O investigador do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Oxford, Rui Santos Verde, diz que Angola tem “toda a estrutura jurídica colocada em causa” e “o poder a cair na rua”, graças também às divisões no MPLA, partido no poder há… 45 anos.
“Temos toda a estrutura jurídica colocada em causa e temos o poder a cair na rua. E é isso que eu vejo que possa acontecer no período pós-eleitoral”, afirmou numa entrevista à Lusa o académico que é também investigador não residente na Universidade de Joanesburgo e professor convidado do Institute of Indian Managment-Research.
Para Rui Verde, há hoje “vários sintomas de que as eleições [a realizarem-se no próximo ano em Angola] podem ser deslegitimadas”. E há um cerco, que tem vários quadrantes, ao Presidente.
“Há um reforço da UNITA, há um reforço do apoio aos jovens, às manifestações de jovens, e, por outro lado, há a tentativa de infiltração nas instituições fundamentais do Estado”, considerou.
Na sua opinião, “a grande divisão” dentro do MPLA está a contribuir para o cerco a João Lourenço e para a grande instabilidade nas instituições do Estado. Creio que há uma grande divisão no MPLA” entre os ‘santistas’, “liderados pela Isabel [dos Santos, filha do antigo Presidente] e os lourencistas”, apoiantes de João Lourenço que, tal como o próprio presidente, eram ontem férreos apoiantes de José Eduardo dos Santos e que amanhã serão férreos apoiantes de qualquer outro general que chegue ao Poder.
Seja como for, reforçou: “claramente há uma grande clivagem”, que se reflecte “numa série de lutas que vão aparecendo. Há uma luta na Ordem dos Médicos, há uma luta na magistratura. Há uma série de lutas entre as antigas elites, que às vezes não se percebe, até parece que tudo endoideceu, mas que serão as válvulas de escape dentro da guerra entre santistas e lourencistas”.
“Acho que são lutas por procuração, que não se verificam no Bureau Político do MPLA, mas sim nestas instituições”, defendeu.
Por exemplo, agora ocorrem manifestações todos os fins-de-semana, apontou: “O que pode acontecer depois das eleições é que se a tal população sentir que o resultado não corresponde ao que conversaram na rua, ou que viram na contagem, pode haver um daqueles momentos como houve na Bielorrússia. É após as eleições que os presidentes as perdem.”
O Presidente de Angola tem de criar “órgãos próprios” para o combate à corrupção e mostrar ao povo que esta luta “vale a pena”, criando empregos com fundos que recuperou dos processos de investigação, defende Rui Santos Verde.
“João Lourenço tem de mostrar à população que o combate à corrupção vale a pena, portanto alguns dos fundos que recuperou têm de ir directamente para a economia. Tem de criar empregos directamente com alguns dos fundos da corrupção”, afirmou o professor e investigador.
Assim, na opinião de Rui Verde, “é fundamental” que, no ano e meio que falta (em tese) para as próximas eleições no país, que o Presidente lance “um programa qualquer em que vai gastar algum do dinheiro que recuperou da corrupção, para garantir empregos às pessoas”.
Já ao nível do combate à corrupção, a outra bandeira política de João Lourenço, “tem de criar órgãos próprios” para essa luta, defendeu, explicando que “ao fazer o combate pelos meio comuns, as coisas depois travam-se e não avançam”.
Resumindo: “Tem de fazer precisamente as mesmas coias que está a fazer: ‘Economia e corrupção’. Só que acelerando na economia, gastando dinheiro, e na corrupção, criando um caminho próprio, mais rápido para investigar, julgar e absolver ou condenar”.
Para o académico, “quando temos um Estado todo que foi capturado por um sistema corrupto, os meios comuns [de investigação], por si próprios, podem já nem ser, mas foram corruptos e tem corruptos”. Em Angola, sublinhou, já se está a ver o resultado desse combate com meios próprios. “Até agora só conseguiu efectiva uma condenação, a do Augusto Tomás [antigo ministro os Transportes]”.
“De resto, temos congelamentos. Num caso é dinheiro, o que veio do fundo soberano, mas noutro caso é empresas. E aí está outro problema. Depois, se as empresas não são geridas, começam-se a degradar e a desvalorizar”, afirmou Rui Verde.
Por outro lado, João Lourenço “tem de recriar a agricultura e a indústria angolana. E ele tem estado a fazer isso”, disse.
Além disto, Rui Verde, considera que a banca angolana tem estado renitente em conceder crédito, mas poder ser “uma arma secreta que pode ser usada para conceder crédito interno” nos próximos tempos.
Deste modo, o Presidente poderá, na opinião do investigador, conseguir alguma confiança de uma população “insatisfeita” e criar o caminho para a vitória nas eleições, até porque alternativas políticas a João Lourenço dentro do MPLA, partido no poder, continuam, a não existir, considerou.
“Houve a ideia, mais no estrangeiro do que em Angola, de que Isabel dos Santos, agora a ser alvo de processos judiciais por corrupção, ia lançar uma grande frente para voltar ao poder. Mas depois a Isabel tropeçou nela própria”, afirmou.
Agora, “há a ideia de que Adalberto da Costa Júnior tem força, mas, pelo que percebi, a UNITA já anda também com problemas internos”, referiu.
Quanto a quem poderá regressar ao poder no partido governamental, não tem dúvidas que “são os santistas, que escolherão uma cara nova”.
A cara nova poderá ser, na opinião de Rui Verde, um “militar” ou “o actual vice-presidente, Bornito de Sousa, que tem sido uma pessoa apagada, é sempre uma hipótese. Porque é uma pessoa moderada, não participou, não mostra que seja uma quebra ou uma ruptura no processo. Facilmente pode ascender a Presidente.”
Sobre a política seguida por João Lourenço, neste seu primeiro mandato como Presidente disse que foi “completamente inesperado”. “Portanto acho-o um homem de coragem, mas que agora está num labirinto muito difícil. E o que não sei é se a coragem que teve vai ser suficiente para chegar ao fim do labirinto”.
Ter, ou não, memória e não ter medo dela
O cidadão comum rejubilou com a saída de José Eduardo dos Santos, que, pasme-se, pese os 38 anos de poder ininterrupto e absoluto, à luz da actual Constituição de Fevereiro de 2010, só cumpriu um mandato. Como assim, perguntará o leitor? É assim porque desde 1975, em Angola, para uns, tudo é possível.
E aqui chegados, Dos Santos igualou-se a Nelson Mandela, líder histórico de combate contra o apartheid, na África do Sul, que chegado ao poder, depois de 27 anos de cadeia, apenas cumpriu um mandato, tendo tido força moral e ética de reconciliar os diferentes políticos do seu país.
No caso angolano, um anacrónico e inconstitucional Acórdão do Tribunal Constitucional, capitaneado pelo Dr. Raúl Araújo considerou, ao arrepio de todo bom senso da norma jurídica, mesmo a do estado do Boko Haram, não contar os 34 anos de poder de Dos Santos, por nunca ter tomado posse.
É o cúmulo do ridículo e que deveria levar o venerando juiz a desculpar-se ao país, pelo excesso de bajulação ou idolatria abjecta, mais do que o pedido do próprio bajulado. Por tudo isso, a ascensão de João Lourenço mexeu com muitos, por advogar, no início, o propósito de adoptar uma política de moralização e ética na função pública, blindagem da acção dos agentes públicos, tendo como substrato o combate à corrupção.
Mas, tudo está a ser uma falácia, quando parece excluir-se, deliberadamente, uma ampla discussão nacional, com todas as forças políticas, viola-se a Constituição e desrespeitam-se as leis, num autêntico desvario político de vaidades umbilicais, face ao monopólio de um actor e partido político, que não são virgens inocentes, pois responsáveis, por toda a desgraça, que atinge a maioria dos autóctones pobres.
Angola, na era de João Lourenço, embandeirou em arco com o grande desígnio do combata à corrupção. A comunidade internacional juntou-se à festa. Ninguém se preocupou, ninguém se preocupa, em saber o que é e de onde vem essa corrupção que o Presidente diz querer combater com todas as suas forças.
Mas, na verdade, há pelo menos dois tipos de corrupção – a endémica e a sistémica. João Lourenço apostou todas as fichas na endémica, embora apresentando-a para consumo público como sistémica.
A endémica pode ser, grosso modo, exemplificada com o pagamento de gasosa a um polícia, a um funcionário público, a um médico. Ou seja, rotulou como grandes corruptos meia dúzia de adversários do mesmo clã (exclusivamente, próximos de Dos Santos), ou outros a ele ligados, fez parangonas disso e mostrou – falaciosamente – que está a combater a corrupção sistémica por via política quando, de facto, esta só pode ser combatida por via jurídica, antecedida da social e educacional.
A corrupção endémica é aquela que se mantém na sombra, na penumbra e que, quase como um camaleão, não é reconhecida pelo público como tal, escapando quase sempre até à análise da comunicação social. É nesse labirinto que joga João Lourenço.
Para levar a bom termo o seu desiderato de poder unipessoal, João Lourenço, justa ou injustamente, está a ser acusado de ter comprado, subornado, corrompido, a nata que se julgava a “inteligentsia” do MPLA, nomeadamente os seus deputados, através de mordomias e avenças por baixo da mesa. Desta forma, a corrupção passou de endémica a sistémica (faz parte do sistema), alojando-se no centro da maioria do poder legislativo.
A corrupção em geral, mas muito mais a sistémica, atinge mortalmente o desenvolvimento social e económico do país, desviando de forma ardilosa (porque o Povo olha para a árvore mas não vê a floresta) os investimentos públicos que deveriam ir para a saúde, educação, infra-estruturas, segurança, habitação, aumentando a exclusão social da maioria e a riqueza de uma minoria ligada ao Poder.
Enquanto uma sociedade sã faz aumentar a riqueza e dessa forma diminuir a exclusão, uma que se sustenta na corrupção em geral e na sistémica e particular, não cria riqueza mas apenas ricos. É exactamente o que se passa no nosso país. Quando agentes públicos e privados, todos gravitando na esfera do MPLA/Estado, desviam milhões e milhões de dólares destinados à saúde, educação, saneamento, habitação e infra-estrutura, estão a trabalhar para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco… ou nada. A corrupção está incrustada em nossa sociedade há 45 anos.
O filósofo Michel Sendel, professor da Universidade de Harvard, diz que ela é sistémica quando impregna os diversos sectores do governo, dos partidos, dos grandes empresários e poder judiciário. Exemplifica a endémica como aquela em que um estudante copia nos exames, ou do funcionário que pede uma factura com valor superior ao gasto, ou que foge ao pagamento de impostos.
Michel Sendel acrescenta, contudo, uma outra espécie de corrupção: a sindrómica. Esta é aquela em que o próprio Estado fomenta o comportamento corrupto na medida que impede um empresário de sobreviver se não subornar agentes públicos que criam dificuldades para vender facilidades.
Neste momento, a perseguição cega de castigar, prender e discriminar os ricos que estavam do lado de José Eduardo dos Santos esquecendo os demais, atenta contra a estabilidade de emprego de milhões e afasta investimentos externos, avessos à instabilidade interna e à balbúrdia bancária. Mais grave em tudo isso é querer-se enveredar para uma reforma, tendo a corrupção no epicentro, amedrontando-se o dinheiro.
Quando um regime amedronta o dinheiro a corrupção passa a actuar, com mais intensidade no submundo, atentando contra todos os direitos da maioria. Por outro lado, reconheça-se ser a actual estratégia (considerando ser estratégia) do presidente João Lourenço, a melhor forma de, honestamente, se dar razão ao músico e activista irlandês, Bob Geldof, quando, no dia 06.05.2008, em Lisboa disse: “Angola é um país gerido por criminosos. As casas mais ricas do mundo estão na baía de Luanda, são mais caras do que em Chelsea e Park Lane. Angola tem potencial para ser um dos países mais ricos do mundo, com potencial para influenciar as decisões da China. Estamos (os cidadãos europeus) a poucos quilómetros de África, como podemos não nos questionar?”
Hoje quando a indignação aponta que os corruptos e demais ladroagem está concentrada, num partido, apresentado como o que têm mais ladrões por metro quadrado no mundo, isso significa, ser exímio o projecto de João Lourenço, para num futuro próximo, talvez, nas próximas eleições gerais, os povos, não continuem a votar, num bando de criminosos ou numa quadrilha, que diante da imparcialidade, não haverá lugar, nas fedorentas masmorras do próprio regime.
É preciso ponderação de todas as partes, para que o país não resvale, para uma nova confrontação, onde os ricos com necessidade férrea de defender o património, sejam compelidos a despedir massivamente e encerrar empresas, causando um caos social de repercussões incalculáveis.
Folha 8 com Lusa