Quando o Mel(r)o zurra

O texto que se segue tem dois autores. A parte a cor castanha é (+ ou -) da autoria de João Melo, o ex-tudo (inclusive ministro do MPLA/João Lourenço), que explicitamente ostraciza Marcelino da Mata (fácil depois de ele ter morrido) e endeusa (implicitamente) o seu herói dos heróis, Agostinho Neto. O que está escrito a azul é da minha responsabilidade.

Por Orlando Castro

«Escrevo este artigo por todas as razões, uma delas de foro particular: pertenço a uma família de africanos que esteve envolvida desde sempre, quer pelo lado paterno quer pelo materno, na luta contra o colonialismo português (no caso, em Angola). Todos os assuntos relacionados com essa história, portanto, me interessam.

Começo por dizer aos leitores que acompanho a situação em Portugal apenas pela imprensa e pelas televisões, nutrindo certa simpatia pela actual forma governativa no poder, incluindo a coabitação entre um primeiro-ministro socialista, apoiado criticamente por dois partidos mais à sua esquerda, e um chefe de Estado filiado à melhor tradição do centro-direita europeu.

Assim sendo, não pude deixar de ficar estupefacto com a “normalização”, voluntária ou involuntária, que tanto o governo como o Presidente da República português fizeram, objectivamente, de um “herói” colonialista, fascista e salazarista: o tenente-coronel Marcelino da Mata, recentemente falecido.

Não sou um fã particular do estilo meio “mórmon” – digo-o com todo o respeito quer por ele quer por essa corrente religiosa – do economista Francisco Louçã, antigo líder do Bloco de Esquerda, mas, em relação a este tema, estou integralmente de acordo com aquilo que ele disse no seu habitual comentário na SIC, depois de demonstrar, com base em várias informações disponíveis a toda gente, que Marcelino da Mata foi um criminoso de guerra: “Um criminoso de guerra não pode ser apresentado como um herói. Os heróis portugueses [quaisquer heróis, acrescento] não podem ser criminosos de guerra.”

E então um criminoso, assassino e genocida como Agostinho Neto que mandou assassinar milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977 deve ser apresento como? Herói?

A caracterização feita por Louçã do militar mais condecorado das Forças Armadas portuguesas não é fake news. O próprio encarregou-se, em várias intervenções públicas feitas ao longo da sua vida, de a confirmar. Sugiro aos leitores, por exemplo, assistirem ao documentário Anos de Guerra-Guiné 1963-1974, do ano 2000, produzido por Pedro Efe e realizado por José Barahona, disponível na íntegra no YouTube.

Cá por mim deverão ler, entre muitos outros, o livro “Agostinho Neto, o Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, de Carlos Pacheco.

A figura de Marcelino da Mata é, na realidade, de uma obviedade chocante e – insista-se – criminosa. Nenhuma ambiguidade. Nenhuma historicidade que precise de ser levada em conta pela análise actual.

Como explicar, assim, o erro – porque se trata de um erro, quer histórico quer político – do governo de António Costa e do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa?

Na minha opinião, duas razões contribuíram para isso. Primeiro, a dificuldade de Portugal em lidar com a sua herança colonial e o seu racismo. O mito da colonização “cordial” e do “não-racismo” comprovam-no. O facto de Marcelino da Mata ser negro, ter nascido na Guiné-Bissau e ter optado por servir o império colonial é, pois, instrumental, mau grado tratar-se de um torcionário. Segundo, a falácia das falsas equivalências, utilizada pela extrema-direita em todo o mundo para se contrapor às reivindicações e exigências revisionistas das forças apostadas em radicalizar a democracia, isto é, levá-la até às últimas consequências.

É certo que muitos confundem a luta, necessária e legítima, pela radicalização (melhor dizer, talvez, completamento) da democracia com a instauração de guetos e novas tribos, mas isso não é, em absoluto, comparável à equiparação de criminosos de guerra, qualquer que seja o seu lado, a heróis.»

Cachipembe queima mas não é incêndio, disse Melo

Em Agosto de 2019, o então ministro do MPLA com a pasta(gem) da Comunicação Social, João Melo, afirmou que comparar as queimadas que se fazem em vários países africanos do centro-sul, como Angola, com os fogos da Amazónia “é um completo nonsense”, admitindo, no entanto, o problema. O rapazola confundiu a obra-prima do mestre com a prima do mestre de obras, mostrando que, por exemplo, se o Presidente da República taxasse a estupidez dos membros do Governo, o país deixaria de estar em crise.

Na sua conta do Twitter, o ministro fez alusão a um artigo da agência Bloomberg (que o Folha 8 divulgou no artigo “Angola lidera lista de países com mais incêndios”) que se baseava em fotos da NASA, a agência espacial norte-americana, e punha Angola no topo mundial em número de fogos, considerando que a comparação não faz sentido.

O rapazola, como é seu timbre, esquece-se que não é feita nenhuma comparação mas, tão-somente, uma listagem estatística com os países que, na altura, registavam o maior número de fogos.

“O artigo atribuído à Bloomberg afirmando, com base em fotos da NASA, que há mais fogos em Angola, Congo e outros países do centro-sul de África do que na Amazónia é um completo nonsense. Como comparar queimadas, tradicionais nesta região, com o incêndio da maior floresta do mundo?”, escreveu João Melo.

Pois é. Então não é possível elencar/comparar os nossos 20 milhões de pobres com a inexistência de pobres nos clãs familiares dos membros do Governo, ou comparar/elencar a coluna vertebral de um chimpanzé (sem ofensa para estes primatas) com a de João Melo?

De acordo com uma notícia da Bloomberg, do dia 24 de Agosto, que citava dados do satélite MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) da NASA, Angola tinha registado 6.902 fogos nas anteriores 48 horas, mais do dobro dos 3.395 na República Democrática do Congo e mais do triplo dos 2.127 fogos registados no Brasil.

Reconheça-se, contudo, que o satélite MODIS poderá ser o desaparecido satélite angolano Angosat-1 que terá sido corrompido pelos marimbondos de José Eduardo dos Santos, admitindo-se igualmente como plausível que a própria NASA tenha sido infiltrada pelos discípulos de Jonas Savimbi.

“Os fogos que grassam na Amazónia podem ter colocado pressão sobre as políticas ambientais do Presidente Jair Bolsonaro, mas o Brasil é, na verdade, o terceiro país no mundo em termos de incêndios nas últimas 48 horas”, referia a Bloomberg, salientando (sem consulta prévia ao Departamento de Informação e Propaganda do MPLA) que estes números não eram invulgares na África central, quando os agricultores fazem queimadas para preparar a terra para cultivar.

Numa sequência de ‘tweets’, em que interagiu também com os seus seguidores, João Melo criticou o “carnaval” em torno das fotos da NASA e a confusão entre queimadas, fogos florestais, incêndios, fósforos acesos, piqueniques, churrascos, sardinhadas e similares.

“Confundir fotos de capim a arder na nossa região com incêndios massivos em florestas é brincadeira. E misturar isso com politiquice barata é pior ainda. Lamentável”, escreveu o então governante enquanto se descalçava para tentar contar as razões da sua emblemática tese que, à priori, sabia que seriam mais de… 10 (dez).

João Melo reconheceu, contudo, que o problema existe e precisa de ser resolvido, respondendo a um seguidor que “o Governo está a tomar medidas para enfrentar esses problemas. Mas resolvê-los leva tempo”.

Nisto o ministro rapazola (também pode ser rapazola ministro) tem razão. Se em, na altura, 44 anos de governo o MPLA ainda não conseguiu descobrir a diferença entre um corredor de fundo e o fundo do corredor, precisa mesmo de muito tempo para distinguir o José Maria da Maria José.

O governante do MPLA rejeitou ainda, em resposta a outro internauta, que os seus comentários estivessem relacionados com um ‘tweet’ do anterior ministro brasileiro do Meio Ambiente, Ricardo Sales.

Sales reagiu às críticas do Presidente francês, François Macron, sobre o ‘ecocídio’ da Amazónia, escrevendo: “Mais fogo em Angola e Congo do que na Amazónia… e o Macron não fala nada… Porque será? Será que é porque eles não concorrem com os ineficientes agricultores franceses?”.

“Não vi nenhum tweet de nenhum ministro brasileiro ou de qualquer país sobre este assunto”, respondeu João Melo ao seguidor que o interpelou.

Os devaneios do rapazola

Segundo o então ministro João Melo, a imprensa pública, em Angola, está obrigada a continuar a desempenhar um papel preponderante durante as próximas décadas. Isto quer dizer que durante as próximas décadas (certamente, como nos últimos 45 anos, sob a égide do MPLA) Angola não será uma verdadeira democracia e um Estado de Direito.

O também “jornalista” (já terá Carteira Profissional?) e escritor (segundo a Angop, note-se) discursava num Encontro das Empresas Públicas de Comunicação Social da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), organizado pela Direcção Geral de Informação e pela Rádio Televisão de Cabo Verde, e justificou a sua previsão com o facto de o empresariado local ser ainda “débil”, apesar de a legislação do sector, aprovada em 2017, ter acabado com todos os monopólios na área de comunicação social.

Em Angola, o Estado/MPLA é proprietário assumido dos principais órgãos de comunicação social e, de forma encapotada, de muitos outros. Se isto não é monopólio e concorrência desleal, então acreditemos que os jacarés voam e que a NASA contabilizou o momento que João Melo acendia um cigarro como mais um incêndio em Angola…

Disse João Melo, com inequívoco conhecimento de causa, que salvo uma ou outra excepção, um crescimento exponencial da imprensa privada é uma miragem. E é mesmo. Num país que tem 20 milhões de pobres para uma população de cerca de 30 milhões, que futuro terão todas as actividade que não estejam nas mãos do MPLA? Num país que, desde a independência em 1975, conheceu um só partido a governar e que teve, durante 38 anos, o mesmo presidente (nunca nominalmente eleito), que futuro terão todos aqueles que pensam de forma diferente do MPLA?

Relata a Angop que, numa outra direcção e a título de balanço, o governante disse que, em menos de um ano de governação do presidente João Lourenço, “todos os órgãos públicos não são apenas líderes de audiência em Angola, como contribuíram – além dos actos do próprio Presidente da República, nomeadamente para o combate à corrupção – para a rápida e inequívoca mudança de reputação do país, quer nacional quer internacional”.

Essa de falar de liderança de audiências, bem como do contributo para melhorar a reputação do país, é mais uma tentativa de João Melo colocar as suas teses no pódio do anedotário nacional. Estava no bom caminho e já era grande a distância dos seus mais directos “adversários”, Luvualu de Carvalho, Bento Kangamba, Adelino de Almeida, Albino Carlos e Américo Cuononoca.

O então ministro da Comunicação Social reiterou, na sua comunicação, que o objectivo do sector que dirigia era fazer da comunicação social do regime “não apenas os de maior alcance em termos de expansão e audiência, mas, sobretudo, os mais sérios e credíveis do mercado”.

João de Melo preparava-se para levar a carta a Garcia. Não que os órgãos do MPLA algum dia sejam os mais sérios e credíveis do mercado. Mas porque, seja por obra e graça do então Ministério da Comunicação Social ou da sucursal do MPLA para o sector, a ERCA, Angola tenderá a só ter órgãos do Estado e, portanto, sem concorrência. Aliás é a mesma estratégia seguida pela “democracia made in MPLA”: ter vários partidos mas só um único partido para governar.

“Hoje, a perspectiva é converter os órgãos tutelados pelo Estado em genuínos órgãos públicos, abertos a todos, dando espaço e voz aos diferentes segmentos da sociedade, proporcionando o debate plural e contraditório, etc.”, sublinhou o ministro, certamente convicto de que somos todos matumbos ou simples clones dos dirigentes do MPLA (e do Governo) que – com raras excepções – para contarem até 12 têm de se descalçar.

Como a audiência não era a habitual (caninos autómatos do regime), João Melo apercebeu-se que nem todos estavam a ser ludibriados, por isso sentiu necessidade de maquilhar o seu totalitarismo dizendo que a imprensa pública não deve ser confundida como um mero instrumento do governo. Apesar dessa tentativa, não resistiu a dizer (conforme ordens superiores) que a Imprensa também não pode ser (ora aí está!) anti-governamental.

João Melo, importa reconhecer e relembrar, é alguém que com uma rara perspicácia faz a simbiose perfeita entre um sipaio da era colonial (ao estilo de José Ribeiro) e um mercenário da era marxista do MPLA (tipo Artur Queiroz).

Num artigo publicado no dia 5 de Agosto de 2015 no Jornal de Notícias (Portugal), João Melo escreveu que “a prisão, em Luanda, de 15 activistas acusados de prepararem uma sublevação popular de atentado ao Presidente da República está a ser usada como pretexto para reviver, sobretudo em Portugal, as velhas campanhas anti-MPLA do período da guerra civil em Angola, quando a UNITA pagava o salário de numerosos jornalistas, políticos e outras figuras portuguesas, que adoravam as visitas à Jamba”.

João Melo, na velha tradição dogmática do seu partido, reeditava velhas teses, segundo as regras – não menos dogmáticas – do seu “Jornal de Angola”, desde sempre órgão oficial do MPLA, correia de transmissão do regime ditatorial que (des)governa Angola desde 1975.

De facto, no dia 12 de Maio de 2008, o Pravda (como é também conhecido o JA) ameaçou divulgar “as listas dos nomes dos quadrilheiros portugueses capturadas no bunker de Jonas Savimbi no Andulo”. Até hoje não o fez. E também, e mais uma vez, João Melo fala da questão mas não dá o nome aos bois. É pena.

Então, camarada João Melo, como mais vale tarde do que nunca e agora que já não é ministro, não será esta a melhor altura para divulgar essa lista de “jornalistas, políticos e outras figuras portuguesas”? Não será altura de pôr tudo em pratos limpos? Ou vai, como fez em relação a Marcelino da Mata, esperar que morram para depois os atacar?

Continuamos à espera das listas de quadrilheiros portugueses e, já agora, também da imensa listagem dos oficiais das FAPLA e depois das FAA que trabalhavam para Savimbi, assim como dos políticos do MPLA, alguns com altos cargos nos diferentes governos e que também eram assalariados do líder da UNITA, e ainda dos jornalistas (portugueses e angolanos), alguns hoje “ERCAmente” rendidos aos encantos do MPLA, e que também eram amamentados por Savimbi.

Há já muito tempo que o povo angolano vem assistindo ao gingar bamboleante e demagogo de João Melo, uma espécie de Goebbels do MPLA que João Lourenço tanto gosta de ver dançar ao ritmo da sua batuta, vomitando raios e coriscos contra todos os que não aceitam ser servos e escravos do seu patrão.

Este tipo de fuga, ou cobardia psicológica, (agressão deslocada, como explica a psicologia), acontece porque ele tenta, sem sucesso, disfarçar os sofismas e as ambiguidades e contradições do MPLA que parasitam a sociedade angolana, económica e socialmente há 45 anos.

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