Jornalismo é, apenas e só, ser verdadeiro

O presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, criticou hoje a “censura permanente” existente em Angola, que considerou estar na origem da intimidação (por parte de simpatizantes da UNITA) de jornalistas dos canais públicos, sublinhando que as ameaças não partiram da Direcção do partido.

Adalberto da Costa Júnior, que falava à Lusa sobre as ameaças de que foram alvo jornalistas dos canais públicos do MPLA (supostamente públicos), TPA e TV Zimbo, que cobriam uma manifestação convocada pela UNITA, condenou as ameaças, “que não partiram da Direcção da UNITA”, mas lamentou também a exclusão de que o partido é alvo na cobertura mediática dos órgãos estatais (leia-se do MPLA).

Os profissionais da imprensa foram intimidados e ameaçados por manifestantes durante a cobertura da marcha que juntou no sábado, em Luanda, milhares de apoiantes e simpatizantes da UNITA e de outros partidos da oposição angolana, bem como membros da sociedade civil, exigindo eleições justas, livres e transparentes.

O líder da UNITA sublinhou que não estava presente na altura em que os jornalistas foram alvo de ameaças, e que condenou o acto de intolerância logo na altura, mas criticou também a “censura permanente” e a “exclusão da UNITA”, que aponta como causas para que “alguns jovens tenham tido um posicionamento mais exaltado”.

“As causas estão nas práticas dos órgãos públicos que há muito enterraram a democracia e as referências do Estado de Direito”, salientou o dirigente.

Adalberto da Costa Júnior sublinhou que se tratou de “uma grande manifestação de cidadania”, que contou com a participação e intervenção de outros partidos e forças políticas, como o Bloco Democrático, o Partido da Renovação Social e o PRA-JA, assim como organizações da sociedade civil, iniciativas que, sistematicamente, são ignoradas pelos órgãos públicos, controlados pelo Estado/MPLA.

O presidente da UNITA sublinhou que o partido tem uma postura de pluralidade, convidando sempre todos os meios a cobrir as suas actividades, embora estas não sejam posteriormente transmitidas na televisão.

Considerou ainda “vergonhoso” o posicionamento do governo (do MPLA, partido no poder há 45 anos) que controla os órgãos estatais “partidarizados”, e que violam a lei de imprensa ao não assegurar uma cobertura imparcial e equilibrada das actividades da oposição

“João Lourenço tomou o poder e tornou-se pior do que o seu antecessor”, disse Adalberto da Costa Júnior, lamentando também o posicionamento “vergonhoso” das direcções de informação dos canais públicos que emitiram comunicados condenando os actos contra jornalistas e responsabilizando a direcção da UNITA pelo sucedido.

“Uma palhaçada, a TPA e a Zimbo perderam completamente a vergonha”, afirmou o político, demarcando-se, e à Direcção da UNITA, do comportamento de “alguns manifestantes”.

Defendeu ainda que, além do governo, também o Sindicato dos Jornalistas Angolanos deve “fazer mais do que está a fazer”, em prol da pluralidade da informação. Dever até deve. Mas quando o fizer estará a passar a sua própria certidão de óbito, importa reconhecer.

“O problema não é só os jovens que se excedem, é o silêncio conivente” em torno da censura de que é alvo a UNITA, assinalando que tudo o que foi mostrado nos canais públicos foram as imagens das alegadas tentativas de intimidação do jornalista para “esconder a fabulosa marcha” de sábado.

“Foi um acto de cidadania, uma marcha de abertura e de sã convivência, foi um ato de pluralidade e as televisões [públicas] não mostraram nada disso”, contestou. Aliás, não estavam lá para mostrar a verdade.

Adalberto da Costa Júnior realçou ainda que Angola vive já um período de campanha pré-eleitoral (estão previstas – nada mais do que isso – eleições gerais para 2022), “num jogo em que o árbitro não conhece as regras democráticas”, mas avisou que o cidadão “já não é manipulável” e acompanha o que se passa pelas redes sociais.

Quanto à protecção dos jornalistas, reiterou que o partido vai continuar a convidar todos os jornalistas a acompanhar as suas iniciativas, e que “essa responsabilidade pertence à polícia, que esteve presente” em grande número, na marcha de sábado, e cujo trabalho elogiou.

“Não podemos andar ao colo com cada pessoa, isso [protecção] terá de ser com a polícia nacional, que aliás esteve muito bem”, concluiu.

Atirar a pedra e esconder a pata

O Folha 8 escreveu no dia 19 de Junho deste ano, que o MPLA (sob aforma de Editorial do seu bordel televisivo, TPA) acusou a comunicação social portuguesa de ser um veículo de transmissão de uma campanha de desestabilização e “ingerência abusiva” em assuntos de outros Estados. No caso não se referiam a um Estado mas a um reino há quase 46 anos nas mãos do MPLA – Angola.

Por cá, no tal reino, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) mostra-se preocupado com o tratamento de questões políticas nos órgãos de comunicação social públicos e privados e lamentou os “actos de censura” que se têm registado.

O posicionamento consta numa deliberação aprovada no VI Congresso do SJA, na qual o sindicato se manifesta preocupado com “a maneira como alguns órgãos de comunicação social públicos e privados têm estado a posicionar-se perante questões políticas, assumindo-se parte, violando deste modo a deontologia profissional bem como a Constituição, que impõe tratamento igual e imparcial”.

O Sindicato deplora também os actos de censura que (no reino) se registam em vários órgãos de comunicação social e recomenda aos jornalistas que “invoquem a cláusula de consciência quando são chamados a cobrir actos que violem a deontologia, reserva última para a credibilidade da profissão”.

“A liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”, afirma por sua vez o Sindicato dos Jornalistas (SJ) de Portugal.

Segundo o SJ, “neste contexto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas alertam para a proliferação de meios e formas de comunicação no meio digital que se apresentam como sendo órgãos jornalísticos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independência face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso”.

“O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profissional e se desenvolve, na tarimba, diariamente, com alto grau de exigência técnica e ética, devendo o jornalista profissional cumprir o Código Deontológico dos Jornalistas e agir dentro do quadro ético-legal previsto no Estatuto do Jornalista, consolidado na Lei 1/99, de 13 de Janeiro. O desrespeito pelas normas que regem a actividade está sujeito a um quadro sancionatório regulado na lei, além da responsabilização ética, hierárquica e até judicial (em alguns casos)”, prossegue o SJ.

Assim, “dentro do cumprimento do quadro ético-deontológico, o jornalismo é a marca de água que distingue informação de desinformação, o contraste que autentica os factos face às falsificações que o contexto das redes sociais promove, não obstante o esforço de algumas em conter a pandemia da desinformação”.

“O jornalismo tem um papel fundamental no Estado de Direito e o seu compromisso é com a (busca da) verdade. Por isso a Constituição assegura o direito dos jornalistas às fontes de informação e à protecção da sua independência. A independência é um valor fundamental do jornalista e primeiro garante da veracidade da informação que produz”, diz o Sindicato dos Jornalistas… portugueses.

Conclui o SJ que, “posto isto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas condenam a usurpação do bom nome colectivo dos Jornalistas e apelam às autoridades competentes, nomeadamente à Procuradoria-Geral da República e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que investiguem e fiscalizem as condutas e os grupos que promovam a desinformação”.

Este texto, divulgado pelo SJ de Portugal, deve merecer a atenção do Sindicato dos Jornalistas de Angola, bem como de todas as entidades ligadas ao sector, começando pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, já que por cá é comum as organizações oficiais, e pelos vistos até mesmo o SJA, confundirem a obra-prima do Mestre com a prima do mestre-de-obras.

Desde quando (como é regra nos países que são Estados de Direito e democracias), com excepção dos órgãos de comunicação social públicos, os jornais, rádios e televisões privados “não podem posicionar-se perante questões políticas, assumindo-se parte”? Não só podem como devem assumir de que lado estão, informando disso os seus leitores, ouvintes ou telespectadores.

De facto, tal como em Portugal, em Angola (ou a partir de Angola, ou tendo como fulcro Angola) existe uma enxurrada de meios que se auto-intitulam de comunicação social (TPA, TV Zimbo, Jornal de Angola etc.) e que mais não são do que bordéis onde o dinheiro compra tudo. Não é, aliás, difícil ver que são antros putrefactos de negócios que nada têm a ver com Jornalismo.

Por vontade do reino/MPLA, para além de Angola só precisar de ter um partido, também lhe basta a honorável existência do Jornal de Angola (do MPLA), da TPA (do MPLA) da RNA (do MPLA), a TV Zimbo (do MPLA). Por isso, para os altíssimos e divinais donos do país (“O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”), jornalista bom é jornalista morto.

Convém, contudo, salientar que o Titular do Poder Executivo tem nesta matéria de ensinar os angolanos e, é claro, também os jornalistas, a viver sem comer. Certamente não lhe faltará o apoio do Presidente do MPLA e do Presidente da República. Os três esperam, aliás, que quando estiverem quase, quase mesmo, a saber viver sem comer, os jornalistas… morram.

Em Abril de 2020, (alguns) jornalistas angolanos, sobretudo de órgãos privados, manifestaram-se confiantes que a “situação crítica” do sector, agravada pela Covid-19, com “dificuldades para pagar salários”, seria ultrapassada, após reunião com o ministro que tutela a Comunicação Social sob indicação do Presidente João Lourenço.

“Esperamos que sim, porque este sinal que o Presidente da República, João Lourenço, deu pressupõe que sim, vamos acreditar que sim, que realmente os dias de aflição e dificuldades que vivemos sejam ultrapassadas”, afirmou na ocasião Teixeira Cândido, secretário-geral do SJA.

Falando à Lusa no final de uma reunião que mantiveram com o reputado e perito ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, o sindicalista observou que o actual cenário da imprensa privada angolana “é crítico e emergencial”.

Passados quatro meses, o SJA reiterava que a imprensa privada “vive dias difíceis, como nunca antes viveu” (antes era no tempo do marimbondo-mor, José Eduardo dos Santos), realidade semelhante à de outros países, razão pela qual “muitos decidiram apoiar a imprensa privada por reconhecer o seu papel estruturante para a promoção das liberdades e democracia”.

Mais de um ano depois, acredita-se que existam menos jornalistas em Angola. A situação foi de mal a… pior, muitos diplomaram-se em sipaios do regime, sem trabalho mas com emprego garantido e bem pago nas TPAs do MPLA e outros terminaram sem êxito o curso superior de viver sem… comer.

A ingenuidade do SJA (embora louvável) reflecte a crença, muito bem disseminada pelo MPLA (o único partido que governou o país nos últimos 46 anos), de que Angola é aquilo que, de facto, não é: um Estado de Direito Democrático. E não o sendo, está-se nas tintas para que a liberdade de imprensa seja um pilar basilar da democracia.

Recorde-se que a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola (uma das muitas sucursais do MPLA) entregou, no final de Julho de 2020, as empresas de comunicação social privadas do grupo Media Nova, dos generais “Dino” e “Kopelipa” e do ex-vice-Presidente Manuel Vicente, ao ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social. Mais concretamente, ao MPLA na versão caranguejo.

Tudo normal. Nada como testar os limites dos que teimam em pensar com a sua própria cabeça, pondo a gerir o assunto os peritos que têm o cérebro no intestino e a coluna vertebral amovível. No final, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, este ou qualquer outro, chegará ao pé do Titular do Poder Executivo e dirá, como esperado: “Patrão, quando os jornalistas estavam quase a saber viver sem comer… morreram”. E o patrão pedirá desculpa e oferecerá aos familiares certidões de óbito gratuitas.

Em comunicado, a PGR adiantava que a entrega das empresas da Media Nova aconteceu através do Serviço Nacional de Recuperação de Activos, “em virtude de terem sido constituídas com o apoio e reforço institucional do Estado”, certamente com as garantias de alta segurança dadas pela “lussatyana” Casa de Segurança do Presidente João Lourenço.

Cremos (ingénuos que também somos) que a imprensa livre é de facto um pilar da democracia. O problema está quando, como é um facto no reino do MPLA, a democracia não existe, ou existe de forma coxa e apenas formal, numa reminiscência da União Nacional de Salazar ou, talvez, do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Hitler.

Folha 8 com Lusa

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