano Gonçalves no seu discurso de abertura do evento.

Adriano Gonçalves salientou que num passado mais recente, todas as províncias do país estavam afectadas, com menor ou maior número de áreas minadas, mas actualmente devido ao grande trabalho de libertação de terras que se tem levado a cabo ao longo dos anos, bem como a actualização aprimorada da base de dados central, que faz reconciliações regulares de dados com os operadores, já há províncias sem áreas minadas conhecidas, nomeadamente Malanje e Huambo.

“Fazendo uma análise sobre o nível de libertação de terras, por ano, que temos estado a fazer, que são de 10 quilómetros quadrados, nós teríamos uma projecção de até 2028, isto levaria 70 quilómetros quadrados, numa referência de dez quilómetros quadrados por ano, seriam mais sete anos o que nos leva a concluir que Angola seria livre de áreas minadas conhecidas em 2028”, frisou.

O responsável realçou que “se for feito um aumento significativo do financiamento aos operadores, o que se estima cerca de 200 milhões de dólares, em que isto permitiria o aumento da capacidade de libertação de terras, tendo em consideração a garantia dos financiamentos feitos já pelo Governo angolano e doadores, Angola teria a possibilidade de cumprir com a assinatura da Declaração de Maputo de 2014, em que todos os Estados-parte da Convenção de Otava declararam que até 2025 se tornariam livres de áreas minadas conhecidas”, disse.

Faltam (sempre) muitos milhões

O Governo necessitava, segundo revelação feita a 27 de Agosto de 2019, de 300 milhões de dólares (269,7 milhões de euros) para se ver livre de minas até 2025 (agora passou para 2028), quando ainda tinha cerca de 1.220 áreas do seu território afectado por este tipo de artefactos explosivos, afirmou o mesmo Adriano Gonçalves, que falava à margem do seminário sobre a Estratégia Nacional do Sector de Acção Contra Minas em Angola.

O mesmo responsável realçou na altura que “Angola ainda não é um país livre de minas”, possuindo ainda “105 milhões de metros quadrados afectados” por este tipo de material explosivo.

De acordo com Adriano Gonçalves, há 14 anos, Angola tinha 3.600 áreas minadas e em 2019 conta com apenas 1.220 áreas, salientando que há províncias que já podem ser consideradas livres de minas, nomeadamente Malanje, Namibe e Huambo.

Regressemos a 7 de Junho de 2019. “Estamos entre os países considerados com alto nível de contaminação e ainda não saímos dessa área”, disse nesse dia, em Luanda, Adriano Gonçalves, que falava à margem de um encontro de Coordenação e Avaliação do Programa de Desminagem em Angola, tendo em conta a Agenda 2025, estabelecida para os países concluírem a desminagem, assumindo que, “realisticamente, Angola não poderá atingir a meta”.

Segundo o responsável, nos últimos dez anos o sector tem registado um “decréscimo de financiamento” a nível dos doadores, entre o Estado angolano e os parceiros internacionais, que já atingiu um “nível de quase 90%”.

“O que levou a que muitos operadores que estavam a fazer um trabalho muito valioso em Angola tiveram de se retirar e os que permanecem estão com níveis muito baixo de actividades, em termos de recursos humanos e materiais”, adiantou.

“Estamos conscientes de que esta data [2025] não será tão realística para nós, porque precisaríamos de 350 milhões de dólares [308 milhões de euros] para libertar cerca de 450 áreas afectadas por ano, que seriam cerca de 15 milhões de metros quadrados por ano, para que chegássemos, em 2025, e tivéssemos o problema completamente resolvido”, referiu.

Adriano Gonçalves recordou que em 2017 Angola fez um pedido de extensão do prazo, mas o mesmo ficou limitado a 2025, admitindo que o seu alcance é “quase impossível” devido às “limitações de recursos humanos e financeiros”.

“O que nos satisfaz é que estamos num bom caminho, estamos a fazer todo esforço para que pelo menos ao chegarmos a esta data tenhamos o máximo possível feito”, disse.

Acreditamos em quem? No Governo não, certamente

Angola “limpou” mais de 2.000 campos de minas desde 2002, quando acabou a guerra civil, estando ainda identificados outros mil, razão pela qual o Landmine Monitor ainda classifica como “grave” a situação, segundo o director do INAD angolano.

O director do Instituto Nacional de Desminagem (INAD) angolano, brigadeiro José Domingos de Oliveira, referiu em Maio de 2019 que o processo de desminagem em Angola já custou, desde 2002, mais de 500 milhões de dólares (446 milhões de euros).

Domingos Oliveira ressalvou que, apesar da diminuição no número de campos com minas de diversas tipologias, o Landmine Monitor coloca ainda Angola no grupo de países com a classificação “grave”, devido ao elevado número de campos minados, cerca de 1.000, no país, fruto da guerra civil (1975/2002).

Além do milhar de campos de minas, prosseguiu, existem também outras zonas que, pelo seu historial, não oferecem a segurança necessária para a implementação de projectos de reconstrução e desenvolvimento nacional.

“Ao contrário do que muita gente pensa, ainda há muito trabalho para ser feito, porque o solo angolano foi densamente minado”, acrescentou.

Domingos Oliveira realçou que, só em 2018, as minas provocaram 28 acidentes, que causaram a morte a 19 pessoas, oito delas crianças, e ferimentos, alguns deles graves, noutras 45, um terço delas, 30, também crianças.

O processo contava com o desempenho de cerca de 5.000 técnicos de desminagem (sapadores), entre militares e civis, que ainda não tinham seguro de vida, usufruindo apenas do seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais, lamentou Domingos Oliveira.

A 20 de Novembro de 2018, após a divulgação, em Genebra, de um relatório do Landmine Monitor, Angola pediu uma extensão do prazo até Janeiro de 2026 para eliminar 1.465 áreas minadas, totalizando 221,4 quilómetros quadrados.

Em 2017, cinco países que apoiam financeiramente processos de desminagem apresentaram pedidos de extensão de prazos para completar as suas obrigações ao abrigo do Artigo 5 (Destruição de minas antipessoal em áreas minadas) em que cada país se compromete a assegurar a destruição de todas as minas em áreas minadas.

Segundo o relatório do Landmine Monitor, elaborado pela organização não-governamental Campanha Internacional para a Abolição de Minas (ICBL – Internacional Campaign to Ban Landmines), os cinco países solicitaram que Angola fornecesse um plano de trabalho actualizado e detalhado, proporcionando maior clareza sobre a quantidade de terrenos e marcos contaminados.

Em Novembro de 2018, na 17ª Reunião dos Estados Partes, Angola comprometeu-se a apresentar esse plano de trabalho actualizado.

Em Abril de 2018, Angola reportou um total de 147,6 quilómetros quadrados de áreas minadas – 89,3 quilómetros quadrados de áreas perigosas confirmadas e 58,3 quilómetros quadrados de áreas suspeitas perigosas, indica o relatório.

A Campanha Internacional para a Abolição de Minas é uma rede global com presença em cem países e com o objectivo de erradicar minas antipessoais e explosivos remanescentes de guerra.

Criada em 1992, a ICBL recebeu em 1997 o Prémio Nobel da Paz pelo reconhecimento do seu esforço para colocar em prática um tratado internacional para banir as minas.

Em 2017, os Estados Unidos da América anunciaram a doação de quatro milhões de dólares para o programa de desminagem de Angola, mas o país precisava – segundo estimativas então feitas – de 246 milhões de dólares para cumprir o objectivo de concluir a limpeza até 2025.

O anúncio da disponibilização desta verba pelo Departamento do Estado, a aplicar em 2017, foi feito no Huambo por Constance Arvis, ministra conselheira da embaixada norte-americana em Luanda, no âmbito das cerimónias evocativas dos 20 anos da visita de Diana de Gales àquela província, colocando então Angola em destaque nas necessidades internacionais de desminagem.

“Esta assistência, implementada através de organizações não-governamentais e em parceria com o Governo de Angola, permite a mais e mais angolanos voltar a casa em segurança, reconstruir as suas comunidades e cuidar das suas plantações”, enfatizou a diplomata.

Numa altura em que as doações internacionais para a desminagem em Angola caíram 80%, Constance Arvis recordou que os EUA são “parceiros empenhados nessa luta” e que desde 1995 já tinham investido mais de 124 milhões de dólares no programa angolano de remoção e destruição de minas terrestres, engenhos não detonados e munições.

Presente no dia 14 de Janeiro de 2017 no Huambo, o general britânico James Cowan, director-geral da Halo Trust, uma das maiores organizações não-governamentais internacionais da área da desminagem, disse que o país ainda tinha necessidades estimadas de 246 milhões de dólares de financiamento internacional para conseguir cumprir a meta de concluir a desminagem do país até 2025, conforme a convenção de Otava, a que Angola aderiu.

Apesar de se tratar de uma verba “elevada”, o responsável da Halo Trust, que assegurava a desminagem em várias províncias do centro e sul de Angola, afirmou que, “dividida pelos próximos anos, por vários países doadores e pelo Governo angolano”, é uma “meta alcançável”.

Como exemplo, a Halo Trust apontou o caso do Huambo, onde se registaram intensas actividades militares durante a guerra civil, e que poderia ser a primeira província do país a ser declarada como totalmente livre de minas, já em 2018.

“Em memória da princesa Diana, deixem-nos acabar o trabalho”, concluiu James Cowan.

Folha 8 com Lusa

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