As mulheres angolanas são discriminadas no acesso ao registo civil, à justiça e à educação, estão afastadas dos espaços de decisão e são educadas para se submeter e a normalizarem a sua exclusão, alertou hoje uma ONG Mosaiko.
As conclusões constam da versão preliminar do relatório sobre “Política Públicas inclusivas numa perspectiva de género 2019-2021”, produzido pela associação Mosaiko, que promoveu um debate internacional sobe o tema entre quarta-feira e hoje
O estudo concluiu que são as mulheres que mais procuram registar os seus filhos, mas em simultâneo são as que mais encontram dificuldades para o fazer.
“A maior das mulheres não tem Bilhete de Identidade e há um entendimento generalizado, entre mulheres e homens, que o homem deve ter prioridade no acesso ao documento”, indica o relatório.
No que diz respeito ao acesso à justiça, concluiu-se que, apesar da lei, as mulheres são discriminadas e não têm um sistema de administração da justiça que as defenda em situação de violação dos seus direitos.
Além disso, “a sociedade desvaloriza e normaliza a violência contra a mulher e ela própria é levada a retirar gravidade aos crimes cometidos contra si”, sendo as mães solteiras, viúvas ou separadas vítimas preferenciais. “Mais de metade das mulheres ficam em silêncio e não recorrem a ninguém para resolver o seu conflito”, acrescenta o documento
A nível do acesso à educação, o relatório aponta a necessidade de promover a consciência de género neste sector para viabilizar o acesso e o avanço escolar das raparigas e nota que há maior taxa de abandono escolar entre raparigas, a partir dos 15 anos, devido à gravidez precoce, encargos e responsabilidades domésticas.
No campo da saúde materna, os investigadores do Mosaiko concluíram que a violação dos direitos humanos nas unidades de saúde é recorrente
“Muitos serviços de saúde exigem a presença do homem na consulta de planeamento familiar, não para o tornar participante, mas para lhe atribuir o poder de decisão sobre se a esposa pode, ou não, recorrer a métodos contraceptivos.
Quanto à participação em organização locais, o estudo indica que ” a mulher é afastada dos espaços de decisão, não tem voz e é educada a submeter-se e a normalizar a sua exclusão”
Conclui-se ainda que “a participação, tanto de homens como mulheres, é fraca e ambos se sujeitam uma estrutura de liderança hierarquizada e fechada ao debate.”
O relatório salienta igualmente que “a mulher trabalha desde a infância até à morte, sem qualquer valorização ou respeito dentro e fora de casa com muito poucos, ou mesmo nenhuns recursos ou condições de trabalho.
No meio rural, as mulheres tem dificuldades no acesso à terra, sementes, instrumentos de trabalho e no meio urbano, a zunga (venda ambulante) é uma actividade de risco, desprotegida e sem reconhecimento, lê-se no estudo que avança várias recomendações centradas na resolução dos problemas identificados.
O relatório foi produzido no âmbito do projecto PAPPIA – Promoção da Advocacia de Políticas Públicas Inclusivas em Angola, implementado em parceria pela Mosaiko – Instituto para a Cidadania e pela FEC – Fundação Fé e Cooperação, com financiamento da União Europeia e do Camões Instituto da Cooperação e da Língua
A pesquisa foi conduzida entre Junho de 2019 e Novembro de 2020 em 15 municípios das províncias do Uíje, Luanda, Benguela, Huambo e Huíla, junto de 4.692 famílias.
De mal a pior no reino do MPLA
Em Novembro de 2014, um o relatório do Índice de Género e Instituições Sociais da OCDE divulgado sobre a discriminação das mulheres, revelou que oito em cada 10 mulheres em Angola já foi vítima de violência doméstica.
O documento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) apresentava a prevalência de discriminação em instituições sociais e promovia a importância de normas sociais convencionais na defesa da igualdade de género.
Enquanto que a média dos 108 países avaliados era de 30%, em Angola 80% das mulheres diziam ter sido vítimas de violência de homens, enquanto no outro extremo, no Canadá, apenas 7% das mulheres alegaram violência doméstica.
Angola ficou na 57ª posição da tabela geral, registando também elevados níveis de discriminação no poder de decisão das mulheres dentro da família, no acesso a bens e recursos e na participação social e política. O melhor desempenho registava-se no tratamento dos filhos, onde a desigualdade de género era considerada “baixa”.
O Índice pretende identificar e avaliar discriminação baseada no género em leis, atitudes e práticas em 160 países, mas só produziu uma tabela de 108 países devido à falta de informação comparativa sobre o tema em alguns países, como Portugal, Cabo Verde ou São Tomé e Príncipe.
A Guiné-Bissau ocupava o 67º, sendo que a OCDE notava a falta de legislação que ponha em prática os compromissos nacionais e internacionais de combate à discriminação das mulheres.
O estudo referia existirem restrições elevadas dos direitos das mulheres na Guiné-Bissau dentro da família, na taxa elevada de violência doméstica, na falta de acesso a bens e recursos e na baixa participação feminina em termos sociais e políticos.
Dentro da categoria que avalia a integridade física e a autonomia reprodutiva, o relatório apontava para um número elevado de mulheres vítimas de mutilação genital, mas não encontrou parcialidade no tratamento dos filhos em relação às filhas.
Na avaliação ao país, os responsáveis pelo relatório referem que a discriminação entre géneros é proibida pela Constituição de 1984 e que o país ratificou protocolos e convenções internacionais, mas salientava que “falta legislação em prática que permita a realização destes compromissos nacionais e internacionais”.
O Brasil estava no grupo dos 20 países com menor discriminação das mulheres, mas apresenta uma das piores taxas de participação política feminina.
A cobra mudou mas a banha é a mesma
No passado dia 8 de Março, a primeira-dama de Angola, Ana Dias Lourenço, destacou a participação activa e resiliente das mulheres no combate à Covid-19, “fundamental para a resposta rápida” à crise social e económica decorrentes da pandemia.
Numa mensagem alusiva ao 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, Ana Dias Lourenço sublinhou a participação activa de um conjunto de mulheres nas diferentes áreas, na busca de soluções, na tomada de medidas e na linha da frente no combate à pandemia e no tratamento de doentes.
Ana Dias Lourenço salientou que foram e são as mulheres as que mais se empenharam na sensibilização da população para o cumprimento das medidas de biossegurança e promoção da saúde e bem-estar para todos os cidadãos, em especial crianças e idosos.
“Temos que nos consciencializar que, depois desta pandemia, o grande desafio será o de enfrentar e resolver os problemas que se agravaram nos nossos países, por força dos confinamentos e de retracção económica, nomeadamente a violência doméstica, a violência baseada no género, o desemprego, particularmente o feminino”, disse.
Segundo a primeira-dama, “são as mulheres que têm mais dificuldades em manter o emprego em situação de crise, porque a elas é pedido que fiquem em casa para cuidar dos filhos, da família”.
Ana Dias Lourenço defendeu ainda a valorização das competências adquiridas pelas mulheres no contexto profissional, familiar e social, e a sensibilização de toda a sociedade, em particular as empresas e outras entidades empregadoras a incorporar os princípios da igualdade de género e não discriminação e da parentalidade.
A educação sexual e o reforço do planeamento familiar e de todas as medidas que possam prevenir a gravidez na adolescência, o acesso aos cuidados pré-natais e ao parto seguro e humanizado são as prioridades destacadas por Ana Dias Lourenço.
“Continuo a defender a aposta na educação como sendo absolutamente essencial para um desenvolvimento integrado e sustentável. Estou convicta de que não poderemos alcançar este objectivo sem que consigamos construir uma plataforma de parcerias e solidariedade num contexto nacional e internacional, e que tenha fortes raízes no espaço da língua portuguesa no continente africano, mas também no contexto das Organizações das Nações Unidas”, lê-se na mensagem.
2018… a memória
A melhoria do bem-estar dos cidadãos e da qualidade de vida das famílias angolanas, a redução da pobreza e das desigualdades e a promoção do nível de desenvolvimento humano são condições essenciais para o progresso económico e social de Angola. É verdade. O diagnóstico data de 2018 e foi feito pela primeira-dama, Ana Dias Lourenço. A cura estava e está, nas mãos do marido, João Lourenço, tal como está nas mãos do MPLA há… 46 anos. Continua, contudo, à espera de ser posta em marcha.
Trata-se, de facto, de um diagnóstico que já tem 45 anos. Até agora o máximo que o MPLA conseguiu fazer foi virar o disco e tocar o mesmo. O que tem mudado são apenas e só os “músicos”.
Recordamos que numa mensagem aos participantes do Fórum Nacional da Mulher Rural e das Micro-finanças, realizado em Luanda em 2018, Ana Dias Lourenço apresentou a sua terapêutica para melhor enquadrar a abordagem desta problemática no contexto do desenvolvimento económico e social integrado e sustentável que, presume-se, um dia chegará a Angola.
Segundo Ana Dias Lourenço, o desenvolvimento local, como forma de reduzir a pobreza no meio rural, e o empoderamento da mulher devem ser vistos como as apostas do Governo para conferir e reconhecer às mulheres rurais o seu papel na construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.
Num país que já não é de partido único mas que continua a ser de um único partido, para falar destas questões basta consultar os manuais do MPLA, ter estômago para continuar a mentir, repetir a mesma receita com alguns retoques de marketing e fazer-se de conta que o autor só ontem chegou ao país e que, por isso, nada tem a ver com o que foi anteriormente feito.
Para Ana Dias Lourenço, o investimento e as modalidades do seu financiamento concorrem para regenerar o sector agro-pecuário e conferir-lhe capacidade para fixar as populações, desenvolver a agricultura familiar e reconhecer o tremendo papel da mulher rural, em todo este contexto de adversidades, mas também de oportunidades e desafios. Ou seja? Vai tudo continuar na mesma porque, mais uma vez, o diagnóstico tem muitos anos mas a medicação usada para tratar a “doença” é feita à base de farinha (placebo) para que o doente pense que está a ser medicado.
A primeira-dama alertou o marido que sem investimento, no princípio do processo de produção, e sem infra-estrutura, que confere rendibilidade ao investimento, as tendências de desequilíbrio demográfico e económico entre o interior e o litoral vão continuar a acentuar-se no futuro. Tem razão. Vão continuar a acentuar-se, tal como tem sido prática desde 1975. Mas, de facto, o importante no país não é fazer-se mas, apenas, dizer-se que se vai fazer.
Ana Dias Lourenço apontou a questão das micro-finanças e do associativismo como modalidades de apoio ao desenvolvimento da actividade produtiva das mulheres rurais. Novidade? Nenhuma. Mas que fica sempre bem ver alguém que, aliás, até foi ministra, dizer o óbvio, repetir o óbvio, isso fica. Não alimenta, não resolve, não cura… mas disfarça e distrai.
Segundo Ana Dias Lourenço, são as mulheres a principal força de funcionamento das economias agrárias familiares e às quais os apoios governamentais não têm sido suficientemente substantivos e sustentáveis. Pois não têm. E de quem é a culpa? Provavelmente das mulheres, neste caso, que não conseguem transformar a mandioca em lagosta e que estão à espera que o Governo resolva começar a governar. Ora o Governo tem outras prioridades, como por exemplo a construção de satélites. Portanto…
Em muitos casos, de acordo com a primeira-dama, a mulher rural é a principal fonte do rendimento familiar, por meio do trabalho nas lavras e nas pequenas unidades de produção agrária. É verdade. Mas como a verdade não enche barriga, o melhor mesmo é elas voltarem às lavras e fazerem de conta que o problema só se resolverá quando Angola for… independente.
Por sobrevivência ou conscientes do seu papel no tecido produtivo nacional, as mulheres rurais constituem-se em pequenas unidades de produção/comercialização, muitas vezes com organização precária e relevância enorme no funcionamento da economia nacional, no processo de criação de valor e principalmente na salvaguarda da sobrevivência da família rural e dos valores tradicionais associados.
Ana Dias Lourenço reforça que a perspectiva do género, no contexto geral do desenvolvimento, é tão importante, que a Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres de 1979 recomenda, enfaticamente, a consideração dos problemas específicos delas, em zonas rurais e o papel significativo, que desempenham na sobrevivência económica das suas famílias. De 1979? É só para levar em conta que Angola tornou-se independente em 1975, data a partir da qual foi sempre governada pelo partido da primeira-dama, o MPLA.
Em 2014, a preocupação com o papel da Mulher Rural levou a uma ampla consulta nacional, que resultou num conjunto de recomendações em matérias de políticas públicas diversas (o papel deste agente na agricultura familiar, necessidade de facilitar os meios de funcionamento – com produtividade – necessários ao aumento da produção, a formação, etc.).
“Em geral, a posição e o papel da mulher em Angola são desvalorizados e subalternizados e no que toca ao segmento rural é muito mais”, diz Ana Dias Lourenço, certamente com a concordância do marido que, por sinal, é Presidente da República e do MPLA, para além de Titular do Poder Executivo.
A Organização das Nações Unidas dedicou 2018 à Mulher Rural, como reconhecimento do papel deste peculiar agente económico, que nos países menos desenvolvidos tem sob os seus ombros tarefas importantes e diversas na sociedade, mas sobretudo na família. Papel que em muitos casos, como é o caso de Angola, caberia aos políticos com responsabilidades governativas.
Folha 8 com Lusa