Tráfico e exploração de crianças em Angola

Jovens e crianças angolanos, de ambos os sexos, são explorados por traficantes no seu próprio país e fora dele, alerta o relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre tráfico de seres humano, hoje divulgado. Numa espécie de país que tem 20 milhões de pobres… vale (quase) tudo.

“Os traficantes exploram angolanos, incluindo jovens de 12 anos em trabalhos forçados no fabrico de tijolos, no serviço doméstico, construção, agricultura, pescas e exploração artesanal de diamantes e outros sectores de mineração”, refere o relatório.

Segundo o documento, meninas angolanas com 13 anos são vítimas de tráfico sexual e trabalho doméstico em casas particulares, sendo que muitos dos seus “patrões” são membros da elite do partido dominante, o MPLA, apesar de este estar no Poder há pouco tempo… apenas 45 anos.

“Adultos angolanos usam crianças menores de 12 anos em actividades criminosas forçadas, porque as crianças não podem ser processadas judicialmente”, refere o documento, sublinhando que com a pandemia de Covid-19 os “manipuladores” angariaram mais crianças pobres de Luanda para trabalharem na rua a mendigar, engraxar sapatos, a lavar carros e a ajudar a estacionar. E que, acrescente-se, fazem horas extraordinárias para irem abastecer-se de comida nas… lixeiras.

O documento salienta que as províncias de Luanda, Benguela e a fronteira das províncias do Cunene, Luanda Norte, Namibe, Uíje e Zaire são as “áreas de maior ameaça para a actividade de tráfico de seres humanos”.

No Cunene, por exemplo, segundo o relatório, devido à seca algumas aldeias obrigam as crianças a abandonar a escola para ir buscar água, cavar poços e levar o gado a pastar.

“Os traficantes transnacionais tiram partido das inúmeras passagens de fronteira não seguras, informais e muito utilizadas e levam meninos angolanos para a Namíbia para trabalhos forçados”, refere o relatório. Acrescente-se que, em Angola, nada é seguro. Basta ver o exemplo da Casa de Segurança do próprio dono do país.

Os traficantes, segundo documento, também exploram mulheres e crianças angolanas em trabalhos forçados em serviço doméstico e tráfico sexual na África do Sul, Namíbia e alguns países europeus, incluindo Portugal e Holanda.

O relatório refere igualmente que redes de tráfico trazem pessoas da República Democrática do Congo, incluindo crianças, para trabalhar no sector da mineração, que são sujeitos a trabalho forçado e tráfico sexual.

Além da República Democrática do Congo, também há mulheres do Brasil, Cuba, Namíbia e Vietname, que podem ser vítimas de tráfico sexual.

“Devido ao encerramento de empresas durante a pandemia, o sexo comercial passou para ambientes clandestinos, em casas e quartos de hotéis”, salienta o documento, que denuncia também que empresas chinesas exploram funcionários.

“Os governos norte-coreano e cubano podem ter forçado os seus respectivos cidadãos a trabalhar em Angola, incluindo pelo menos 256 médicos cubanos enviados para Angola para combater a pandemia”, acrescenta.

No dia 26 de Novembro de 2014 foi anunciado (coisa em que o MPLA é useiro e vezeiro) o combate ao tráfico de seres humanos em Angola que passaria a ser coordenado por uma comissão interministerial criada pelo Presidente da República, integrando ainda a Polícia Nacional e a Procuradoria-Geral da República.

De acordo com informação divulgada então pela Casa Civil do então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, esta comissão, criada por despacho, visava “garantir a protecção, a assistência, a recuperação, a reabilitação e a reinserção no seio da sociedade de vítimas de tráfico”.

Seria coordenada pelo então ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira – envolvendo mais oito ministérios -, e deveria, entre outras funções, “formular um programa abrangente e integrado para prevenir e reprimir o tráfico de seres humanos”.

A comissão iria ainda “elaborar normas e regulamentos” necessários à “implementação efectiva” do combate a este tipo de crime, além de “monitorar e supervisionar” a sua aplicação, sendo apoiada por um grupo técnico integrando representantes da Procuradoria-Geral da República, da Polícia Nacional, do Instituto Nacional da Criança e do Instituto Nacional da Juventude.

Em Julho de 2013, o então comandante geral da Polícia Nacional de Angola, Ambrósio de Lemos, afirmou que aquela força estava “atenta” e a trocar informações nomeadamente com as autoridades policiais portuguesas sobre situações suspeitas de tráfico de seres humanos envolvendo os dois países, neste caso de menores.

Na altura, o último caso conhecido acontecera 8 de Maio, quando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal procedeu à detenção de um suspeito de tráfico de três menores, com idades compreendidas entre os 4 e os 13 anos, no aeroporto Sá Carneiro, no Porto, provenientes de Luanda.

“É mais uma tipicidade criminal que se juntou às outras que nós temos. Como se está internacionalizar, é necessário que Angola esteja atenta porque não está isenta desta criminalidade”, reconheceu o comandante da polícia angolana.

A troca de informação com a Polícia portuguesa, e outras forças estrangeiras, foi classificada por Ambrósio de Lemos como uma “necessidade muito premente”, de forma a combater alegadas redes de tráfico de seres humanos que passam ou operam no país.

As autoridades policiais suspeitavam sobretudo de grupos que operavam entre a República Democrática do Congo e o centro da Europa, via Angola e Portugal. O tráfico de mulheres, para prostituição, era outra das preocupações das autoridades angolanas.

E, como o Folha 8 revelou no dia 24 de Novembro de 2014, o relatório 2014 do departamento das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC) salientava que o tráfico de crianças continuava a crescer e já representava um terço dos casos de tráfico de pessoas no mundo.

Em África e no Médio Oriente, as crianças representam a maioria das vítimas de tráfico de pessoas e em países como Índia, Egipto, Angola ou Peru podem alcançar 60% do total de casos, indicava o UNODC.

O UNODC lembrava que entre 2003 e 2006 as crianças e os adolescentes só representavam 20% dos casos de tráfico conhecidos. No mundo, 70% das vítimas de tráfico de pessoas são mulheres, contra 84% dez anos antes.

O relatório também expressava a sua preocupação por alguns tipos de tráfico de pessoas, como o que obriga as crianças a combater, ou a participar em pequenos crimes ou na mendicidade forçada. No entanto o documento, baseado em dados fornecidos por 128 países, só permitia ver a “parte visível do iceberg”, indicava a ONU, que lamenta que em muitas regiões do mundo o tráfico de seres humanos continue a ser “uma actividade pouco arriscada e muito lucrativa para os criminosos”.

Folha 8 com Lusa

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