A deputada socialista portuguesa no Parlamento Europeu, Isabel Santos, questionou a posição de Bruxelas sobre a defesa dos direitos humanos em Angola, perante “actos recentes” (assassinatos em Cafunfo), em questões enviadas ao Alto Representante da União Europeia, Josep Borrell.
Está a tardar a posição do Bureau Político do MPLA que, pela vez de Hidulika Kambami (nome indígena de Albino Carlos) virá apontar a empresária Isabel dos Santos (que tanto foi idolatrada pelos novos senhores do Poder) e “círculos portugueses indiciados nos crimes de corrupção em Angola” como principais promotores dessa campanha por, alegadamente, “estarem descontentes com as transformações políticas e sociais em curso no país”.
Nas considerações prévias às questões que Isabel Santos deixa ao Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e à Política de Segurança e vice-presidente da Comissão Europeia, a eurodeputada assinada que, “ao abrigo do cumprimento do estado de emergência, há relatos preocupantes de episódios em que a acção policial redundou em mortes de civis”.
O “recurso à força excessiva, desproporcional e letal pelas forças de segurança fragiliza (…) o quadro dos direitos humanos em Angola”, pelo que a socialista pergunta a Josep Borrel “qual é a posição da delegação da UE em Angola – nomeadamente na defesa dos direitos humanos – perante a forma como estes actos recentes se têm vindo a desenvolver”.
Isabel Santos não esclarece sobre a que “actos recentes” se refere, mas Angola foi notícia internacional pelos assassinatos no passado dia 30 de Janeiro na vila mineira de Cafunfo, na província da Lunda Norte, palco de incidentes entre a polícia e populares de que resultaram um número indeterminado de mortos e feridos.
Nesse dia, o Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região, tentou levar por diante uma manifestação para assinalar o aniversário do reconhecimento internacional de tratados de protectorado português da Lunda, assinados no final do século 19, que não tinha sido autorizada com o argumento das medidas restritivas impostas pelo combate à propagação da pandemia da Covid-19.
A vila do Cafunfo mantém-se sob um forte dispositivo das forças de segurança (polícia e exército do MPLA) desde essa altura.
A eurodeputada pretende ainda saber “a que conclusões se chegou e que medidas concretas foram acordadas no âmbito do último encontro anual entre o Ministério da Justiça de Angola e a delegação da UE, de 17 de Novembro de 2020”.
Isabel Santos considera que “a mudança de liderança política em Angola em 2017, com a substituição de José Eduardo dos Santos por João Lourenço, não conseguiu, até à data, cumprir com as expectativas de reforma profunda que o país necessitava e o povo ansiava, depois de quase 40 anos de governação autocrática”.
“Pelo contrário”, argumenta ainda a eurodeputada. “Manteve-se a tipologia do sistema político e a ambiguidade constitucional que o caracteriza. Manteve-se também a crise económica e os abusos entre poderosos que colocam o país no fundo dos índices de referência a nível global”, afirma.
Sobre os massacres de Cafunfo, os líderes da UNITA (Adalberto da Costa Júnior), do PRA-JA (Abel Epalanga Chivukuvuku) e do Bloco Democrático (Justino Pinto de Andrade) emitiram hoje uma posição conjunta em que afirmam:
«Os actos de terror praticados no Cafunfo manifestam, mais uma vez, a incapacidade de o regime do MPLA construir a democracia e a unidade da Nação comprometendo o respeito pelos direitos, liberdades e garantias estabelecidos pela Constituição da República.
Com tal extremismo e a consequente acusação de que teria havido rebelião armada, o governo pretende implementar uma estratégia que tem como objectivo a criação de um clima de terror e de caos generalizados no País, para encontrar bodes expiatórios ou justificações dos seus fracassos.
O Executivo recorre ainda ao velho, falacioso e perigoso argumento xenófobo de “intervenção de forças estrangeiras”. Os Estrangeiros que se conhecem em Cafunfo são os que foram “agraciados”, pela CNE, com cartões de eleitor, para votar a favor do MPLA e do seu cabeça de lista. Curiosamente os mesmos Estrangeiros que têm merecido a protecção das autoridades, nas suas actividades de garimpo. Enquanto isso, a Polícia Nacional expulsa das suas próprias lavras, em todo o território das Lundas, os camponeses e os aldeões nativos e indefesos. Não é sem propósito que se pretende agora transformar o cartão eleitoral em veículo de aquisição da nacionalidade!
Os trágicos acontecimentos de Cafunfo constituem, assim, uma séria ameaça à paz, à reconciliação nacional e à estabilidade, bem como ao aprofundamento do respeito dos direitos humanos. Na realidade, centenas de cidadãos estão foragidos pelas matas temendo o incremento das arbitrariedades das autoridades. Registam-se prisões ao arrepio da Lei, incluindo a do Presidente do Movimento do Protectorado Lunda-Tchockwe. Persiste o impedimento de averiguações independentes dos partidos políticos e da sociedade civil, como ocorreu com as delegações de deputados da UNITA e dos membros da MOSAIKO – Instituto de Cidadania, ONG ligada à Igreja Católica.
Neste sentido, impõe-se que:
O titular do poder Executivo ponha fim a estas atitudes antipatrióticas começando por cessar, imediatamente, a onda de perseguições e caça ao homem em Cafunfo e em todo o País;
A libertação de todos os presos políticos nos diversos municípios das Lundas e a liberdade de averiguação dos acontecimentos por parte de organizações nacionais independentes, bem como a realização de um Inquérito institucional com a participação de entidades idóneas da Sociedade;
Que a Assembleia Nacional organize, com carácter de urgência, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para a investigação dos funestos acontecimentos;
Que as Forças de Defesa e Segurança tenham a coerência de se assumirem republicanas, conformando a sua actuação de acordo com a Constituição da República e com as leis em vigor. Que cessem os disparos em Cafunfo!»
Folha 8 com Lusa