O Presidente da República de Portugal defende que a “Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital” que promulgou não institui nenhuma forma de censura por parte do Estado e realçou que foi aprovada “praticamente por unanimidade”. Se Marcelo Rebelo de Sousa o diz é porque é… mentira!
Por Orlando Castro (*)
“Seria grave se o Estado fizesse censura, seria mesmo intolerável, e seria intolerável que, mesmo não fazendo censura prévia, fizesse censura à posteriori. Eu nunca promulgaria um diploma desses, passei toda a minha vida a defender a liberdade de imprensa, nunca o promulgaria”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa.
Recorde-se que Fernando Lima, que foi consultor político do Presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, e seu assessor de imprensa, considerou que “uma informação não domesticada constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar”.
O chefe de Estado, que falava em resposta aos jornalistas, a meio de um percurso a pé no concelho de Câmara de Lobos, na Madeira, acrescentou: “E tenho a certeza de que o Parlamento, que o que tem mais é democratas, não votaria praticamente por unanimidade um diploma sem notar que havia lá censura”.
Marcelo Rebelo de Sousa realçou que esta lei vem “na sequência de posições internacionais sobre a matéria, nomeadamente europeias” e foi aprovada “apenas com a abstenção da Iniciativa Liberal”, e referiu que já depois da votação na Assembleia da República houve “um artigo 6.º que suscitou algumas dúvidas”.
Segundo o Presidente da República, “nos termos em que existe o artigo 6.º, pode-se achar que é mais bem escrito ou mais mal escrito, que é mais feliz ou menos feliz, mas censura não tem”.
“E, portanto, a meu ver não tem nada de inconstitucional. Foi assim que eu o promulguei. Também vos confesso que me senti confortado pelo facto de todos os partidos, praticamente todos, menos um deputado, acharem que aquilo não levantava nenhum problema de constitucionalidade nem nenhum problema político grave”, reforçou.
O chefe de Estado ressalvou que respeita aqueles que dizem que é preciso “estar atentos a que no futuro não haja censura”.
No entanto, contrapôs que aquilo que mais o preocupa “é que os jornais, as rádios e as televisões entrem em crise económica e financeira e surja uma censura através do poder económico”, em que “quem paga, quem compra, quem exerce uma forma de intervenção económica e financeira poder dizer: isto convém mais, convém menos, isto levanta problemas”.
Questionado se vê isso acontecer actualmente, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “Não vejo, mas se a informação não for viável económica e financeiramente fica muito frágil, e essa fragilidade não é boa para a liberdade de imprensa”.
O artigo 6.º da “Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital”, lei publicada em 17 de Maio no Diário da República, estabelece que “o Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Acção contra a Desinformação, por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou colectivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação”, que seja “apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público”.
De acordo este artigo, “todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social queixas contra as entidades que pratiquem os actos previstos no presente artigo” e, por outro lado, “o Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”.
O Presidente da República relativizou a possibilidade de recurso à Entidade Reguladora para a Comunicação Social dizendo que “já acontecia em determinados casos” e que neste ponto “alarga-se o que existe, não tem a ver com tribunais”.
Quanto às “estruturas de verificação de factos” nos órgãos de comunicação social previstas nesta lei, salientou que programas desse tipo “já existem, em todos os canais televisivos, existe na RTP, existe na SIC, existe na TVI”, assim como “nalguma imprensa”.
Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que correspondem à “opinião do canal, que faz o seu controlo”, desdramatizando também esta parte da lei: “Não é mais do que isso, não é o Estado que vai controlar”.
“O terceiro ponto é o de se considerar que pode haver entidades, não públicas, mas de utilidade pública, fundações, associações de utilidade pública, que atribuam selos de qualidade, como há selos de qualidade no turismo, na hotelaria, na restauração”, enquadrou, acrescentando: “Não é o Estado, só faltava que fosse o Estado a dizer. São outras entidades que o fazem. Vale o que vale, é uma opinião”.
“Em nenhum destes casos há censura prévia, nenhum. Em nenhum destes casos o Estado intervém, quer dizer, não há ninguém da Administração Pública, central, regional ou local que antes de haver qualquer notícia ou qualquer informação intervém, e depois de haver essa informação se substitui aos tribunais que têm uma palavra num Estado de direito”, concluiu o chefe de Estado.
E por cá a… é a mesma
O Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) manifesta-se regularmente (em função das ordens superiores que o seu presidente recebe) preocupado pela forma sistemática como alguns órgãos de comunicação social e jornalistas destratam os actores políticos, violando gravemente os seus direitos de personalidade, ou seja, violando o “jornalismo” patriótico que o MPLA exige.
“O Conselho Directivo manifesta-se igualmente preocupado pela forma sistemática como alguns órgãos de comunicação social e jornalistas destratam os actores políticos, violando gravemente os seus direitos de personalidade”, lê-se num dos comunicados recentes da ERCA.
Com as atenções viradas para o clima político actual entre as diversas forças, que se prevê venha a tornar-se cada vez mais crispado, nos limites permitidos pelo regime democrático, a ERCA recomenda que os diferentes órgãos “tenham a melhor consideração, na sua actuação diária, pelo princípio da responsabilidade editorial efectiva e as suas consequências em caso de violação das normas que estão plasmadas nos diferentes diplomas que fazem parte do pacote legislativo da comunicação social, com destaque para a Lei de Imprensa”.
“Encontrando-se esta entidade na primeira linha institucional como garante da aplicação do referido princípio, o Conselho Directivo manifestou-se preocupado com a forma ostensiva como as normas vigentes por vezes são violadas no tratamento desigual que se dispensa aos protagonistas da vida político-partidária”, salienta-se no documento.
O órgão, sublinhando que não tem competência para interferir directamente na gestão editorial de cada órgão, “nem sendo sua intenção”, a ERCA entende que a sociedade também tem o direito legítimo de se pronunciar sobre a qualidade do jornalismo praticado no país, no quadro da própria democracia participativa, que é um direito constitucional, não devendo por isso serem ignoradas as críticas que se fazem ao seu desempenho.
Esclarecimento prévio a alguns dos membros da ERCA. Servilismo significa propensão a obedecer como escravo, falta de dignidade, baixeza, subserviência. Informar, por exemplo, significa mostrar os hotéis de luxo de Luanda. Jornalismo significa, por exemplo, mostrar os angolanos a procurar comida no lixo (que é coisa que não falta).
Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional, é o que a ERCA (por ordem do Governo) pretende para Angola. É uma tese que transitou do tempo de partido único para a actual era de… único partido.
O Governo, ou a ERCA como sua sucursal, quer formatar o que a comunicação social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico.
Quem é a ERCA (MPLA/Governo) para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”?
Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA? Só não estamos a voltar porque, de facto, nunca de lá saímos.
Esta peregrina ideia de Adelino Marques de Almeida (membro do MPLA e presidente da ERCA) e dos seus mais formatados muchachos foi categoricamente manifestada no dia 27 de Fevereiro de 2018, na cidade do Huambo, na abertura do seminário dirigido aos jornalistas das províncias do Huambo, Bié, Benguela, Cuanza Sul e Cuando Cubango.
Para alcançar tal desiderato, Celso Malavoloneke (então secretário de Estado do sector) informou que o Ministério da Comunicação Social iria prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo.
Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.
Celso Malavoloneke lembrou – e muito bem (as palavras voam mas os escritos são eternos) – que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. E fez bem em lembrar. É que ministros, secretários de Estado e membros da ERCA também recebem “ordens superiores” e, por isso, não se podem esquecer das louvaminhas que o Presidente exige.
Aos servidores públicos, segundo Celso Malavoleneke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicação Social, estabelecendo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola.
Sejam implementadas as teses do MPLA de João Lourenço, que são um pouco piores das anteriores, e os servidores públicos podem estar descansados que não haverá lugar a críticas da Comunicação Social.
Dar voz a quem a não tem? Isso é que era bom! Não é para isso que temos um Departamento de Informação e Propaganda do MPLA ou, na sua versão “soft”, uma Entidade Reguladora da Comunicação Social.
Por muito que o MPLA (em sentido lato, onde se inclui a ERCA) queira que os jornalistas (e não só eles, obviamente) do Folha 8 aceitem amputar a coluna vertebral, “transferir” o cérebro da cabeça para o local mais patriótico que o MPLA conhece (os intestinos) e arquivar a memória, não vai conseguir.
Por cá, consideramos que os Jornalista que não procuram saber o que se passa são imbecis, e que os que sabem o que se passa e se calam são criminosos. E é por isso que – com a coluna vertebral e o cérebro nos locais certos – combatemos os imbecis e criminosos, sejam jornalistas ou sipaios.
(*) Com Lusa