“Governa-se melhor devolvendo o poder ao povo por meio das autarquias, se o povo tiver a oportunidade de fazer as suas escolhas, escolher os melhores por via do mérito, da competência,” afirma (volta a afirmar) o padre Jacinto Pio Wacussanga.
O padre angolano Jacinto Pio Wacussanga criticou este domingo o processo da nova divisão político-administrativa do país (gerada e parida com todo o ADN dos seus “pais” – o MPLA e João Lourenço) e considerou que a iniciativa governamental “não é prioritária”, porque “não se governa melhor fragmentando províncias, mas sim com a implementação das autarquias”.
O sacerdote católico e defensor dos direitos humanos reprovou a iniciativa das autoridades angolanas, que considerou não ser prioritária, e observou que “não se governa melhor dividindo as províncias angolanas”.
“Governa-se melhor devolvendo o poder ao povo por meio das autarquias, se o povo tiver a oportunidade de fazer as suas escolhas, escolher os melhores por via do mérito, da competência, e não da partidocracia, o desenvolvimento é muito melhor”, afirmou o padre angolano, em declarações à Lusa.
As primeiras eleições autárquicas em Angola, já previstas e prometidas para anos passados e cuja mais recente data foi 2020, não chegaram a ser convocadas, com o executivo a justificar a decisão com a Covid-19.
Entretanto, o Presidente João Lourenço anunciou a intenção de alterar a divisão político-administrativa de cinco províncias angolanas, estando em curso sessões (para cumprir meras formalidades usadas nos estados de direito, que não é o caso de Angola) de auscultação pública.
Cuando Cubango, Lunda Norte, Malanje, Moxico e Uíje são as províncias onde – segundo os interesses do MPLA que, por regra, não coincidem com os interesses do angolanos – devem ser criadas novas unidades territoriais, cuja auscultação pública começou em 17 de Agosto passado e decorre até ao próximo dia 17 deste mês.
Segundo o padre Jacinto Pio Wacussanga, activo defensor das comunidades afectadas pela seca no sul de Angola e que, ao contrário de outros prelados, entende que a voz do Povo é a voz de Deus, o actual modelo de nomeação dos administradores municipais, feita pelos governadores provinciais (todos do MPLA), “é antiquado” e “apenas as autarquias” poderão reduzir as assimetrias.
“Esse modelo é extremamente antiquado e inoperante, estamos atrasados porque os administradores ficam atados a um programa nacional, as decisões têm de vir de Luanda, não podem fazer quase nada e, portanto, esse modelo só atrasa e atrapalha o que já está mal”, defendeu.
Para fundamentar os seus argumentos, o padre Jacinto Pio Wacussanga referiu que o desenvolvimento local não passa pela divisão de províncias, exemplificando que Luanda, a capital, sendo “pequena em termos de território, infelizmente está a afundar-se no lixo e no subdesenvolvimento”. Ao contrário do padre Wacussanga, o Folha 8 pensa que Luanda, tal como resto do país, se afunda devido à inesgotável criminalidade governativa do MPLA, que já dura há quase 46 anos.
Jacinto Pio Wacussanga acrescentou: “É lá (em Luanda) onde se gasta acima de 70% do OGE (Orçamento Geral do Estado) e é Luanda, quanto mais agora aumentarmos as províncias ao invés de termos aquelas que já tínhamos”. “Então não vemos, enquanto membros da sociedade civil, relevância na ideia de agora dividir algumas províncias e aumentar o número”, frisou.
“Não sei quais são as motivações, mas penso estar-se perante uma medida de aproveitamento político de carácter administrativo porque não há nenhuma vantagem nisso para o povo”, concluiu o padre Jacinto Pio Wacussanga.
Vários membros da sociedade civil e partidos políticos na oposição também reprovam a nova divisão político-administrativa do país, processo coordenado pelo ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente angolano, Adão de Almeida.
Recorde-se que o Presidente da República, auscultado o Presidente do MPLA e o Titular do Poder Executivo, quer (e se ele quer… assim será) alterar a divisão política administrativa do país com enfoque nas províncias do Cuando Cubango, Lunda Norte, Malanje, Moxico e Uíge, tendo criado para o efeito uma (mais uma) comissão multissectorial que irá propor novos limites territoriais.
Segundo o despacho presidencial assinado por João Lourenço, além desta atribuição, a comissão terá de inventariar os equipamentos administrativos, económicos e sociais relevantes e fazer o levantamento dos funcionários públicos e principais investimentos públicos em curso ou em preparação nas províncias objecto do trabalho.
Deverá ainda preparar uma proposta de orçamento e de programa de investimento público para 2022 nestas províncias e propor “outras medidas necessárias à efectivação da divisão político-administrativa e à instalação dos órgãos da administração local do Estado”.
O despacho justifica que, “em alguns aspectos, a actual divisão político-administrativa se afigura desajustada e pouco adequada para uma gestão eficiente do território e à satisfação das necessidades colectivas”.
Com o ajustamento desta divisão espera-se “uma maior aproximação das entidades administrativas dos cidadãos e uma gestão mais justa e equilibrada do território nacional”.
A comissão, coordenada pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, integra os ministros da Administração do Território, do Interior, das Finanças, da Economia e Planeamento, da Justiça e Direitos Humanos, e dos Transportes.
Na comissão estão ainda representados os ministros das Obras Públicas e Ordenamento do Território, das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, da Educação, e da Saúde, bem como os governadores das províncias envolvidas.
Se a competência do Governo se medisse pelo número de conselhos, comissões, operações, autoridades, fusões etc. (já para não falar das exonerações e nomeações) que tem criado, Angola teria com certeza o melhor governo do mundo. Também o teria se a unidade de medida fosse o número de corruptos por metro quadrado ou, ainda, se fosse o número de dirigentes políticos com o cérebro deslocalizado para os intestinos.
Em 2018, recorde-se, os governos provinciais (todos, obviamente, do MPLA) ganharam um conjunto de atribuições e competências transferidas de departamentos ministeriais de sectores como Pescas e do Mar, dos Recursos Minerais e Petróleos, Cultura, Hotelaria e Turismo, Ambiente, Comércio, Educação, Indústria e Saúde no quadro do reforço da desconcentração administrativa.
Como foi recomendado no Curso Nacional em Liderança e Gestão de Comunicação para Mudança de Comportamento, um evento desta natureza justificou até uma cerimónia de assinatura dos “Termos de Transferência de competências e coordenação da actuação territorial entre a Administração Central e a Administração Local do Estado”.
Em teoria, desde então, os departamentos ministeriais perderam a favor dos governos provinciais um conjunto de atribuições e competências que foram transferidas para as administrações municipais.
A cerimónia pública de assinatura dos 112 termos de transferência foi promovida pelo Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado, e juntou governos provinciais e representantes de departamentos ministeriais, num acto presidido pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República.
O objectivo era consolidar o compromisso do Executivo de reforçar a desconcentração administrativa, numa antecâmara para a descentralização administrativa, de acordo com um comunicado do Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado.
A cerimónia de assinatura dos termos de transferência resultou, como não poderia deixar de ser, das orientações do Presidente da República, João Lourenço, dadas durante a primeira reunião do Conselho de Governação Local, no sentido de o Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado, em acção concertada com os governos provinciais e os departamentos ministeriais, materializar a Estratégia de Implementação do Regime Geral de Delimitação e Desconcentração de Competências e Coordenação da Actuação Territorial da Administração Central e da Administração Local do Estado.
O Executivo pretende, disse, implementar o regime geral de delimitação e desconcentração de competências e de coordenação da actuação territorial da administração central e da administração local do Estado.
Para o efeito, o Titular do Poder Executivo (João Lourenço) promulgou o Decreto Presidencial n.º 20/18, de 29 de Janeiro, que estabeleceu o Regime Geral de Delimitação e Desconcentração de Competências e Coordenação da Actuação Territorial da Administração Central e da Administração Local do Estado.
Durante a primeira reunião do Conselho de Governação Local foi apresentada e aprovada a Estratégia de Implementação do Regime Geral de Delimitação e Desconcentração de Competências e Coordenação da Actuação Territorial da Administração Central e da Administração Local do Estado, tendo sido recomendado que o Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado no sentido de trabalhar com os governos provinciais e os demais sectores para apresentar um estratégia que esteja em harmonia com os programas e as necessidades das respectivas províncias.
A transferência de atribuições e competências, de acordo com o Executivo, fez parte do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) no capítulo da descentralização administrativa e financeira. Segundo este plano, o objectivo era reforçar o processo de desconcentração administrativa. A previsão é de, até 2022, serem assinados 270 termos de transferência de competências entre os departamentos ministeriais e governos provinciais.