A União Africana (UA) condenou o golpe de Estado na Guiné-Conacri, no qual o presidente Alpha Condé foi detido por militares a quem a organização continental exigiu a sua “libertação imediata”.
Num comunicado conjunto, o actual presidente da UA, o Chefe de Estado da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, e o presidente da Comissão da UA, Moussa Faki Mahamat, reprovaram “qualquer tomada de poder pela força”.
Ambos os líderes exigiram também a “libertação imediata” de Alpha Conde, e instaram o Conselho de Paz e Segurança e da Organização Pan-africana a reunir-se “urgentemente para examinar a nova situação na Guiné e tomar as medidas apropriadas, dadas as circunstâncias”.
As forças especiais da Guiné-Conacri anunciaram ter capturado o Presidente Alpha Condé e “dissolvido” as instituições depois de, durante várias horas, terem sido ouvidos tiros de armas automáticas próximo do palácio presidencial, no centro de Conacri, capital da Guiné-Conacri, e ser visível a movimentação de tropas nas ruas, segundo relatos das agências de notícias internacionais.
O comandante das forças especiais do exército, coronel Mamady Doumbouya, anunciou, num vídeo, que os militares concordaram em “dissolver a Constituição em vigor” e o Governo, e compareceu em seguida na televisão estatal (foto), ladeado por vários soldados, com a bandeira nacional sobre os ombros.
Informou, nessa altura, a criação do “Comité Nacional de Agrupamento e Desenvolvimento”, com o objectivo de “iniciar uma consulta nacional para abrir uma transição inclusiva e pacífica”, justificando ainda o golpe com a “falta de respeito pelos princípios democráticos, a politização excessiva da administração pública, má gestão financeira, pobreza endémica e corrupção”, que, a sua opinião, imperam no país.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, também já condenou “qualquer tomada de poder pela força das armas”.
António Guterres apelou ainda, numa publicação no Twitter, “à libertação imediata do Presidente Alpha Condé” e disse que está a seguir a situação na Guiné-Conacri “de muito perto”.
A Guiné-Conacri, país da África Ocidental que faz fronteira com a Guiné-Bissau e é um dos mais pobres do mundo e enfrenta, nos últimos meses, uma crise política e económica, agravada pela pandemia de Covid-19.
A candidatura do Presidente Alpha Condé a um terceiro mandato, considerado inconstitucional pela oposição, em 18 de Outubro de 2020, gerou meses de tensão que resultou em dezenas de mortes. A eleição foi precedida e seguida da detenção de dezenas de opositores.
Vários defensores dos direitos humanos criticam a tendência autoritária observada durante os últimos anos na presidência de Alpha Condé e questionam as conquistas do início da sua governação.
Alpha Condé, um ex-opositor histórico, preso e até condenado à morte, tornou-se, em 2010, no primeiro Presidente eleito democraticamente no país.
Recorde-se que o presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, considera (pu considerava) que a democracia em África enfrenta “enormes problemas” e que, em muitos países, as eleições deixaram de ser a solução para o problema, passando a ser o problema para a solução. Deve ser por isso que o MPLA, apesar de estar há quase 46 anos no Poder, lá quer ficar mais 54 de modo a completar um século de governação ininterrupta…
“A democracia e o constitucionalismo em África enfrentam problemas enormes que ninguém pode negar”, disse Moussa Faki Mahamat.
O presidente da Comissão da UA manifestou, antes de ser reeleito, a intenção de promover uma reflexão sobre o “melhor modelo democrático” para um continente marcado por golpes de Estado, eleições fraudulentas (Angola que o diga) e desrespeito pelo limite constitucional de mandatos.
“Quero interpelar os responsáveis políticos, a sociedade civil, os académicos e os intelectuais sobre a problemática da democracia e das eleições em África. Temos uma Carta Africana da Democracia, da Governação e das Eleições, temos constituições que integram um conjunto de princípios, mas que não são respeitados na prática”, disse. Exemplos? Para não meter a foice por seara alheia, basta-nos o exemplo de… Angola.
Por isso, sustentou, é preciso “uma reflexão sobre o modelo democrático” para um continente, onde “muitas eleições, que deviam ser a solução, acabaram por se tornar num problema”, disse.
“Cada Estado é livre de escolher o seu modelo político, mas o mais importante é que respeite a Constituição que aprovou”, disse, quando questionado sobre os casos da Guiné-Conacri e da Costa do Marfim, cujos chefes de Estado concorreram e ganharam terceiros mandatos considerados inconstitucionais.
“Há uma sensação de traição e de grande frustração nas populações com a democracia e as eleições. É preciso que esta questão venha para o centro do debate africano para estabelecer novos caminhos. Mesmo que cada país escolha o seu modelo, o mais importante é respeitar o que diz a Constituição”, insistiu. Pois é. E que tal fazer como faz o MPLA? Isto é, Angola tem uma Constituição oficial e formal que, contudo, se submete à Constituição informal mas efectiva do partido que comprou o país em 1975.
Para Moussa Faki Mahamat, “é crucial engajar os governos” nesta questão que, segundo disse, “se tornou no maior problema em África”. Os governos em geral e os africanos em particular apenas existem para, enquanto seita, se servirem e não para servirem. Por isso é que, de uma forma global, a maioria dos países africanos são ricos mas não conseguem gerar riquezas. O máximo que consegue é gerar… milionários. Goste-se ou não, a excepção a esta regra, remonta aos tempos coloniais, sendo Angola – mais uma vez – um paradigmático exemplo.
“Estamos perante um problema. Temos uma Constituição, proclamamos princípios, não os aplicamos e, por vezes, agimos em completa oposição a esses princípios. Por isso, é preciso perguntar se escolhemos o melhor modelo de governação, se este corresponde à nossa realidade e se responde aos anseios das populações”, defendeu Moussa Faki Mahamat, quase parecendo que estava a apresentar a memória descritiva de… Angola.
O presidente da Comissão da UA, reconhece, no entanto, que apesar de a União Africana ser a “guardiã” da Carta Africana da Democracia, da Governação e das Eleições, quando os seus princípios não são cumpridos pelos Estados, pouco pode fazer. Pois. É só para inglês ver, é só para que os vampiros que sugam os africanos possam dormir descansados.
“Os Estados são soberanos e não recebem lições. O nosso papel acaba muitas vezes a meio caminho e fica pela sensibilização”, lamentou Moussa Faki Mahamat, questionando se não está na altura de a UA adoptar “regras de compromisso mais consequentes” para os países. Aqui os donos do poder riem a bandeiras despregadas. E se assim é… siga orgia canibalesca alimentada pelos povos que, apesar de independentes há décadas, continuam a perguntar: quando chega a Independência?
“Pode ser uma opção”, admitiu Moussa Faki Mahamat, adiantando que não é possível “meter a cabeça na areia sobre este assunto”.
“Estamos num momento crucial e é absolutamente legítimo que as populações se questionem e que as lideranças respondam”, afirmou, acrescentando que não é possível resolver os problemas de paz e segurança no continente sem resolver os de governação.
Moussa Faki Mahamat defendeu igualmente a necessidade de “uma passagem de testemunho” para as gerações mais jovens, que estão em maioria em África, mas afastadas das lideranças políticas e de governação.
“A democracia é a regra da maioria e há uma forte vontade de renovação geracional no continente. Compreendo perfeitamente a frustração da juventude que pensa legitimamente que, uma vez que está em maioria, deve estar no comando”, disse.
Sobre a situação de segurança e paz em África, Moussa Faki Mahamat, sublinhou o facto de actualmente não haver “guerras entre países africanos”. “A maioria dos problemas são internos, e tem origem na má governação económica e política”, disse.
Folha 8 com Lusa