O MPLA acaba de dar mais um tiro nos próprios pés ao considerar que o novo projecto político angolano, “Frente Patriótica Unida”, não apresenta propostas alternativas para Angola nem tem visão de futuro. Acossado pela popularidade do novo projecto da UNITA, PRA-JA e BD, o MPLA não consegue esconder o seu nervosismo.
O Secretariado do Bureau Político do partido no poder há quase 46 anos diz: “Como era de esperar, a propalada Frente não apresenta nenhuma proposta de programa de governação alternativa à do MPLA, avalia o presente de forma incoerente e irresponsável e não tem qualquer visão de futuro para o país”.
O novo projecto político Frente Patriótica Unida defendeu na quinta-feira a necessidade de adopção de um programa de emergência nacional “para tirar o país da crise em que se encontra”, referindo-se à fome, saúde e desemprego, entre outros. Entre muitos outros.
A posição consta de uma declaração política assinada pelos líderes da Frente Patriótica Unida, os presidentes da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, do Bloco Democrático, Filomeno Vieira Lopes, e do projecto político PRA-JA Servir Angola, Abel Chivukuvuku.
Hoje, o secretariado do Bureau Político do MPLA criticou a menção da Frente Patriótica Unida à “à perda de legitimidade do MPLA para continuar a governar o país”.
“Tal afirmação é reveladora da conhecida falta de sentido de Estado e de respeito para com as instituições democráticas que vem sendo demonstrada por algumas forças da oposição, com a UNITA à cabeça”, considerou o órgão do MPLA, partido do presidente (não nominalmente eleito) João Lourenço.
Remetendo para as eleições de 2017 que deram a vitória (batotada de fio a pavio) a João Lourenço, que assim sucedeu a José Eduardo dos Santos que, “democraticamente”, só esteve no Poder 38 anos, o MPLA considerou que “quem se arroga, sem qualquer título nem mandato, o direito de questionar a legitimidade conferida pelos angolanos nas urnas revela bem a sua falta de respeito pela Constituição que jurou obedecer”.
“Pretender iludir os cidadãos com a narrativa de que o MPLA perdeu legitimidade para governar só pode ter como objectivo incitar os angolanos à rebelião e à desobediência às instituições legítimas, actos cujas consequências serão única e exclusivamente imputáveis aos promotores da auto proclamada Frente Patriótica”, advertiu ainda o MPLA. Só falta João Lourenço mandar dizer que, como disse o único herói nacional do MPLA, Agostinho Neto, o partido não vai perder tempo com julgamentos.
Dizer que as críticas políticas, normais em qualquer democracia e em qualquer Estado de Direito, com excepções daquelas que são paradigmas do MPLA (Coreia do Norte e Guiné Equatorial) são um apelo “à rebelião e à desobediência” é o mesmo que avisar os angolanos que um novo “27 de Maio de 1977” será quando o MPLA quiser.
O partido (que adoptou a democracia, embora anã, por imposição) acusa ainda o recente movimento político de ignorar os esforços feitos para combater a seca no sul do país, acusando os promotores da Frente Patriótica Unida de ignorar “tudo o que está a ser feito para que se solucione de modo sustentado o problema da seca no sul do País, com a implementação de projectos estruturantes em execução ou em vias de arrancar para fazer face à situação”.
Ou seja, Adalberto da Costa Júnior, Filomeno Vieira Lopes e Abel Chivukuvuku estão a tentar um golpe de Estado, um ataque à segurança do país, por quererem evitar que o MPLA atinja a meta de chegar aos 100 anos de governação ininterrupta, para o que faltam apenas… 55 anos.
O líder da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite, Adalberto da Costa Júnior, integrante da Ampla Frente Patriótica Unida, disse na quinta-feira que o líder desta iniciativa política tripartida será anunciado ainda no final deste mês.
Na verdade, a democracia (aquela “coisa” que, segundo o MPLA, foi imposta a Angola) é vista por João Lourenço como contranatura por significar “governo do povo”.
Os partidos políticos estão para as democracias (quando estas existem) como o sangue está para o corpo humano (quando este está vivo), razão pela qual o funcionamento organizado e com elevado sentido de Estado dos partidos constitui um ganho inestimável… nas democracias.
Numa altura em que, supostamente, Angola se aproxima do período de realização de actos que deverão – presume-se – levar às próximas eleições, não há dúvidas de que urge enaltecer uma coexistência política pacífica, deste que os subalternos não ponham em dúvida a supremacia de quem está no poder há 45 anos.
E nisto, os partidos políticos enquanto forças que lutam por meios democráticos (quando há democracia) para alcançar, exercer e manter o poder político devem dar exemplos claros, inequívocos e firmes de tolerância, convivência na diversidade, entre outros. Isto é, repita-se, quando se vive em democracia. Não se aplica, obviamente, a Angola.
Todos os sectores políticos (com excepção dos afectos ao poder) percebem melhor a importância da adopção das melhores práticas, baseadas essencialmente na tolerância, na aceitação da diferença e no pressuposto de que acima estão (ou deveriam estar) os interesses de Angola, dos angolanos. Essa deve ser, entre outros gestos, a mensagem que os partidos (fica na dúvida se o MPLA se pode incluir) têm que passar para a sociedade angolana, sobretudo nesta altura em que Angola se encontra na fase de um dia chegar a uma democracia de facto e não apenas formal.
Temos um histórico, relativamente aos esforços para implementação do processo democrático “imposto”, segundo as palavras do próprio MPLA, que um dia permitirá a cada angolano encarar a democracia como uma conquista de todos, mau grado a alergia do partido no poder desde 1975. Não está a ser um processo fácil chegarmos aos níveis de coabitação política. É que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe de uma ponta à outra. E o que temos já lá está há 45 anos. E hoje voltou a mostrar que se um dia sair do Poder… morre.
Como sabemos, tratou-se de uma caminhada que podia, naturalmente, acarretar desafios para todos os intervenientes atendendo a que a vida em democracia implica, ou deve implicar, sempre ajustes a todos os níveis. As autoridades angolanas (o MPLA desde a independência) abraçaram o repto da democracia (“imposta”, repita-se, segundo José Eduardo dos Santos) e, tal como reza a História, foram as primeiras a pôr em causa os fundamentos em que devia assentar o futuro do país.
Acreditamos que o alcance da paz, em 2002, que contribuiu para a retoma do processo democrático sempre defendido pela oposição, em todo o país, permitiu a todos os actores políticos fazer uma avaliação positiva das vantagens do jogo democrático, mau grado seja um sistema que não agrada ao MPLA cujo ADN só vê os tempos áureos do partido único.
As formações políticas, acompanhadas de todos os outros actores que, exceptuando a conquista do poder político, desempenham o papel cívico e interventivo de influência, constituem uma espécie de espinha dorsal da democracia, quando ele existe. E precisam de continuar a fazer prova das suas atribuições e responsabilidades na medida em que os partidos políticos representam a esperança de milhares de angolanos, sem esquecer que para quem manda… o MPLA é Angola e Angola é (d)o MPLA.
Por isso é que a Constituição da República determina que os partidos devem, no âmbito das suas atribuições e fins, contribuir para a consolidação da nação angolana e da independência nacional, para a salvaguarda da integridade territorial, para o reforço da unidade nacional, para a protecção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana, entre outros. Determinar, determina. Mas acima da Constituição está, tem estado sempre, a vontade do MPLA.
É preciso que as instituições do Estado (e não as do regime que, até agora, são uma e a mesma coisa) reforcem os mecanismos de sensibilização junto das populações para que estas, tal como no passado, estejam à altura dos desafios que o país volta a testemunhar.
Mas insistimos que maiores desafios recaem sobre os principais actores da cena política, nomeadamente os partidos políticos que deverão fazer advocacia da coexistência pacífica entre todas e diferentes sensibilidades políticas, lembrando-se uma das regras de ouro do MPLA: Olhai para o que dizemos e não para o que fazemos.
Não é exagerado pedir e esperar que as formações políticas (será que se pode incluir o MPLA?) contribuam para que a disputa política não se transforme numa espécie de arena em que impera o vale tudo… sendo que quem manda tem poderes que nega aos outros. É que as bases de apoio, os militantes e os simpatizantes dos partidos políticos sejam capazes de aperfeiçoar as normas de convivência que os caracterizam.
Independentemente das falhas que resultam da condição da natureza humana limitada, não há dúvidas de que podemos ainda assim fazer prova das boas práticas em sociedade, assim o MPLA dê um sério exemplo de que está interessado nisso. Mas não está. As diferenças ideológicas, se as há, as diferentes perspectivas de cada segmento relativamente às fórmulas para desenvolver Angola contidas nos programas e estratégias, não superam todo o conjunto de pressupostos que unem os angolanos. Não é assim, mas deveria ser assim.
Os objectivos que todos perseguimos para ver Angola crescer para que o bem-estar de todas as famílias seja uma realidade não são predicados de partidos, mas são metas de todos os angolanos. Acreditamos que a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social é uma meta de todos os partidos políticos. O passado e o presente mostram e demonstram o contrário.
Folha 8 com Lusa