O Governo angolano propõe o alargamento para 31 juízes conselheiros no Tribunal Supremo (TS) e a criação de um “juiz itinerante” na sua proposta de lei que altera a Orgânica da Organização e Funcionamento do TS, aprovada hoje na generalidade.
A proposta de iniciativa legislativa do executivo passou (como esperado e garantido) hoje no crivo dos deputados por unanimidade com 147 votos a favor, nenhum contra e nenhuma abstenção durante a nova reunião plenária extraordinária que decorre na Assembleia Nacional.
Segundo a secretária de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania, Ana Celeste Januário, a proposta visa adequar a Lei Orgânica do Tribunal Supremo “à nova organização judiciária” aprovada pela Lei sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum.
Garantir a “efectivação de um novo quadro” de juízes do Tribunal Supremo no recrutamento do pessoal, para fazer face ao aumento do número de juízes no TS, e “melhorar a qualidade e tornar mais céleres as decisões” do órgão são alguns propósitos da iniciativa.
Ana Celeste Januário deu conta que o instrumento legal propõe o aumento de 21 para 31 juízes conselheiros “não obstante a entrada em funcionamento dos tribunais da relação nos próximos dias numa base gradual”.
“Grande parte dos processos que hoje vai para o TS serão, a breve prazo, apreciados e decididos pelos Tribunais da Relação”, apontou a governante.
A secretária de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania fez saber também que actualmente existe um “número excessivo de processos” para cada um dos juízes conselheiros das diferentes câmaras do TS, “que varia entre os 77 e 298 processos”.
Para a governante, com a entrada em funcionamento dos Tribunais da Relação no país deverá haver uma “redução substancial” dos processos a serem julgados pelo TS, “ficando cada juiz conselheiro com um número não superior a 50 processo em cada ano judicial” o que permitirá melhorar a qualidade dos acórdãos, admitiu Ana Celeste Januário.
A proposta de lei define igualmente um número limite de processos para um dos juízes conselheiros, nomeadamente 200 processos para a câmara cível, o mesmo número para a câmara criminal bem como 250 processos cada para as câmaras laboral, de contencioso administrativo fiscal e aduaneiro e da família e justiça juvenil.
Um “juiz itinerante”, recrutado entre os juízes de outras câmaras com reduzida carga de processos, está igualmente previsto para o caso de o número de processos distribuídos por cada um dos juízes conselheiros “ser superior a 50% do que está fixado”.
O deputado “independente” Carlos Candanda disse que a lei ora aprovada vai permitir “potenciar o TS na construção de uma democracia plural” no país, considerando, no entanto, o poder judicial como “o elo mais fraco” da democracia angolana.
Lucas Ngonda, deputado da FNLA), defendeu “maior celeridade” dos processos submetidos àquela instância, tendo afirmado que a morosidade de processos “é uma forma criminosa de denegação de justiça”.
O deputado do MPLA (no poder há quase 46 anos), Virgílio Tchova, destacou a introdução da câmara da família e justiça juvenil, a proposta “é necessária e oportuna” e “peca apenas pelo atraso”.
Já o deputado da UNITA, Raul Tati, considerou que a proposta de lei merece o apreço do seu partido, observando que a independência dos tribunais “é um dos problemas mais badalados da justiça” em Angola.
A podridão da Justiça
A justiça em Angola vai de mal a pior, uma vez que, por exemplo, sob a capa de se combater manifestações, nunca esperadas pelo Titular do Poder Executivo e de combate à corrupção se estão a cometer atropelos graves à Constituição e à lei.
Daí muitos cidadãos, certos ou errados, considerarem os tribunais e a Procuradoria-geral da República como “longa manus” dos comités de especialidade do partido no poder, principalmente depois da cruzada em que os mesmos de ontem são os de hoje, a julgar os antigos kambas, que se lambuzavam na mesma gamela.
Recorde-se que Augusto Tomás é o único condenado, num julgamento eivado de erros e vícios, denotando ser preso político, pois o seu julgador, por sentenciar, sem provas, de acordo com o direito, foi promovido, pelo Presidente da República, João Lourenço, a presidente do Tribunal Supremo.
E de tantas irregularidades, até à falta de sensibilidade de alguns magistrados que não se coíbem de atentar contra a vida, como ocorreu, com um eminente economista, Manuel Paulo, do “CASO CNC”, a quem foi negada a saída para o exterior do país, para ser alvo de uma operação cirúrgica e, com essa denegação de assistência médica e de justiça, viria a falecer dias depois (início do ano).
É a justiça convertida em parque de diversão, violando reiteradamente a Constituição e as Leis, ante o silêncio cúmplice de quem se devia indignar.
Neste momento a impunidade não está a ser combatida, pois estão no ringue: os dirigentes do MPLA que roubaram mais e os dirigentes do MPLA que roubaram menos, sendo a excepção, os últimos, estarem, agora, no poder a esvaziar a riqueza e depenar os seus antigos camaradas, para estes entregarem todos os bens (um dia até as mulheres, como ocorreu no tempo de Agostinho Neto em 1977), para integrarem o seu património aos estrangeiros amigos. Isso é império da injustiça. Por esta razão na revisão parcial, se incluir o confisco, já em lei ordinária, para que possam, dolosamente, vender património de quem esteja ainda em fase de julgamento. Não nos espantemos se o Kero e o Candando, antes do trânsito em julgado, sejam vendidos a favor dos amigos do Presidente da República.
Recuando ao “Caso CNC”, quando um “cabo de guerra” emprestado à justiça, já nas vestes de Presidente do Tribunal Supremo, para não ficar mal na fotografia caso a sua decisão fosse chumbada e até existiam motivos para tal, simulando um falso impedimento. No entanto, nos bastidores, influenciou a decisão da segunda instância, no sentido de agravarem a pena de Augusto Tomas e pares e assim demonstrar, ter sido, até mais benevolente e brando do que o plenário. Infelizmente, antes de ser publicado, o projecto do acórdão vazou para as redes sociais e o Tribunal teve de fazer marcha atrás para mostrar, ter sido o projecto forjado, por pessoas que só queriam denegrir a imagem das instituições da administração da justiça e mergulhar o país em confusão.
Uma estratégia que não funcionou, junto da sociedade jurídica e civil, pois para além de recuarem nas suas intenções, alguns juízes neutros e corajosos por não serem do CAP (Comité de Especialidade do Partido) do MPLA, naquela instância, denunciaram através das declarações de voto vencido, terem sido muitos magistrados obrigados a assinar de cruz o acórdão sem que lhes fosse dado o processo para ler e formarem as suas convicções, com base nas provas existentes no processo.
A veneranda juíza conselheira, Anabela Vidinhas, por exemplo, foi mais longe, ao textualizar que “em toda carreira enquanto magistrada judicial” nunca tinha visto uma decisão condenatória não fundada em factos, fortes indícios ou provas materiais concretas.
Se no Tribunal Supremo é assim, secundado pelo Tribunal Constitucional, não restam dúvidas, da vergonha da nossa justiça e, parafraseando um velho ditado popular: “a verdade é como o azeite, demora, mas vem sempre ao de cimo” e, um dia, os cidadãos angolanos conhecerão outra aurora, que sancionará uma nova democracia, uma nova justiça.
Folha 8 com Lusa