Como o Folha 8 noticiou no passado dia 16, o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) de Portugal arquivou, com dois votos contra, o processo de averiguação aberto a duas procuradoras do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa que mandaram a PSP (Polícia de Segurança Pública) vigiar dois jornalistas, por considerar que estas não violaram deveres funcionais. Hoje o Sindicato dos Jornalistas (de Portugal) anunciou que vai contestar decisão do CSMP sobre vigilância a jornalistas.
A decisão de arquivamento do processo de averiguações aberto às procuradoras do DIAP de Lisboa mereceu os votos contra da professora Maria João Antunes, designada para Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) pela ministra da Justiça e por José Manuel Mesquita e a abstenção de Brigite Gonçalves, dois membros eleitos pela Assembleia da República.
Entre outros argumentos, Maria João Antunes refere, na sua declaração de voto, que votou vencida por “entender que o comportamento das duas magistradas é susceptível de consubstanciar violação do dever funcional do exercício das funções no respeito pela Constituição e pela lei, sem prejuízo de concluir, no que se refere às vigilâncias policiais com registo de imagem, que o processo de averiguações deve ser arquivado, por prescrição da infracção disciplinar”.
A propósito deste caso, José Manuel Mesquita entende que o CSMP deveria ter proposto à procuradora-geral da República a ponderação da emissão de uma directiva que determinasse a necessidade de se obter a “cobertura judicial” sempre que se ordenem “vigilâncias policiais” e as mesmas incluam a captação de imagens.
Em Janeiro, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, decidiu mandar averiguar se a actuação das magistradas Andrea Marques e Fernanda Pego, directora do DIAP de Lisboa, era passível de infracção disciplinar no caso em que os jornalistas Carlos Rodrigues Lima, da revista Sábado, e Henrique Machado, ex-Correio da Manhã e actualmente na TVI, foram vigiados pela PSP.
A procuradora Andrea Marques, do DIAP de Lisboa instaurou, em 2018, um inquérito para apurar fugas de informação no processo “e-toupeira”, tendo constituído arguidos o coordenador superior da Polícia Judiciária Pedro Fonseca e os dois jornalistas, revelou, no início deste ano, a revista Sábado.
No inquérito, a magistrada pediu vigilância policial para os dois jornalistas, e o levantamento do sigilo bancário de um deles, tendo as diligências tido o aval pela directora do departamento, Fernanda Pego.
Entretanto, O Sindicato dos Jornalistas (SJ) portugueses vai contestar juridicamente a decisão do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), conhecida na terça-feira, de arquivar o processo de averiguação aberto a duas procuradoras que mandaram a PSP vigiar dois jornalistas.
“A decisão – que decorre de um pedido do SJ, enviado em Janeiro à procuradora-geral da República (PGR), no sentido do apuramento de responsabilidades no caso referido – consente uma clara violação do sigilo profissional dos jornalistas e da protecção das fontes de informação, colocando constrangimentos ao exercício de um jornalismo livre e independente, fundamental em democracia”, diz o SJ.
Em comunicado, o SJ acrescenta:
«O CSMP considerou que as duas procuradoras do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa não violaram deveres funcionais, apreciação da qual o SJ, apoiado pelo seu gabinete jurídico, discorda profundamente e fará por ver avaliada por outras instâncias, em defesa da liberdade de imprensa.
O SJ levará até às últimas consequências a defesa deste caso, que considera um precedente grave – para jornalistas e cidadãos –, admitindo recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, se for caso disso.
Recorde-se que o caso foi denunciado por diversas entidades portuguesas, mas também europeias, tendo a Federação Europeia de Jornalistas (FEJ) notificado Portugal, junto do Conselho da Europa.
Portugal assinou a recomendação do Conselho da Europa, adoptada em 2000, sobre o direito dos jornalistas a não divulgarem as suas fontes de informação – que está igualmente protegido na Constituição da República Portuguesa (artigo 38.º) – e esta é a primeira vez que é alvo de um “alerta” na plataforma criada em 2015 para denunciar violações da liberdade de imprensa e proteger o jornalismo.
A citada recomendação – que estabelece que a protecção das fontes de informação dos jornalistas constitui uma condição fundamental para o trabalho jornalístico e para a liberdade de imprensa – recomenda aos governos dos Estados-membros do Conselho da Europa que tragam os princípios nela explanados ao conhecimento das autoridades públicas, das autoridades policiais e do sistema judiciário.
Para a FEJ, o caso é especialmente grave numa altura em que Portugal assume a presidência portuguesa da União Europeia e viu ser nomeada, há um mês, Teresa Ribeiro, ex-secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros, para representante da liberdade dos media na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).»
Se, como mandam as regras de quem tem o cérebro minimamente funcional e no local certo, devemos ver nas costas dos outros as nossas próprias costas, seria bom que os jornalistas angolanos estivessem atentos ao que sobre a sua actividade se passa no mundo, seja em Portugal ou na Rússia.