“O fim do Direito não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade” (John Locke). 2021 será um “NÃO” ano político. Desgraça ou graça? A esquina responderá, porque não fervilhará a adrenalina partidária…
Por William Tonet
Maquiavelicamente assassinado o sonho das eleições autárquicas, com o anúncio de revisão constitucional, resta à Oposição buscar consensos, para uma nova aurora. Um dia qualquer, na impossibilidade de ser o tão esperado sonho de coabitação político-territorial.
Era expectável tal desiderato, mas vindo da parte de quem mais resistência dela tinha, assemelha-se a uma gincana para ofuscar o quadro do desemprego, insatisfação social, alta do custo de vida, fome, miséria e baixa popularidade de João Lourenço, faz uma fuga em frente, com escorregadias lianas programáticas, não visando o âmago das questões âncora, capazes de consagrarem a implantação de uma verdadeira democracia participativa, normativizada numa Constituição plural, cunhada na magistratura de órgãos de soberania independentes, da eleição nominal do Presidente da República, sem poderes supra-estatais e híper-partidários.
A tribo política deveria, em Março, estar a palmilhar os moldes da organização e realização das eleições autárquicas, sob supervisão de uma nova CNE (Comissão Nacional Eleitoral) independente, sem maiorias, com o princípio de paridade e presidida por figura neutra das lianas juridicamente partidárias, “in prima facie”.
Mas colocada a discussão em sentido contrário, por receio da Oposição, face à crise geral em que o país está mergulhado, poder ganhar terreno, nas circunscrições territoriais importantes, nada melhor que um tampão, com a proposta de revisão constitucional, longe de ser geral e abstracta, visa no final, com os cabos de guerra, na Assembleia Nacional, já municiados, aprofundar o poder do Presidente da República.
Era (é) preciso ousar uma séria revisão da Constituição, tendo como fórmula basilar, a eleição de um Poder Constituinte, para eleger uma Assembleia Constituinte, capaz de elaborar um projecto-país substantivo, capaz de corporizar os gemeres e sentires da multiculturalidade, multietnicidade, multirracialidade das gentes que povoam o torrão sagrado, muitos, como os Khoissan-Kamussekeles, expressamente discriminados pelo actual texto de viés partidocrata.
Esta afirmação tem razão de ser, quando ainda recentemente, em entrevista à Voz da Alemanha dizia não depender dele, mas dos partidos políticos decidir, mas ele, enquanto Presidente da República não via razões para qualquer alteração da Constituição e, agora vem dar o dito pelo não dito, face ao crescente clima de insatisfação popular.
Mas o proposto é residual se comparado com o cancro que polui a Constituição a necessitar de revogação total. A tentativa de JLO retirar o n.º 1 do art.º 242.º (Gradualismo) é um verdadeiro hino envenenado, uma vez o MPLA pretender aproveitar o facto do seu líder, João Lourenço, igualmente, Presidente da República, João Lourenço e, ainda, Titular do Poder Executivo, João Lourenço nessa múltipla função, através de vários artifícios retirá-lo da Constituição, para o alojar numa lei ordinária, onde tendo maioria qualificada (deputados), na Assembleia Nacional materialize a intenção de realizar eleições autárquicas apenas nos municípios de conveniência, para evitar derrotas expressivas, onde a Oposição tenha vantagem.
Não há fundamentos blindados que justifiquem a sua retirada da Constituição dada a unanimidade, quanto ao gradualismo funcional e divergência no tocante ao gradualismo geográfico ou territorial, uma vez, sem necessidade de revisão, uma vez este desiderato ter alojamento no artigo 218.º (Categorias de Autarquias Locais) e conjugado com o art.º 23.º (Princípio de Igualdade), conjugando o tempo de todos os cidadãos “serem iguais perante a Constituição e a Lei”, logo, todos têm o direito de escolher as pessoas para gerir os seus destinos ou das comunidades a que pertencem através da institucionalização material das autarquias em todo o território nacional.
Artigo 218.º:
(Categorias de Autarquias Locais)
“1- As Autarquias organizam-se nos municípios.
2 – Tendo em conta as especificidades culturais, históricas e o grau de desenvolvimento, podem ser constituídas autarquias de nível supramunicipal.
3 – A lei pode ainda estabelecer, de acordo com as condições específicas, outros escalões infra-municipais da organização territorial da Administração local autónoma.”
Ora, chegados aqui, não restam dúvidas, da solução do gradualismo territorial ou geográfico, isto é, as eleições autárquicas devem (diferente de podem), como imperativo, ser realizadas em simultâneo em todo o território nacional, mas que, embora a regra seja de as autarquias serem organizadas nos municípios, como preceitua o n.º 1 do art.º 218.º, a verdade é que o legislador, a título excepcional, dada as assimetrias, reconhecidas no país, contorna o facto com o n.º 2 do mesmo artigo: “autarquias de nível supra-municipal”, admitindo a junção de municípios: um com condições e outro sem (1+1=2), podem unir-se, para autonomamente constituírem a chamada autarquias supramunicipal e, a medida que a segunda se for desenvolvendo, declarará autonomia.
Agora o que o presidente do MPLA, João Lourenço pretende com apoio, cumplicidade e omissão do Presidente da República, João Lourenço é, exaltando a promiscuidade partidocrata, transferir, dolosamente, o capítulo da Constituição, que dificulta fazer valer a sua tese e transferir para o plano da legislação ordinária, onde tem maioria qualificada (?), ainda que contra a vontade da Oposição e da sociedade civil organizada, fazer vincar a tese que hoje representa uma flagrante violação da Constituição.
Outra proposta que vinca o carácter de extrema-direita deste MPLA é a excessiva preocupação com a propriedade privada e desdém a propriedade cooperativa, por exemplo, para acudir e capacitar as comunidades e empreendedores do interior rural, carentes de recursos e meios para uma cavalgada empresarial mais ousada, ao propor alterações nos artigos 14.º (Propriedade privada e livre iniciativa) introduzindo a expressão “promove” para, deste modo, “completar” a tríplice compreensão: “O Estado não apenas respeita e protege a propriedade privada, como também promove a sua existência por via do incentivo à livre iniciativa económica e empresarial”, como se vê exclui qualquer ajuda aos menos capacitados.
Por outro lado adicionar, expressamente, um número, 4, no art.º 37.º reforça a tese danosa da luta entre os dois blocos no MPLA: os apontados como tendo roubado bwerere e o grupo que só roubou bwe, mas estando agora no poder, tem a missão de dinamitar, com elucubrações jurídicas, património, ainda mesmo em fase de julgamento, pois introduz o livre arbítrio interpretativo, com “ponderosas razões de interesse nacional”, vai permitir abusos políticos e do poder judicial ideológico, sempre que o chefe quiser, despojar um bem de um adversário ou inimigo político, ainda em fase judicial, nada tendo a ver com a necessidade de “coerência sistémica e de clareza legal”, tendo em conta a consagração das nacionalizações e confisco no art.º 97.º da CRA, nos termos da lei.
A redacção proposta não pretende clarificar mas colocar uma nuvem de fumaça, com a intenção, por exemplo, de o poder político no poder, ter a possibilidade de alienar, vender património de outrem, estando ainda a decorrer um processo de julgamento. Por exemplo, entrando em vigor este artigo, na Constituição, pode ser decretada a venda do património de cidadãos, que tenham os seus bens sob arresto judicial e cuja contenda ainda não tenha transitado em julgado. É a prática dos regimes fascistas e ditatoriais onde o que domina é o império do livre arbítrio do Chefe.
A alteração do art.º 100.º, sobre o BNA responde aos interesses do FMI, mas não alterará a substância, pelo contrário o proposto pode significar maior fragilidade do governador do banco central, porquanto passando o seu escrutínio, agora, também pelo Parlamento, não só pelo Presidente da República ele, será confrontado com a vontade individual e depois, esta, traduzida em colectiva, uma vez a maioria qualificada, agir como “gado” nunca contrariar a vontade do chefe, logo o governador do BNA será doravante a passar esta redacção uma bola de ping-pong, que não terá a bênção do plenário da Assembleia Nacional, mas de uma “Comissão de Trabalho Especializada da Assembleia Nacional configura um dever de audição do Parlamento, condicionando a competência do Presidente da República de designar o Governador do BNA, alargando o grau de legitimidade democrática da decisão de nomeação e confortando o nomeado por ver a sua indicação sufragada por dois órgãos políticos fundamentais do sistema de governo. Ou seja, é um procedimento que revela e materializa, claramente, o princípio democrático”.
Ora aqui a redacção mente, pois não são dois órgãos que sufragam o governador, mas UM: Presidente da República e, ½: a Comissão de Especialidade da AN (integrada, por poucos deputados, também maioria MPLA), que não se pode confundir com o plenário da Assembleia Nacional onde têm assento todos deputados. É a lei do engano!
Mas tem algo verdadeiramente perigoso, maculador da incipiente democracia, que é o desinteresse na correcção da mais aberrante e abjecta violação da Constituição, responsável pela deslocalização do sistema do poder político para o MPLA, que domina, subverte e guilhotina, a cidadania plural, sob um manto de viés constitucional, ao colocar na bota do seu líder, o controlo absoluto das forças de defesa e segurança do país, alavancas para as arbitrariedades e excesso de poder do Presidente da República, que na qualidade de Comandante em Chefe das Forças Armadas não pode ser presidente do MPLA, sendo estas vistas como um corpo apartidário:
Artigo 207.º
(Forças Armadas Angolanas)
As Forças Armadas Angolanas são a instituição militar nacional permanente, REGULAR E APARTIDÁRIA, incumbida da defesa militar do país, organizadas na base da hierarquia, da disciplina e da obediência aos órgãos de soberania competentes, sob a AUTORIDADE SUPREMA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E COMANDANTE-EM-CHEFE, nos termos da Constituição e da lei, bem como das convenções internacionais de que Angola seja parte”.
O sublinhado e negrito, são meus…
Ora, proceder à revisão da Constituição e não ter como prioridade, estripar o artigo 207.º é da mais abjecta consciência jurídica e uma traição à pátria da democracia, pois se as Forças Armadas têm de ser apartidárias, como se aceita, apunhalando a própria Constituição que o seu chefe máximo seja líder de um partido político? Contradição insanável.
Neste quadro impõe-se o confronto de duas opções, para João Lourenço e a sua equipa, se ainda tem um pingo de compromisso com a democracia, sendo exclusivamente:
a) Presidente da República e Comandante-em-Chefe;
b) Presidente do MPLA e Comandante-em-Chefe.
Obviamente manter a alínea b) é a mais séria punhalada ao art.º 115.º (Juramento)
(…) “Juro por minha honra, Cumprir e fazer cumprir a Constituição da República de Angola”.
Ao violar ostensivamente a Constituição mantendo-se como presidente do MPLA, incorre em responsabilidade criminal, prevista e punível no art.º 127.º, quando no exercício das suas funções o Presidente da República cometer crimes como: “suborno, traição à Pátria e prática de crimes definidos pela presente Constituição como imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia”.
Aqui chegados, ser presidente do maior partido político, com maioria parlamentar: MPLA e comandar forças armadas apartidárias é flagrantemente, um crime de traição à Pátria, cujas consequências e ilações ficam a escrutínio de cada um, enquanto amante das justiça, liberdade, imparcialidade e democracia.