O MPLA é Angola, Angola é do MPLA

O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) apelou hoje ao diálogo para tentar ultrapassar a decisão dos canais públicos do MPLA de televisão de suspenderem o que raramente faziam – a cobertura de actividades da UNITA, por queixas de intimidação por parte de apoiantes do partido da oposição.

Em nota assinada pelo secretário-geral, Teixeira Cândido, o SJA pediu aos jornalistas que se abstenham de participar em disputas políticas, na sequência da decisão dos canais estatais (leia-se do MPLA) Televisão Pública de Angola (TPA) e TV Zimbo de suspenderem as actividades da UNITA na sequência de actos de intimidação que visaram os seus jornalistas durante uma manifestação, sábado, convocada pelo partido.

Recorde-se que para documentar a agressão praticada na última manifestação da UNITA, o MPLA publicou na TPA e na TV Zimbo a foto do jornalista guineense Adão Ramalho, espancado no passado dia 12 de Março, em Bissau.

O SJA refere que o contexto político, a um ano das eleições gerais em 2022, exige “serenidade” e assinala que o presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, repudiou no mesmo dia as ameaças e obstrução à actividade dos jornalistas daqueles canais.

E, enquanto isso, os jornalistas guineenses ainda estão à espera que seu colega Adão Ramalho explique como é que, fazendo fé na informação da TPA e da TV Zimbo, conseguiu sofrer em Bissau e em Luanda as mesmas agressões…

Para o sindicato, é necessário “manter a paz social e o estado democrático e de direito”, apelando por isso às direcções da TPA e da TV Zimbo que usem o diálogo como o “caminho mais sensato para salvaguarda de todos os interesses em jogo”. Nesta matéria de diálogo, o dono das duas televisões (o MPLA) explica que todos podem dialogar desde que só divulguem o que o seu Departamento de Informação e Propaganda decidir.

Por outro lado, o sindicato “reitera o apelo aos jornalistas para que se abstenham de participar nas disputas políticas sob pena de subverterem o papel de neutralidade que lhes cabe nestas e em todas as circunstâncias”.

A decisão da TPA e da TV Zimbo foi anunciada na segunda-feira, no horário nobre das duas estações televisivas do MPLA, com os respectivos pivôs a anunciarem a decisão das administrações (nenhum deles tem, ao que parece, Direcção de Informação) dos dois órgãos de abandonarem a cobertura das actividades promovidas pela UNITA, não entrevistar os seus dirigentes nem outros responsáveis ou militantes e exigindo a retractação e desculpas públicas da direcção do partido.

No sábado, durante uma marcha convocada pela UNITA, que juntou em Luanda milhares de militantes, simpatizantes e apoiantes desta e de outras forças políticas, bem como membros da sociedade civil, em prol de eleições justas e livres, os jornalistas dos canais públicos foram alvo de intimidação e ameaças.

A atitude foi condenada pelo secretário-geral do SJA, Teixeira Cândido, que a qualificou como sendo “uma obstrução ao exercício de liberdade de imprensa que é um direito fundamental que todas as entidades públicas e privadas devem respeitar”.

Também o presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, repudiou o acto de intolerância e disse que as ameaças não partiram da direcção da UNITA, lamentando ao mesmo tempo a exclusão de que o partido é alvo na cobertura mediática dos órgãos do MPLA, supostamente públicos.

A UNITA tem criticado várias vezes o facto do seu presidente, eleito no último congresso do partido, realizado em Novembro de 2019, nunca ter sido entrevistado na TPA.

Adalberto da Costa Júnior foi entrevistado na TV Zimbo, pertencente ao grupo privado Medianova, em Dezembro desse ano, mas, em Julho de 2020, o grupo de media (que inclui o jornal O País, a Radio Mais e a TV Zimbo) foi entregue ao MPLA através do Serviço Nacional de Recuperação de Activos e é agora controlado pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS).

Em Abril deste ano, o MINTTICS suspendeu três canais privados (Record TV Africa, Zap Viva e Vida TV), alegando desconformidades legais relacionadas com o licenciamento.

Até ao momento, MINTTICS não deu mais explicações sobre os procedimentos que estão a ser seguidos, nem avançou qualquer prazo para que os canais possam voltar a emitir, o que levou a Vida TV a fechar portas e a Zap a anunciar hoje também despedimentos graduais.

O MINTTICS divulgou este sábado uma nota lamentando as agressões e intimidação a que foram sujeitas as equipas de reportagem, solidarizando-se com os jornalistas e apelando às entidades de defesa dos jornalistas a não se calarem “diante da flagrante e condenável situação de intolerância política”, o que o secretário-geral do Sindicato considerou “despropositado”.

Teixeira Cândido estranhou, por outro lado, que o MINTTICS “faça sair um comunicado só agora” e nunca se tenha pronunciado noutras ocasiões. É estranho ter… estranhado. Isto porque nessas outras muitas ocasiões os agressores eram do MPLA e os agredidos não eram de órgãos do MPLA.

“Temos tido várias situações em que os jornalistas foram agredidos, detidos ou impedidos de fazer o seu trabalho e o ministério não se pronunciou. Por isso, foi uma surpresa”, disse o responsável do SJA.

O MPLA, partido no poder em Angola há 46 anos, apelou na segunda-feira à justiça angolana para chamar à responsabilidade os autores do “acto bárbaro”, que colocou em causa a integridade física e dignidade de profissionais da informação, inclusive – ao que parece pela imagem então publicado – de um jornalista guineense…

Angola tem eleições gerais previstas para 2022 e vive já um período pré-eleitoral marcado pelo crescendo de tensões entre o partido do poder, MPLA, e a UNITA que se juntou a outras forças políticas da oposição angolana numa Frente Democrática Unida para vencer a disputa eleitoral.

Folha 8 com Lusa

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