As dificuldades económicas (quatro ministros da Economia em quatro anos de governo) e as divergências no seu próprio partido, o MPLA (há 46 anos a ser dono de Angola), são os principais problemas que o Presidente da República (não nominalmente eleito), igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, vai enfrentar em 2022, ano em que Angola terá eleições gerais, antecipadamente ganhas pelo MPLA.
Para Ricardo Soares de Oliveira, professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford e autor do livro “Magnífica e Miserável: Angola desde a guerra civil”, os desafios de João Lourenço são muitos.
No quarto ano de mandato de João Lourenço, que tomou posse a 26 de Setembro de 2017, o académico descreve a actual situação política em Angola como “muito maleável” e caracterizada por graves problemas económicos, apesar do aumento recente dos preços do petróleo.
“Poderá haver ainda turbulência nos próximos 12 meses nos mercados das matérias-primas e, de qualquer modo, não compensa a sangria de recursos que se assiste desde 2014. Isto é uma bola de ferro que João Lourenço tem presa à perna”, afirmou.
O país continua dependente das matérias-primas, como sempre esteve, não gera emprego e não conquistou a diversificação económica, colocando a situação económica no centro das preocupações dos angolanos. Ao fim de 46 anos, o MPLA ainda não conseguiu ser humilde a ponto de perceber que se as couves forem plantadas, como acontece desde 1975, com a raiz para cima… morrem.
E mesmo que o Presidente dos angolanos (do MPLA) consiga obter financiamento para “alimentar alguns grupos clientelares” que lhe garantam algum apoio a médio prazo, isto não elimina as questões políticas com que o país se confronta.
Esta é, aliás, uma matéria em que João Lourenço é o maior perito. Desde logo porque viu roubar, participou nos roubos, beneficiou dos roubos mas conseguiu – diz – não ser ladrão.
Ricardo Soares de Oliveira, especialista em questões africanas, olha para o MPLA com um partido “fossilizado” cujas referências ao passado se tornaram obsoletas na mente de 75% do eleitorado angolano, maioritariamente jovem.
“É como se um partido político português fizesse um manifesto eleitoral com referências vivas à Segunda Guerra Mundial”, destacou, sublinhando que a “demonização da oposição” que foi central nos anos 70, 80 e 90 é agora “inútil ou até contraproducente” e não desencoraja as pessoas que querem votar UNITA.
Reconheça-se, contudo, que o MPLA recorre à sua fossilização mas de forma selectiva. Os massacres de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977, ordenados por aquele que é o único herói nacional que o MPLA permite (Agostinho Neto), não são assim tão antigos. Podem, aliás, ser reeditados se isso for conveniente para a manutenção do poder.
“João Lourenço não se consegue livrar do passivo que vem com o MPLA. O partido é o que existe. As pessoas são o que são, ele pode livrar-se de dois ou três super-corruptos porque acha que aquilo vai dar má imagem, mas não são só dois ou três, é uma fatia significativa da liderança do partido”, continuou o investigador, admitindo que esta é também uma das razões pela qual João Lourenço não “limpou” o partido verdadeiramente.
Apesar de entrar na corrida eleitoral com uma situação económica negativa, o peso partidário não representa só desvantagens, mas também um acesso discricionário aos fundos que os partidos da oposição não têm, notou.
Ricardo Soares de Oliveira sugere que João Lourenço poderá vir a dar alguns sinais políticos – aumentar os decibéis da propaganda sobre a diversificação da economia e da criação de empregos, fazer anúncios do domínio da despesa social, saúde e educação, insistir no discurso de luta contra a corrupção – mas o menu disponível para resgatar a sua imagem “não é muito extenso”.
Por isso, as opções para as eleições de 2022 são mais restritas do que em 2017, realçou. E, é claro, quando falta a força da razão, João Lourenço pode sempre usar a infalível razão da força.
Além disso, se não resultar numa reconciliação entre José Eduardo dos Santos (JES) e João Lourenço, o regresso do ex-presidente a Luanda pode ser fonte de preocupação adicional, face ao “sentimento difuso, em alguma opinião pública, de que afinal as coisas no tempo de JES não eram assim tão más”. Aliás, um provérbio português diz: “Atrás de mim virá quem bom de mim fará”…
“As pessoas não estão propriamente a dizer bem de José Eduardo dos Santos, estão a dizer mal de João Lourenço”, sintetiza, explicando que esta forma de embelezar o legado do anterior presidente (que regressou a Angola este mês, depois de dois anos a residir em Barcelona), transformando a anterior presidência em algo benigno, é uma “ficção”, compreensível no contexto actual, mas “perniciosa” face à oportunidade perdida de transformação real do país naquele período.
“Penso que qualquer nostalgia que apague os factos da má governação de JES é inaceitável, mas percebo de onde essas vozes vêm”, disse o analista.
Do lado da oposição, além do discurso mais crítico do MPLA e de “uma certa lucidez na identificação dos problemas do país”, em particular do que foi feito de mal, há também uma “pobreza de ideias” no que respeita a alternativas para o país.
“Como ainda falta um ano para as eleições, seria importantíssimo que a oposição desenvolvesse não apenas o discurso crítico do ‘status quo’, mas um verdadeiro projecto de mudança”, advogou.
Importa, contudo, reconhecer – de acordo com o cérebro intestinal dos dirigentes do MPLA – que o partido precisa de mais 54 anos de governação ininterrupta para aprender definitivamente que as couves não devem ser plantadas com a raiz para cima. A bem da acefalia do MPLA joga, contudo, que em breve conseguirão provar que os massacres de milhares de angolanos no 27 de Maio de 1977 foram da responsabilidade de um português chamado António Agostinho Neto.
Para além de que, “quando se fala de assimetrias regionais, não devemos falar apenas do leste do país e por ser uma zona de produção de diamantes, até porque a principal fonte de receitas em divisas do país é o petróleo” lembra o MPLA que cita províncias ricas em petróleo e que são pouco desenvolvidas.
Apesar de reconhecer que a abertura democrática (imposta, segundo o “escolhido de Deus”, José Eduardo dos Santos) “deve ser aprofundada e aperfeiçoada no interesse do país e dos angolanos”, o Bureau Político do MPLA considera que “esta maior liberdade de imprensa, de expressão, de reunião e de manifestação, está a servir para promover o desrespeito à Constituição e à Lei, aos símbolos nacionais, o desrespeito à autoridade instituída, o desrespeito ao património público e à propriedade privada, o que é perigoso para a estabilidade político-social e contrária ao bom ambiente de negócios atractivo do investimento privado, que se vem criando ultimamente”.
Os sipaios do MPLA não explicam, contudo, como é possível aperfeiçoar e aprofundar algo que não existe. Mas…
O MPLA reitera defender que o MPLA é Angola e que Angola é (d)o MPLA, sendo essa a estratégia para que os eleitores não sejam surpreendidos com líderes políticos corruptos, sem escrúpulos, criminosos e ladrões como os que estão no Poder desde 1975.
O Bureau Político “apela aos jovens a abraçar as causas nobres que têm a ver com a sua superação cultural, formação académica e profissional e a sua inserção na sociedade e que não façam da arruaça o seu modo de vida” e sublinha que “da arruaça não virá nunca o pão, o emprego, a habitação, o bem-estar das vossas famílias”.
Para isso os jovens devem aceitar ser amputados da coluna vertebral, bem como permitir a mutação do cérebro para os intestinos, podendo assim ser militantes de alto gabarito do MPLA. Militantes que tenham de se descalçar para contar até 12, que conheçam bem o que é a electricidade… potável, que estabeleçam “compromíssios” com os dirigentes… se “haver” necessidade…
Folha 8 com Lusa