Guterres ONU(sto) de “tarefas colossais”

António Guterres tomou hoje posse para um segundo mandato como secretário-geral da Organização das Nações Unidas, declarando-se um “multilateralista devoto” e “português orgulhoso” e voltou a pedir distribuição de vacinas contra a Covid-19 como “prioridade mundial absoluta”.

António Guterres, que prestou juramento pela segunda vez em cinco anos à frente de uma organização com 193 Estados-membros, em Nova Iorque, admitiu que existem “tarefas colossais” a que o mundo deve responder unido, com destaque para a prevenção de conflitos e preparação da segurança social em caso de futuras pandemias.

Expressando gratidão a Portugal pela renomeação, o secretário-geral declarou-se um “multilateralista devoto, mas também português orgulhoso”, num discurso que proferiu em três línguas – inglês, francês e espanhol – na Assembleia-Geral da ONU.

“Tudo o que aprendi e me tornei” foi resultado do trabalho “em conjunto” com o povo português, disse o antigo primeiro-ministro, agradecendo ainda a presença do Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve na assistência para este momento solene.

Ainda assim, na sua função à frente da ONU, António Guterres sublinhou que vai servir igualmente todos os 193 Estados-membros, como mediador e “construtor de pontes” para um multilateralismo que quer ver reforçado.

O secretário-geral da ONU voltou a pedir vacinas contra a Covid-19 como “prioridade mundial absoluta” e defendeu um sistema socioeconómico mundial mais equitativo, solidário e igualitário e “recuperação justa, verde e sustentável”.

“Estima-se que 114 milhões de empregos foram perdidos, mais de 55 por cento da população mundial ficou sem qualquer forma de protecção social e, pela primeira vez em vinte anos, a pobreza está a aumentar, com entre 119 e 124 milhões de pessoas caídas na pobreza extrema em 2020”, declarou Guterres sobre a pandemia de Covid-19, um dos mais graves desafios para a ONU em 75 anos de história.

António Guterres chamou a atenção para o sofrimento das mulheres em todo o mundo, que terão sido as mais afectadas nesta crise e apelou para uma maior participação dos jovens, das mulheres e sociedade civil em processos de tomada de decisão em todo o mundo, principalmente em defesa da igualdade de género.

António Guterres defendeu como prioridades para o “sistema internacional” a “prevenção e preparação” frente aos grandes desafios mundiais que são “a evolução da natureza dos conflitos e a probabilidade de futuras pandemias e outros riscos existenciais”.

As mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição ambiental são outros dos desafios globais, segundo o antigo Alto-Comissário da ONU para Refugiados, ao lado do “declínio dos direitos humanos, falta de regulamentação no ciberespaço e uma divisão digital crescente”.

No sistema mundial pré-pandémico, o secretário-geral quis reconhecer “pontos positivos” como o avanço tecnológico que permitiu o teletrabalho para grande parte da população e que não teria sido possível há 10 anos.

António Guterres mostrou ainda confiança na importância da organização que lidera, por ter conseguido um consenso multilateral para “reformas nas áreas de desenvolvimento, gestão, paz e segurança” e por um certo “ímpeto para algumas das transformações mais profundas”.

ONU, corrupção, MPLA e… siga a farra

No dia 9 de Dezembro de 2020, no Dia Internacional contra a Corrupção, em mensagem sobre a data, o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembrou que, nos últimos anos, “a raiva e a frustração explodiram contra líderes e governos corruptos.” Estaria, eventualmente, a incluir nesses líderes os que o apoiaram na candidatura ao cargo e que agora o apoiaram na recandidatura?

Em alguns países, as pessoas têm exigido justiça social e responsabilização. Segundo o chefe da ONU, “no meio dessas profundas preocupações, a crise da Covid-19 cria oportunidades adicionais para a corrupção.” E quando não é a Covid-19 é o petróleo, os diamantes, a ambição desmedida dos governantes que não ocupam os cargos para servir mas, isso sim, para se servirem.

António Guterres disse que os governos estão a fazer o que deviam para colocar as economias de volta aos trilhos, prestar apoio de emergência e adquirir suprimentos médicos, mas avisou que “a supervisão pode ser mais fraca.”

Respostas urgentes levaram alguns Estados a comprometer a conformidade, a supervisão e a responsabilização para obter um impacto rápido. Além disso, o desenvolvimento de vacinas e tratamentos aumenta o risco de suborno e lucros abusivos. E se isto é mesmo verdade, Angola (MPLA) estará na primeira linha.

Segundo o secretário-geral da ONU, a corrupção drena os recursos das pessoas, mina a confiança nas instituições, agrava as vastas desigualdades expostas pelo vírus e impede uma recuperação forte, acrescentando que o mundo não pode “permitir que fundos de estímulo e recursos vitais de emergência sejam desviados.”

Para o secretário-geral da ONU, a recuperação da pandemia deve incluir medidas para prevenir e combater a corrupção e o suborno. Por cá isso não é exequível. A pandemia é uma coisa, a corrupção e subornos são outra. E o Governo não consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo. Já para fazer uma só é o que se sabe…

Também são necessárias amplas parcerias para fortalecer a supervisão, responsabilização e transparência, com base nas ferramentas globais anticorrupção fornecidas pelas Convenções das Nações Unidas contra a Corrupção.

António Guterres afirmou que a acção contra este problema deve fazer parte de reformas e iniciativas nacionais e internacionais mais amplas para fortalecer a boa governança, combater fluxos financeiros ilícitos e paraísos fiscais e devolver activos roubados, de acordo com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

António Guterres enfatizou que a redução dos riscos de má gestão e corrupção durante a pandemia requer o envolvimento de órgãos anticorrupção fortes. Outras medidas são melhor supervisão dos pacotes de apoio de emergência, contratos públicos mais abertos e transparentes e maior conformidade anticorrupção no sector privado. Ou seja, tudo o que Angola faz ao contrário.

Além disso, os países também precisam “garantir o apoio e a protecção para denunciantes e jornalistas que descobrirem corrupção durante a pandemia”. Como em Angola o Governo só considera que são jornalistas os que assinam os comunicados do MPLA…

Segundo o secretário-geral da ONU, a comunidade internacional também deve aproveitar a oportunidade para realizar reformas e iniciativas ambiciosas na sequência da primeira sessão especial da Assembleia Geral contra a corrupção em 2021.

Para terminar, o secretário-geral pediu que todos, governos, empresas, sociedade civil e partes interessadas, trabalhem juntos para “promover a responsabilização e acabar com a corrupção e o suborno por um mundo mais justo e equilibrado”.

No dia 21 de Setembro de 2016, o antigo primeiro-ministro de Portugal agradeceu o apoio de Angola à sua candidatura ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas, elogiando (era uma parte do preço a pagar pelo apoio) o papel do país no contexto internacional. Presume-se que, nessa altura, o país nada tinha a ver com corrupção…

António Guterres falava na altura à rádio pública angolana, sobre o apoio de Angola, salientando que tem sido “um instrumento muito importante” para que tenha possibilidades de vencer.

“Gostaria de exprimir toda a minha gratidão e o meu apreço pelo que tem sido a posição do Presidente José Eduardo dos Santos, do Governo e povo de Angola, a solidariedade angolana tem calado muito fundo no meu coração”, referiu Guterres mostrando que, afinal, bajular é uma questão genética em (quase) todos os socialistas – e não só – portugueses.

Em Março desse ano, o Presidente José Eduardo dos Santos recebeu em audiência, em Luanda, o candidato português à sucessão de Ban Ki-moon.

“Agora compete aos Estados-membros, entre os quais Angola, decidir, mas não queria deixar de exprimir esta grande gratidão em relação à posição angolana, que calou muito fundo no meu coração”, realçou Guterres.

Pela voz do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Georges Chikoti, Angola disse que “esta eleição é muito importante para África, para a CPLP, para Angola e para a comunidade internacional em geral. O engenheiro Guterres tem sido um lutador incansável pelas causas importantes da comunidade internacional, em particular dos refugiados”.

Chikoti acrescentou: “Temos a certeza que nessa qualidade (secretário-geral) ele vai olhar muito para África e para Angola em particular, queremos esperar que ele consiga promover alguns quadros importantes do continente africano, particularmente da lusofonia”.

Enquanto candidato e por necessidade material de recolher apoios, António Guterres confundiu deliberadamente Angola com o regime, parecendo (sejamos optimistas) esquecer que, por cá, existiam (como continuam a existir) angolanos a morrer todos os dias de fome, que ainda temos um dos regimes mais corruptos do mundo e que somos um dos países com um dos maiores índices mundial de mortalidade infantil.

Na sua última visita a Angola, António Guterres disse que, “por Angola estar envolvida em actividades internacionais extremamente relevantes, vejo-me na obrigação de transmitir pessoalmente essa pretensão às autoridades angolanas”.

Pois é. Esteve até no Conselho de Segurança da ONU. E, pelos vistos, isso basta. O facto – repita-se todas as vezes que for preciso – de ter na altura desde 1979 um Presidente da República nunca nominalmente eleito, de ser um dos países mais corruptos do mundo, de ser o país onde morrem mais crianças… foi irrelevante.

“Naturalmente como velho amigo deste país, senti que era meu dever, no momento em que anunciei a minha candidatura a secretário-geral das Nações Unidas, vir o mais depressa possível para poder transmitir essa intenção as autoridades angolanas”, sublinhou António Guterres.

Guterres tinha razão. É um velho amigo do regime. Mas confundir isso com ser amigo de Angola e dos angolanos é, mais ou menos, como confundir o Oceanário de Lisboa com o oceano Atlântico. Seja como for, confirmou-se que a bajulação continua a ser uma boa estratégia. Nesse sentido, António Guterres não se importou de continuar a considerar José Eduardo dos Santos como um ditador… bom.

António Guterres sabe que todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia e que 70% da população passa fome; que 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos; que no “ranking” que analisa a corrupção, Angola está entre os primeiros, tal como sabe que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975.

António Guterres também sabe que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder; que ser amigo de quem está no poder é fácil e por norma rende muito.

Seja como for, António Guterres não deve gozar com a nossa chipala nem fazer de todos nós uns matumbos.

Folha 8 com Lusa

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