A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, continua a sonhar que o país é uma democracia séria e um Estado de Direito de facto. Vai daí, num compreensível delírio, ao governo da província de Luanda (do MPLA) a “imediata remoção” de todo o material de propaganda político-eleitoral do MPLA, partido no poder há 46 anos, que antecipa o período oficial de campanha pré-eleitoral.
Numa carta dirigida à governadora de Luanda, Ana Paula de Carvalho, o líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, disse que é notório de um tempo a esta parte “a proliferação sorrateira, pelo território da província de Luanda, de abundante propaganda político-eleitoral, não disciplinada, com apelo ao voto no partido MPLA partido do Governo”.
Nesse sentido, o líder da UNITA denuncia e protesta veementemente contra a afixação extemporânea de propaganda de e pelo MPLA, colocada antes do período oficial de campanha pré-eleitoral e eleitoral a estabelecer por lei em sede das próximas eleições gerais de 2022, ainda não convocadas pelo Presidente da República.
“Protestar veementemente contra a indiferença e silêncio tolerante das autoridades públicas, que administram o referido território, face aos actos abusivos e absurdos do partido MPLA”, refere a carta.
Para o maior partido da oposição, a “partida ’em falso’ do partido MPLA, que a par do partido UNITA disputará em 2022 o poder político em Angola, e a conduta silenciosa, de indiferença, permissível e tolerante, das autoridades públicas que administram o território da província de Luanda face a esses abusos e absurdos conferem benefícios publicitários ao partido MPLA”.
Isto levando em conta “quando ao conhecimento, promoção e exposição dos seus símbolos junto dos eleitores, como por exemplo, o apelo ao voto afixado na Avenida 1.º de Maio, em que pode-se ler: João Manuel Gonçalves Lourenço, Presidente do MPLA 2022 Reeleito”.
De acordo com Adalberto da Costa Júnior, o facto contraria a Lei dos Partidos Políticos e a Constituição da República, que consagra o princípio da legalidade quando se refere que: “O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis”.
“Nestes termos, e nos mais de direito, requer a imediata remoção de todo o material supra-referido do território da província de Luanda, a bem de uma campanha eleitoral tempestiva, igualitária, ordeira, regrada e alicerçada no rigor do cumprimento dos limites da lei aplicável”, sublinha, requerendo igualmente que seja atempadamente notificado da decisão que recair sobre o pedido formulado.
Em 2012, o secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação, Rui Falcão Pinto de Andrade, disse ao jornalista Peter Wonacott (“The Wall Street Journal”) que “o fantasma da fraude, ou de qualquer outra coisa, advém daqueles que sabem, antecipadamente, que não têm capacidade para ganhar as eleições”.
Dez anos depois, se acaso o MPLA aceitar fazer eleições, a receita é a mesma. No entanto, reconheça-se, Rui Falcão tinha razão. E, sendo do MPLA, a razão é sua propriedade privada. E tem não porque a Oposição, nomeadamente a UNITA, não tenha capacidade para ganhar, mas porque o MPLA tem uma máquina capaz de impedir que ela ganhe.
Pouco preocupado com a força da razão (a única prerrogativa que UNITA tem), o MPLA joga – como sempre – tudo na razão da força e tem garantida a vitória. Do outro lado já não está Jonas Savimbi que, embora nem sempre da forma mais correcta, aliava a força da razão à razão da força. Aliás, com a compra de alguns sipaios da UNITA, é bem possível que o MPLA consiga chegar aos 110% de votos.
110%? Sim, claro. E ninguém irá protestar. Aliás, muitos dos discursos de felicitações pela vitória do MPLA, paridos nos areópagos da política internacional, nomeadamente em Lisboa, já devem estar escritos, só faltando pôr a data e assinar.
Como disse o então vice-presidente da Assembleia Nacional, João Lourenço, no dia 11 de Fevereiro de 2012, a vitória eleitoral do MPLA permitiria dar continuidade à execução dos programas concebidos pelo partido, sobretudo na área social.
Já na altura João Lourenço tinha toda a razão. Só assim seria possível dar continuidade ao programa que mantém perto de 70% de angolanos a viver na miséria; em que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo; em que só 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico; em que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade; em que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.
“Se os eleitores nos derem essa oportunidade, poderemos concluir com o nosso trabalho e pensamos que esta é a posição mais justa”, disse o também ex-secretário-geral do MPLA, quando falava à imprensa no término da IV sessão ordinária do Comité Central do partido.
Tanta modéstia até era comovente. João Lourenço sabia, como continua a saber, que com extrema facilidade, o MPLA só não terá uma vitória superior a 100% se o não quiser. Aliás, admitindo que haverá eleições em 2022, nesta altura já o Presidente do MPLA terá informado o Titular do Poder Executivo e o Presidente da República sobre qual será o resultado final da votação…
Segundo João Lourenço, não havia muitos países do mundo que depois de uma guerra destruidora de cerca de 40 anos conseguiram, em pouco tempo, realizar as acções feitas em Angola, sobretudo na área social e na reparação de infra-estruturas.
Guerra de 40 anos? Sim, claro! Provavelmente 40 anos (ou até mais) em que nada se construiu e o pouco que havia foi destruído. Todos sabem, aliás, que quando o poder foi entregue por Portugal numa bandeja de corrupção (que continua a florescer) ao MPLA, Angola era um imenso deserto ou, aqui e acolá, um amontoado de escombros.
Todos sabem que, a 11 de Novembro de 1975, Angola não tinha estradas, hospitais, aeroportos, hotéis, fábricas, prédios, escolas etc.. Não tinha mesmo nada. Por isso, o que hoje existe é tudo obra do MPLA.
Na abertura dessa reunião, o então presidente José Eduardo dos Santos (o bestial “escolhido de deus” que, entretanto, João Lourenço – por ele escolhido e imposto – transformou em a besta “escolhida pelo diabo”) disse que o MPLA e a sua direcção não temiam expor-se à avaliação e ao veredicto em eleições periódicas, onde o confronto de ideias se faça de maneira aberta, plural, honesta e civilizada, podendo cada um expressar livremente as suas opiniões e anunciar os seus programas e ideais.
Eduardo dos Santos retirou estas frases dos programas eleitorais de países democráticos, coisa que Angola não era, não é e nunca será enquanto o MPLA for poder. Mas isso também não é relevante. Ou por outras palavras, Angola é nesta altura um raro paradigma de democraticidade, a ponto de que até os mortos votam.
“E é por estarmos conscientes de que o programa do nosso partido exprime a vontade do povo que partimos sempre para qualquer disputa política com a certeza da vitória”, disse o então presidente dono do país e “paizinho” de João Lourenço.
E disse muito bem. Aliás, mesmo antes da votação já Eduardo dos Santos definira a amplitude da vitória do MPLA. O resto era só para compor o ramalhete. E assim será sempre.
Vamos lá puxar um pouquinho pela memória. No dia 30 de Abril de 2008, uma viatura de marca Land Rover, foi entregue ao rei Ekuikui IV “Katehiotololo” do Bailundo, na sede comunal do Alto Hama, município do Lunduimbali, província do Huambo.
O carro foi entregue pelo coordenador adjunto para a campanha eleitoral do MPLA, João Lourenço, “à margem de um acto político de massas, na sequência do realizado no dia anterior na cidade do Huambo, ao qual o soberano fez questão de assistir”, segundo escreveu na altura a Angop.
“O rei Ekuikui IV do Bailundo, acompanhado por uma das suas esposas, agradeceu o gesto de José Eduardo dos Santos, ao mesmo tempo expressou a sua satisfação pela reabilitação das estradas e progressiva melhoria das condições de vida das populações do Bailundo”, salientou então a agência oficial do regime, ou seja, do MPLA e do seu então presidente, José Eduardo dos Santos.
O soberano anunciou então, em declarações à imprensa, que em Setembro desse ano, por ocasião das eleições legislativas, diria algo importante aos angolanos.
Nessa altura, no artigo “Um Land Rover para um rei a cinco meses das… eleições”, escrevemos aqui que desconheciamos se o rei iria ao volante do seu Land Rover fazer as anunciadas importantes declarações, acrescentando, contudo, que de uma coisa se podia já ter a certeza: o rei não iria cuspir no prato de quem lhe ofereceu a viatura.
Em cheio. O rei, também conhecido pelo soba dos sobas, manifestou o seu apoio ao MPLA. Tal como hoje, todos os sipaios, chefes de posto e similares têm preço, embora não tenham valor. A UNITA que o diga.
De acordo com o comunicado do bureau político do MPLA, “o partido que serviu durante vários anos reconhecia nele (o soba dos sobas) um exemplo de resistência tenaz contra o colonialismo português, de amor à pátria, de trabalho e de muita devoção à causa da paz, da unidade e reconciliação nacional, da liberdade e desenvolvimento do país”.
Com tantas qualidades só poderia ser do MPLA. Aliás, Ekuikui IV só passou de besta a bestial quando, para além do Land Rover, aceitou filiar-se no partido que governa Angola desde 1975.
Ainda em termos de memória, com a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi, em 2002, e o fim da guerra, Ekuikui IV passou a ser o dono do trono. E foi depois de 2002 que o até então poderoso, respeitado e honorável reino do Bailundo entrou na sua fase mais descendente com uma inaudita vassalagem ao rei do MPLA, José Eduardo dos Santos.
Vassalagem que, de acordo com a estratégia o MPLA e até à sua morte com a colaboração activa de Ekuikui IV, levou em 2008 à eliminação física do rei Utondossi II.
Folha 8 com Lusa