O Parlamento angolano aprovou, por unanimidade, dois projectos de lei de alteração à Lei Orgânica das Eleições Gerais, iniciativas legislativas dos partidos MPLA, no poder há mais de 45 anos, e UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista.
Segundo a Agência Angolana de Notícias (ANGOP), o grupo parlamentar do MPLA, no seu projecto de lei, propõe a alteração de 45 artigos da lei vigente, enquanto a UNITA tenciona alterar 83 artigos, incluindo cinco aditamentos.
Para o deputado do MPLA Tomás da Silva, citado pela ANGOP, a lei vigente sobre as eleições gerais “foi aprovada num contexto completamente diferente do actual”, considerando a anunciada revisão como “necessária e urgente para evitar atrasos no processo de preparação e realização das eleições gerais de 2022”.
O instrumento legal, aprovado na generalidade, durante a nona reunião plenária extraordinária do Parlamento, “clarifica matérias de natureza eleitoral, o voto eleitoral e a capacidade eleitoral activa”, afirmou Tomás da Silva.
Em relação ao projecto do grupo parlamentar da UNITA, a deputada Mihaela Webba afirmou que o seu partido pretende com o mesmo que as próximas eleições em Angola, “gerais ou autárquicas, decorram num clima democrático”.
“Auguramos eleições democráticas, justas, credíveis e que possam reflectir a vontade do soberano” disse a deputada.
Ambos os diplomas serão agora remetidos às comissões de especialidade da Assembleia Nacional para ganharem cunho legal antes de regressarem ao plenário para a votação final e global.
Os deputados também aprovaram na generalidade e por unanimidade a proposta e o projecto de lei de alteração à Lei do Registo Eleitoral Oficioso, iniciativas do executivo e da UNITA, respectivamente.
O ministro da Administração do Território e Reforma do Estado angolano, Marcy Lopes, disse, na ocasião, que a proposta do executivo “visa ajustar as normas do registo eleitoral, alargado aos cidadãos nacionais residentes no exterior”.
Já o deputado da UNITA, Diamantino Mussokola, afirmou que o projecto do seu partido surge com vista a “garantir a lisura, justiça e transparência” do processo eleitoral.
O presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, considera que a democracia em África enfrenta “enormes problemas” e que, em muitos países, as eleições deixaram de ser a solução para o problema, passando a ser o problema para a solução. Deve ser por isso que o MPLA, apesar de estar há 45 anos no Poder, lá quer ficar mais 55 de modo a completar um século de governação ininterrupta…
“A democracia e o constitucionalismo em África enfrentam problemas enormes que ninguém pode negar”, disse Moussa Faki Mahamat.
O presidente da Comissão da UA manifestou, antes de ser reeleito, a intenção de promover uma reflexão sobre o “melhor modelo democrático” para um continente marcado por golpes de Estado, eleições fraudulentas (Angola que o diga) e desrespeito pelo limite constitucional de mandatos.
“Quero interpelar os responsáveis políticos, a sociedade civil, os académicos e os intelectuais sobre a problemática da democracia e das eleições em África. Temos uma Carta Africana da Democracia, da Governação e das Eleições, temos constituições que integram um conjunto de princípios, mas que não são respeitados na prática”, disse. Exemplos? Para não meter a foice por seara alheia, basta-nos o exemplo de… Angola.
Por isso, sustentou, é preciso “uma reflexão sobre o modelo democrático” para um continente, onde “muitas eleições, que deviam ser a solução, acabaram por se tornar num problema”, disse.
“Cada Estado é livre de escolher o seu modelo político, mas o mais importante é que respeite a Constituição que aprovou”, disse, quando questionado sobre os casos da Guiné-Conacri e da Costa do Marfim, cujos chefes de Estado concorreram e ganharam terceiros mandatos considerados inconstitucionais.
“Há uma sensação de traição e de grande frustração nas populações com a democracia e as eleições. É preciso que esta questão venha para o centro do debate africano para estabelecer novos caminhos. Mesmo que cada país escolha o seu modelo, o mais importante é respeitar o que diz a Constituição”, insistiu. Pois é. E que tal fazer como faz o MPLA? Isto é, Angola tem uma Constituição oficial e formal que, contudo, se submete à Constituição informal mas efectiva do partido que comprou o país em 1975.
Para Moussa Faki Mahamat, “é crucial engajar os governos” nesta questão que, segundo disse, “se tornou no maior problema em África”. Os governos em geral e os africanos em particular apenas existem para, enquanto seita, se servirem e não para servirem. Por isso é que, de uma forma global, a maioria dos países africanos são ricos mas não conseguem gerar riquezas. O máximo que consegue é gerar… milionários. Goste-se ou não, a excepção a esta regra, remonta aos tempos coloniais, sendo Angola – mais uma vez – um paradigmático exemplo.
“Estamos perante um problema. Temos uma Constituição, proclamamos princípios, não os aplicamos e, por vezes, agimos em completa oposição a esses princípios. Por isso, é preciso perguntar se escolhemos o melhor modelo de governação, se este corresponde à nossa realidade e se responde aos anseios das populações”, defendeu Moussa Faki Mahamat, quase parecendo que estava a apresentar a memória descritiva de… Angola.
O presidente da Comissão da UA, reconhece, no entanto, que apesar de a União Africana ser a “guardiã” da Carta Africana da Democracia, da Governação e das Eleições, quando os seus princípios não são cumpridos pelos Estados, pouco pode fazer. Pois. É só para inglês ver, é só para que os vampiros que sugam os africanos possam dormir descansados.
“Os Estados são soberanos e não recebem lições. O nosso papel acaba muitas vezes a meio caminho e fica pela sensibilização”, lamentou Moussa Faki Mahamat, questionando se não está na altura de a UA adoptar “regras de compromisso mais consequentes” para os países. Aqui os donos do poder riem a bandeiras despregadas. E se assim é… siga orgia canibalesca alimentada pelos povos que, apesar de independentes há décadas, continuam a perguntar: quando chega a Independência?
“Pode ser uma opção”, admitiu Moussa Faki Mahamat, adiantando que não é possível “meter a cabeça na areia sobre este assunto”.
“Estamos num momento crucial e é absolutamente legítimo que as populações se questionem e que as lideranças respondam”, afirmou, acrescentando que não é possível resolver os problemas de paz e segurança no continente sem resolver os de governação.
Moussa Faki Mahamat defendeu igualmente a necessidade de “uma passagem de testemunho” para as gerações mais jovens, que estão em maioria em África, mas afastadas das lideranças políticas e de governação.
“A democracia é a regra da maioria e há uma forte vontade de renovação geracional no continente. Compreendo perfeitamente a frustração da juventude que pensa legitimamente que, uma vez que está em maioria, deve estar no comando”, disse.
Sobre a situação de segurança e paz em África, Moussa Faki Mahamat, sublinhou o facto de actualmente não haver “guerras entre países africanos”.
“A maioria dos problemas são internos, e tem origem na má governação económica e política”, disse.