Na beira da estrada da Beira

A decisão do juiz Ivo Rosa, que arrasou grande parte da acusação apresentada pelo Ministério Público (MP) de Portugal no âmbito da Operação Marquês (relativa sobretudo ao ex-primeiro-ministro José Sócrates), dá “uma imagem péssima da Justiça”, segundo Luís Marques Mendes em declarações na SIC.

Por Rodrigo J. Velasquez

“A primeira conclusão que eu tiro é: isto é um abalo na imagem da Justiça junto da opinião pública”, disse o comentador da SIC no Jornal da Noite. Marques Mendes sublinhou, no entanto, que a “decisão é provisória” e lembrou que “vai haver recurso para o Tribunal da Relação”.

“É conhecido, público e notório que Ivo Rosa tem um certo conflito com o MP e com o seu colega Carlos Alexandre. Eu acho que ele aproveitou esta oportunidade para, de alguma forma, fazer reparos indirectos, remoques, quer ao colega juiz quer ao MP, quer – noutro plano – ao presidente do Conselho Superior de Magistratura que teve umas declarações sobre o assunto”, afirma.

O comentador da SIC lembrou que o histórico de Ivo Rosa mostra que “muitas das decisões dele vão ao Tribunal da Relação e são alteradas”, mas Marques Mendes não coloca em causa a independência ou competência do juiz.

Caso o Tribunal da Relação recuse a decisão tomada esta sexta-feira pelo juiz de instrução, o MP “sai por cima”. Caso contrário, ou seja a decisão de Ivo Rosa seja confirmada, “o MP sai muito mal desta investigação” e alguém “vai ter de assumir responsabilidade”, considera Marques Mendes.

Entre a decisão, Ivo Rosa admitiu haver provas da corrupção de José Sócrates, mas avançou que esse crime não prossegue para julgamento porque já prescreveu. Marques Mendes considera que foi “uma machadada brutal” ao antigo primeiro-ministro.

“O juiz Ivo rosa, na parte final da sua decisão, deu uma machadada brutal a José Sócrates: José Sócrates pode chegar cá fora e dizer que teve uma grande vitória. Acho que não teve vitória nenhuma. Não é apenas porque vai continuar em julgamento. O juiz Ivo Rosa – o mesmo que eu acho que teve uma decisão muito polémica em várias matérias – disse que José Sócrates foi corrompido em 1,7 milhões de euros”, explicou o comentador.

Marques Mendes defende que deveria ser incluído no código penal o crime de enriquecimento ilícito. Segundo o comentador, este crime poderia ser usado neste caso, obrigando o ex-primeiro-ministro a explicar a origem do dinheiro em questão.

Em tempos, o ex-líder do PSD, Marques Mendes, recomendou ao partido que reforce as suas preocupações com a ética e voltou a defender uma lei que impeça políticos (isto é em Portugal) acusados ou condenados por crimes graves de se candidatarem a eleições.

“É um desafio que tenho feito a todos os partidos mas recomendaria de uma forma particular ao único partido em que tenho confiança, o meu partido, recomendaria em particular ao PSD que reforçasse cada vez mais as suas preocupações com a ética e a credibilidade da vida política”, afirmou Marques Mendes, num jantar-conferência na Universidade de Verão do PSD, que decorreu em Castelo de Vide.

Apontando agora – como se fosse coisa recente -, a falta de ética na vida política como um dos “pecados capitais” que mina e fragiliza a democracia, o antigo líder social-democrata voltou a falar das situações em que um político, autarca, deputado ou governante está condenado por um crime especialmente grave, nomeadamente corrupção ou fraude fiscal.

“Acho que a bem dele, a bem da instituição e a bem da política não deve poder candidatar-se a eleições”, defendeu, ressalvando, contudo, que para si esta não é tanto uma questão de leis, apesar de em alguma situações ser “bom haver uma lei”.

Recordando o fundador do partido que nos anos 70 disse que “a política sem ética é uma vergonha”, Marques Mendes classificou esse problema como uma “questão que está a corroer a nossa democracia”.

E está desde quando? Há alguém que, em sã consciência, possa atirar a primeira pedra?

“Ninguém é obrigado a fazer política, só vem para a política quem quer mas quem vem para a política só pode estar de uma forma: com seriedade, com honestidade, com dedicação, com competência”, sublinhou Marques Mendes, idealizando um quadro que peca por ingenuidade.

Contudo, acrescentou, “não é preciso ser monge”, bastando ser um exemplo de seriedade, honestidade e credibilidade. Se estes valores tivessem força de lei, certamente que o Parlamento português teria lá apenas meia dúzia de gatos-pingados.

Marques Mendes reconheceu, porém, que isto nem sempre tem vindo a acontecer, tendo já existido situações que afrontam estes princípios. Por isso, preconizou, só há uma solução: “Cortar a direito, custe o que custar, doa a quem doer”.

Concordamos. E cortar a direito teria, terá, de significar começar do zero, refundar o país. Mas será isso possível? Claro que não. Aliás, desde 1974 que PPD/PSD e PS repartem a gamela e não estão interessados em que a democracia saia prestigiada.

“Na esmagadora maioria dos casos não é preciso nenhuma lei para colocar ética na política: basta que quem manda, quem decida, tenha a coragem de aplicar estes princípios, estes valores”, declarou, recordando que nas autárquicas de 2005, quando era líder do PSD afastou alguns candidatos “em nome da credibilidade”.

Mas será que esses afastamentos não visaram apenas desviar as atenções de outros casos, chamemos-lhe do tipo BPN?

“Às vezes, é preferível saber que se vai perder uma eleição mas afirmar uma linha política de credibilidade, porque as convicções e a pureza dos princípios são muito mais importantes do que os sentidos de oportunidade ou as lógicas de conveniência”, defendeu.

Isto é verdade, mas apenas – na lógica portuguesa – quando se não está no poder, seja ele o do partido ou o do país. Basta ver o estado do país ao longo das últimas décadas. PSD e PS não só permitiram como incentivaram a substituição do primado da competência pelo da subserviência. Por isso não se queixem.

Na altura, as listas eleitorais do PSD incluíam dois arguidos em processos judiciais, António Preto e Helena Lopes da Costa, pelo Círculo de Lisboa, o que motivou duras críticas à direcção por parte do líder da Distrital, Carlos Carreiras, entre outras pessoas ligadas ao partido.

Como outros “pecados capitais” que “minam a qualidade da democracia”, o antigo líder social-democrata apontou o défice de competitividade e solidariedade, a falta de liberdade de escolha na educação, a crise na Justiça e o actual sistema eleitoral.

E então se são estes males que imperam no país, em parte também com culpas de Marques Mendes, o melhor mesmo é encerrar o país para balanço, para venda a retalho ou simplesmente para declarar falência.

Ligue-me quando estiver noutro jornal (*)

«Trabalhar no meu jornal era obra desenganada. As pessoas que contactávamos sabiam que, se falassem, tudo o que dissessem podia ser usado contra elas. (Como na América e nos filmes.) E geralmente era. Nem que lhes telefonássemos apenas para perguntar as horas, havia de sair dali cagada da grossa. Nós depois ligávamos a ventoinha. O 24horas era assim, fugia-lhe o pé para a escandaleira. Se não houvesse sangue, os meus chefes tratavam disso. Para os mais distraídos perceberem: estão a ver como são agora todos os jornais? Pronto, o meu jornal é que começou.

Portanto tínhamos muito poucas “fontes”. As pessoas minimamente informadas fugiam de conversar connosco como o diabo foge da cruz. Umas tinham vergonha na cara ou medo e outras desprezavam-nos simplesmente. Umas e outras sabiam que as nossas perguntas tinham quase sempre volta de foda. Se desse jeito, pedíamos a A para falar de B, para a seguir metermos A e B no mesmo saco e malharmos nos dois como se fossem um só.

O jornal escolhia os seus alvos e gastava a pólvora toda (seca, por norma) enquanto a coisa vendesse. Mas é preciso que se diga: isto de eleger “inimigos” e disparar até cair para o lado foi uma herança recebida de Paulo Portas, do tempo em que o actual vice-primeiro-ministro era director do semanário Independente e fazia a vida negra ao Cavaco primeiro-ministro e respectivos ajudantes no Governo. O das feiras é que inventou esta receita de sucesso e gabava-se disso. O seu a seu dono.

No meu jornal, Lisboa encarregava-se de fechar as portas às quais nos mandava depois bater, aqui do Porto. Levávamos quase sempre com a porta no nariz. As pessoas respondiam-nos torto, muito torto, era o pão-nosso de cada dia. Uma vez calhou-me o Sócrates, nas vésperas de ganhar as primeiras eleições.

Lembram-se do génio do gajo? Pois é. Foi uma discussão das antigas, mas essa história merece prefácio à parte e hei-de contá-la quando os linchadores de aviário sossegarem a parreca e largarem os tomates ao homem. Os outros malcriados não merecem que lhes diga os nomes.

Claro que a grosseria não era geral. Havia também pessoas que muito simplesmente se recusavam a falar-nos mas sem baixarem o nível. O bom do Raul Solnado (1929-2009), Luís Represas, o actor José Pedro Gomes, são dos que me lembro agora que escrevo. Nenhum dos três me conhecia, mas, depois de me ouvirem educadamente, foram igualmente atenciosos na nega. Disseram-me: “Desculpe, Hernâni, não é nada de pessoal consigo, portanto ligue-me quando estiver noutro jornal. Então conversaremos do que quiser”. Agradeci sinceramente a franqueza e a urbanidade. E pedi desculpa eu. Eu sabia que eles tinham razões.

Era vida difícil. Num jornal que precisava da “opinião” dos “famosos” sobre tudo e sobre nada. A propósito da Marisa Cruz nua num filme ou por causa do Fidel Castro que passou a pasta ao irmão. A minha sorte é que acabava sempre por encontrar uma alma caridosa que me ajudava a ganhar o dia. Gente que sabia o que era o 24horas mas que, fosse por que razão fosse, nunca me deixou ficar pendurado: gente como Marcelo Rebelo de Sousa e Júlio Magalhães, os empresários e portistas Pôncio Monteiro (1940-2010), Manuel Serrão e Rui Moreira, hoje presidente da Câmara do Porto, os estilistas Miguel Vieira, Katty Xiomara, Luísa Pinto e Gio Rodrigues, os juízes Rui Rangel e Eurico Reis, o fiscalista Saldanha Sanches (1944-2010), Valentim Loureiro (o meu cromo da sorte), Júlio Isidro e Joaquim Letria, que também eram da casa, Tozé Brito, Luís Filipe Barros, José Cid, o humorista Nilton, Octávio Machado, Francisco José Viegas, Manuel Luís Goucha, José Carlos Malato, Jorge Gabriel, Hélio Loureiro, Paulo Teixeira Pinto e mais uns poucos de que injustamente me estou a esquecer. Eram sempre os mesmos e a minha tábua de salvação. O meu piquete de emergência.

Cada qual lá teria os seus motivos. Alguns, tenho a certeza, era mesmo uma questão de bondade. Fiquei agradecido a todos. De vez em quando pago-lhes aqui com umas ripeiradas. É este maldito 24horismo que não há maneira de me passar.»

(*) Texto do Jornalista Hernâni Von Doellinger, publicado no dia 12 de Março de 2014 em http://tarrenego.blogspot.com: «O jornal 24horas nasceu em 1998 e morreu oficialmente em 2010, um ano depois de os seus alegados responsáveis terem liquidado a sangue frio a Redacção do Porto. Podem limpar as mãos à parede. Mas tinha piada o pasquim, que até chegou a ser bem feito, e é a bíblia do jornalismo que hoje se faz em Portugal».

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