O órgão oficial do MPLA (Jornal de Angola) revela que o Governo angolano distribuiu, até agora, em 15 das 18 províncias, 215 tractores a 6.560 ex-militares, organizados em 170 cooperativas e associações legalizadas e enquadradas na actividade agrária, afirmou, em Luanda, a ministra da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, Faustina Alves.
Faustina Alves falava durante a cerimónia de entrega de mais dez tractores e alfaias agrícolas a igual número de cooperativas de ex-militares na comuna de Mazozo, município de Icolo e Bengo, província de Luanda.
As 10 cooperativas, que reúnem, no total, 1.320 associados, desenvolvem actividade agrícola nos municípios da Quiçama, Cacuaco e Icolo e Bengo. Durante a cerimónia, cada uma das 10 cooperativas agrícolas rubricou um acordo de financiamento com o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrário (FADA).
Faustina Alves lembrou que os tractores agrícolas distribuídos fazem parte de um lote de 500 tractores disponibilizados pelo Presidente da República, com o apoio do Presidente do MPLA e do Titular do Poder Executivo, para acelerar a “reintegração dos ex-militares com vista à conclusão do processo”. A ministra anunciou, para este mês, a entrega de 70 tractores e alfaias agrícolas a cooperativas de ex-militares em actividade nas províncias do Bié, Huambo, Uíge, Malanje, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul e Benguela.
A titular da pasta da Acção Social, Família e Promoção da Mulher disse esperar que os meios distribuídos às cooperativas agrícolas de ex-militares sejam “bem conservados e utilizados para fins que tragam benefícios a todos”. Consta que os tractores estão dotados de tecnologia que permite plantar, ao contrário do que o MPLA ensinou nos últimos 46 anos, as couves com a raiz para… baixo.
A ministra pediu às administrações municipais engajamento e acompanhamento na cedência e legalização das terras e das cooperativas, para que seja concluído o processo de entrega de tractores a ex-militares. Até 2018, apenas 40 por cento das áreas cultiváveis era feita através da mecanização, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pescas.
Angola dispõe de uma população rural estimada em cerca de 10 milhões de pessoas, correspondente a 37,4 por cento da população total, estando o espaço rural agrário e silvícola do país estimado em 35 milhões de hectares de terra arável e 50 milhões de hectares de área florestal.
Em Outubro de 2020, o Governo anunciou o financiamento para a aquisição de 500 tractores de produção nacional para entregar a ex-militares organizados em cooperativas. O anúncio foi feito na Assembleia Nacional, durante o discurso presidencial sobre o Estado da Nação.
Segundo disse na altura João Lourenço, entre Outubro de 2019 e Agosto de 2020, foram reintegrados mais de 1.550 ex-militares, alguns por via do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza e outros pelo Programa do Governo de Reforço da Integração, mas nem todos beneficiam das mesmas condições.
“Condenamos a atitude dos políticos e formações políticas que, enganosamente, prometem a ex-militares a sua inserção na Caixa de Segurança Social das Forças Armadas, direito reservado exclusivamente a oficiais na condição de reformados, processo esse que obedece a regras muito bem definidas por lei”, declarou o Presidente.
João Lourenço adiantou que o executivo, iria financiar a fundo perdido, através do FADA (Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrário), a aquisição de 500 tractores de produção nacional, para beneficiar ex-militares organizados em cooperativas e que estava também a dar formação a mais de 250 ex-militares para “duplicar a capacidade de protecção da nossa biodiversidade e dos seus habitats”.
O responsável do Governo sublinhou que o sector da agricultura, pescas e florestas representa, “no quadro da diversificação da economia, um papel preponderante no combate à fome, na garantia da segurança alimentar e nutricional da população, na redução da pobreza e desemprego, tanto no meio rural como no urbano, através da comercialização dos produtos do campo”.
A intenção é inverter a proporção de agricultura manual, que representa cerca de 72% do total das áreas cultivadas, para uma actividade mais industrializada, tendo anunciado que foram adquiridos 990 tractores e respectivas alfaias, o que permitiu criar 89 brigadas de mecanização agrícola privadas e 15 brigadas de mecanização e engenharia rural.
Militares, militares e… generais
José Eduardo dos Santos não respondia às reivindicações dos ex-militares que, durante uma vida, andaram a matar-se uns aos outros na defesa de causas diferentes. Pelo contrário, João Lourenço responde sem responder.
No início de Agosto de 2012, importa recordar, um ultimato foi dado pelo coordenador da Comissão de Ex-Militares Angolanos (COEMA), general na reforma Silva Mateus.
“Não haverá mais conversa e nós iremos decidir o que fazer. Sairemos à rua a qualquer momento se o comandante-em-chefe, presidente da República e chefe do Executivo não for sensível em atender a nossa preocupação”, afirmou o general, mostrando que em tempo de paz a luta continua, embora a vitória não seja certa.
Em causa estavam e estão pagamentos em atraso, nalguns casos desde 1992, a ex-militares. Por outras palavras, os ex-militares percebem que, ao contrário do que dizia Agostinha Neto, o importante não é resolver os problemas do Povo. Aliás, o regime nem sequer sabe que existe Povo.
Segundo Silva Mateus eram na altura cerca de 60 mil os ex-militares nestas condições, abarcando cinco mil soldados, sargentos e oficiais que desde 1992 deixaram de receber os vencimentos estabelecidos, e também os que foram desmobilizados depois daquele ano, e que receberam as guias da Caixa Social das Forças Armadas mas que, quando vão receber, são informados que não há dinheiro.
Mas há mais. Também lá estavam os que não tendo sido desmobilizados continuam a ser militares e não recebem, mais os 250 efectivos do processo “27 de Maio”, que aguardavam o pagamento da pensão de reforma, os 402 do Batalhão Comando Ex-Tigres, que lutaram na vizinha República Democrática do Congo, que têm direito a subsídios desde 2007 e que só receberam o correspondente a 2012.
Segundo Silva Mateus, faziam também parte daquele total de 60 mil, os 32.600 antigos militares dos antigos braços armados da UNITA (FALA) e da FNLA (ELNA), ainda 18 mil oficiais que passaram à reforma e os que integraram a chamada Defesa Civil, então tutelados pelo Ministério da Defesa Nacional e integrados nos governos provinciais na última guerra civil (1998/2002) e, finalmente, os que estavam integrados na Segurança do Estado, nas chamadas Tropas Territoriais, na Organização de Defesa Popular e nas Brigadas Populares de Vigilância.
“Os actuais dirigentes, tanto a nível do Ministério da Defesa Nacional como da Chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas não conhecem, não têm percepção da dimensão deste dossiê”, acusava na altura Silva Mateus.
“Será que estas entidades não têm conhecimento da existência deste dossiê e desta demanda dos militares ao Estado, e, se têm, porque não reagem? Estão à espera de quê? Que os militares percam a paciência e saiam à rua para serem apelidados de arruaceiros”, questionou.
Silva Mateus assegurou então que “não serão meia dúzia de generais de barriga cheia” que impedirão os ex-militares de sair à rua, caso estes continuem sem receber um sinal de disponibilidade para o diálogo.
“Se os dirigentes, nomeadamente o presidente da República, continuarem a fingir que não nos ouvem, ele será o responsável de tudo o que vai acontecer”, concluiu o general referindo-se à época a José Eduardo dos Santos.
O que dirá agora João Lourenço? Eventualmente poderá dizer que os militares são, como os civis não afectos ao MPLA, culpados até prova em contrário. Poderá também dizer que pertencem a uma qualquer seita religiosa, que estão a ser instrumentalizados pela Oposição ou que preparam um golpe de Estado.
Criar… mecanismos
O ex-ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Pedro Sebastião, defendia a necessidade da criação de mecanismos para maior rigor no controlo e certificação dos Antigos Combatentes e Veteranos de Pátria, preenchendo todos os requisitos recomendados pela Lei.
Na sua óptica, era necessário com a maior urgência criar-se mecanismos rigorosos para controlo e certificação dos antigos combatentes que preencham ou não os requisitos recomendados por Lei. Coisa que, provavelmente, ainda não houve tempo para fazer, mesmo que a nossa última guerra tenha terminado há 19 anos.
Outro aspecto que deveria merecer também uma maior atenção, disse o então ministro de Estado, era a proliferação de associações com um mesmo objectivo, advogando que elas deviam e podiam ser fundidas numa só, para maior coesão na utilização dos recursos, porquanto a dispersão cria fraqueza que torna as instituições sem o dinamismo necessário.
Pedro Sebastião disse que o Executivo saído das eleições de Agosto de 2017 tinha como primazia, apesar dos esforços empreendidos na generalidade, a situação social dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria que clamam ainda por uma atenção diferenciada.
O ministro explicou que o Governo reconhece a necessidade de se prestar maior e melhor atenção aos assuntos ligados a essa franja da sociedade, com particular realce para as suas condições de vida e das suas famílias.
Salientou também que o estatuto do Antigo Combatente e Veterano da Pátria tem sido usurpado, com alguns casos fraudulentamente, por elementos que nada têm de Antigos Combatentes, usufruindo estes em detrimentos daqueles os benefícios que a Lei confere.
Recorde-se que, talvez por engano, a UNITA chegou a afirmar que “o país tem muitos dos seus antigos combatentes e centenas de milhares dos seus ex-militares, muitos deles mutilados de guerra, constituídos em exército de mendigos, fora da caixa de segurança social, e a Assembleia Nacional aprova uma lei que dê uma dupla subvenção às ex-primeiras-damas da República”.
Também em abono da verdade, relembre-se que o Governo abriu em Janeiro de 2017 (ano eleitoral) um crédito adicional de mais de 38 milhões de euros para pagamento de despesas de 2016 relacionadas com o programa de reintegração socioeconómica dos antigos combatentes e veteranos da pátria…
Foto: Vigas da Purificação – Edições Novembro