QUEM DISSE QUE O PRESIDENTE NÃO RI?

O pré-candidato à liderança do MPLA, António Venâncio, cuja intenção de concorrer ao congresso do partido no poder em Angola há 46 anos foi rejeitada, apresentou hoje uma providência cautelar no Tribunal Constitucional (TC), sucursal jurídica do próprio MPLA, para “impugnar” o conclave.

“Hoje sim acabou de entrar esta providência cautelar, mas ainda estamos a tentar esgotar o recurso internamente, ainda não desistimos do recurso junto do Bureau Político do Comité Central, que é o órgão a quem dirigimos o recurso”, afirmou hoje António Venâncio.

O VIII Congresso Ordinário do MPLA, no poder desde 1975, vai realizar-se entre 9 e 11 de Dezembro, em Luanda, e João Lourenço, actual presidente do partido, chefe de Estado de Angola e Titular do Poder Executivo é candidato único à liderança do MPLA.

António Venâncio, que viu rejeitada a intenção de se candidatar à presidência do partido por alegados obstáculos na recolha de assinaturas, espera igualmente que o Bureau Político do Comité Central do MPLA se pronuncie sobre o conteúdo dos argumentos do seu recurso.

“Uma vez respondida a nossa preocupação, veremos. Se for desfavorável, e se a resposta do Bureau Político não nos convencer com factos e evidências que nos convençam que estamos errados e que a direcção do partido está correcta e procedeu de acordo com as normas estatutárias, aí sim vamos recorrer aos órgãos do Estado”, sustentou.

Segundo António Venâncio, que milita há décadas no MPLA, a providência cautelar, que o seu mandatário entregou hoje no TC, surge, sobretudo, caso o Bureau Político dos “camaradas” não seja “capaz de nos convencer que a sua decisão é certa”.

“E para isto, já demos entrada de uma providência cautelar de modo a que depois se possa avançar para uma acção principal, logo que o congresso se realize fora dos marcos dos estatutos, conforme estamos aqui a argumentar”, realçou.

“Se o congresso for realizado fora dos marcos dos estatutos e com as violações que estamos a apresentar, vamos naturalmente ao TC para que impugne o congresso e possa a ser realizado um outro”, frisou.

Para António Venâncio, a preparação do VIII Congresso Ordinário do MPLA está eivada de um conjunto de omissões e incongruências visíveis ao espírito democrático: “Nós não podemos aceitar, por exemplo, que não haja uma comissão eleitoral, até agora não foi constituída”.

“Há uma campanha eleitoral que foi feita fora do tempo regulamentar, muitos impedimentos, obstruções, pressão sobre militantes que queriam e querem subscrever a minha candidatura”, disse.

O escritório de advogados de Sérgio Raimundo, um dos mais conhecidos causídicos angolanos, tutela a providência cautelar de António Venâncio, engenheiro de profissão, 66 anos, nascido em Luanda.

Os membros do Comité Central do MPLA, reunidos na última segunda-feira, sob presidência de João Lourenço, “reafirmaram o seu condicional apoio à candidatura de João Lourenço ao cargo de presidente do MPLA como reconhecimento da sua liderança, bem como dedicação à causa do partido e do povo angolano”.

Membros deste órgão concluíram ainda que o processo de apresentação de candidaturas ao cargo de presidente do MPLA “decorreu de acordo com as normas consagradas nos estatutos do partido, no regulamento eleitoral e na metodologia geral de preparação e realização do VIII Congresso Ordinário”.

Um conto de fadas… do MPLA

António Venâncio pensou que poderia querer uma “nova era” para o MPLA, como se fosse um partido democratizado que permitiria avançar também para um país mais democrático.

“O MPLA tem tudo para liderar o processo de democratização do país dando um exemplo ao mundo”, destacou, acrescentando que é altura de os militantes fazerem valer os seus direitos estatuários.

António Venâncio é o primeiro militante a teorizar uma candidatura para desafiar o actual presidente do partido, João Lourenço, que é também chefe do Estado e Titular do Poder Executivo, no próximo congresso, numa altura em que falta menos de um ano para o país realizar eleições gerais, se se cumprir o que está previsto.

Engenheiro, António Venâncio foi activista político desde 1974 e esteve à frente do grupo que recebeu a primeira delegação do MPLA vinda do `maquis`, tendo estado também ligado à organização do primeiro comício do MPLA em Luanda.

Num dos capítulos desta comédia, também Irene Neto, filha do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, fez saber através de um comunicado que não fechava portas a um convite para apresentar uma moção de estratégia e uma lista à liderança do MPLA.

João Lourenço, general, antigo ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos, e actual dono de uma grande parte do MPLA, nunca esteve preocupado com a eventual candidatura de António Venâncio. Como ele bem sabe, foi só eventual, foi só uma encenação.

Em 19 de Agosto de 2017, perante o erro de casting que foi a escolha/imposição de João Lourenço, José Eduardo dos Santos apareceu, pela primeira vez em campanha, ao lado do cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais angolanas, procurando em passar a mensagem que o MPLA continuava a ser Angola e que Angola continuava a ser do MPLA. Na altura marcaram presença também Marcolino Moco e Fernando Heitor.

Numa intervenção de poucos minutos, e depois de ambos entrarem lado a lado no comício que encerrou os grandes actos de massa da campanha eleitoral do regime/Estado/MPLA, José Eduardo dos Santos, chefe de Estado, Titular do Poder Executivo e presidente do partido, justificou a presença com o objectivo de “reiterar” o “apoio pessoal” a João Lourenço, a convicção na vitória eleitoral e apelando (para, mais uma vez, parecer uma democracia) ao voto.

“Será eleito o próximo Presidente da República de Angola”, afirmou José Eduardo dos Santos, sobre João Lourenço, numa breve intervenção e não ficando na tribuna para assistir ao discurso que se seguiu do cabeça-de-lista.

“É grande a responsabilidade que me colocam sobre os ombros”, disse, por seu turno, João Lourenço, na mesma intervenção, perante (segundo a Lusa) dezenas de milhares de pessoas, dirigindo-se a José Eduardo dos Santos.

“Digam ao nosso líder que estamos com ele para sempre”, ouvia-se, pouco depois, pela voz do speaker de serviço, incentivado o público presente na zona do Camama, arredores de Luanda.

Após meses de especulações sobre a sucessão, o chefe de Estado e presidente do partido anunciou a 3 de Fevereiro de 2017, em reunião do Comité Central do MPLA, que não seria recandidato ao cargo nas eleições gerais desse ano, deixando assim o poder ao fim de 38 anos de um consulado para o qual nunca foi nominalmente eleito.

Nessa reunião, José Eduardo dos Santos anunciou que tinham sido aprovados pelo partido os nomes de João Lourenço, para cabeça-de-lista do partido e concorrendo assim ao cargo de Presidente da República, e Bornito de Sousa, como número dois e candidato à eleição para vice-Presidente.

“A nossa marca de campanha estará no boletim de voto, como foi no passado: É a bandeira do MPLA e a cara do nosso candidato a Presidente da República. Estes símbolos devem ter uma grande divulgação no seio do povo, rumo à nossa vitória”, declarou ainda José Eduardo dos Santos, referindo-se a João Lourenço.

Nem Marcolino Moco faltou…

E porque José Eduardo dos Santos estava presente neste comício de 19 de Agosto de 2017, por lá apareceram velhos e novos convertidos ao regime, casos de Marcolino Moco e Fernando Heitor, um ex-UNITA que graças ao excelente olfacto que tem cheirou um novo tacho na mesa do MPLA. Chegou onde queria, mas foi manado borda fora logo a seguir.

Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.

Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.

Com Eduardo dos Santos passou-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que tinha razão) a única via para mudar de dono do país.

É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.

No entanto, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que João Lourenço foi célere a retirar-lhe. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.

É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial (do MPLA, no caso) do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém (João Lourenço) que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante muitos anos, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.

Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.

Desde 2002, o presidente de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente. Já João Lourenço não tem necessidade de fingir. Assume que é dono do país.

Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tivesse enquanto detentor do poder cada vez mais fiéis seguidores. O mesmo se está a passar com João Lourenço. No entanto, a estratégia de “assassinar” o “pai” pode levar a que o tiro lhe saia pela culatra.

É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 46 anos é o MPLA…

Até um dia, como é óbvio. Pensou-se que poderia ser a 23 de Agosto de 2017. Mas não. Apenas mudaram algumas moscas. Poderá, contudo, ser em 2022. Desde logo porque há muitos marimbondos dispostos a dar uma ajuda ao “Galo Negro”.

Folha 8 com Lusa

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