Angola condenou hoje a tentativa de golpe de Estado na Guiné-Conacri, acto que considerou “antidemocrático e inconstitucional”, apelando à libertação incondicional do Presidente, Alpha Condé. Os amigos são para as ocasiões. Por alguma razão João Lourenço recebeu, recentemente (foto), a Grã-Cruz da Ordem Nacional da República da Guiné-Conacri, a mais alta condecoração que este país concede a entidades distintas.
A posição expressa numa nota do Ministério das Relações Exteriores sublinha que Angola está a acompanhar “com muita preocupação” os acontecimentos ocorridos na Guiné-Conacri, no domingo, que “culminaram com a detenção do Professor Alpha Condé, Presidente da República da Guiné-Conacri, e a tomada do poder por um grupo de Forças Especiais”.
“Face à gravidade dos factos, a República de Angola condena esta tentativa de golpe de Estado, um acto antidemocrático e inconstitucional, que viola os princípios das Declarações de Argel e de Lomé, da União Africana, de 1999 e 2000, sobre as mudanças inconstitucionais”, realça o documento.
Na nota, Angola sublinha que apoia a Declaração Conjunta do Presidente em exercício da União Africana e do Presidente da Comissão da União Africana, bem como a Declaração do Presidente em exercício da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), como Folha 8 escreveu no artigo “Quando a força da razão não chega…”
“A República de Angola manifesta, por conseguinte, a sua solidariedade ao povo guineense, apela aos autores deste acto a libertarem incondicionalmente o Presidente Alpha Condé e a preservarem a sua integridade física, assim como insta ao pronto retorno à ordem constitucional, em salvaguarda da paz e da estabilidade” na República da Guiné-Conacri, sublinha a nota.
No final de Julho deste ano, o Presidente João Lourenço realizou, a convite de Alpha Condé, uma visita de dois dias à República da Guiné-Conacri, durante a qual foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional daquele país.
Os golpistas capturaram o Presidente Alpha Condé e dissolveram as instituições de Estado do país no passado domingo. Foi instituído um recolher obrigatório nocturno, e a constituição do país e a Assembleia Nacional foram ambas dissolvidas.
A junta militar recusou-se a revelar quando pretende libertar Alpha Condé, mas assegurou que o Presidente deposto, com 83 anos, tem acesso a cuidados médicos e aos seus médicos.
A CEDEAO apelou à libertação imediata de Alpha Condé e ameaçou impor sanções, se esta exigência não vier a ser satisfeita.
Mamady Doumbouya anunciou num vídeo divulgado após o golpe a criação de um “Comité Nacional de Agrupamento e Desenvolvimento”, com o objectivo de “iniciar uma consulta nacional para abrir uma transição inclusiva e pacífica”.
A alegada tentativa de golpe de Estado foi já condenada pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), que exigiu também a “imediata” e “incondicional” libertação do Presidente Alpha Condé, e o mesmo fez a União Africana e também a França. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, também já condenou “qualquer tomada de poder pela força das armas”.
A Guiné-Conacri, país da África Ocidental, que faz fronteira com a Guiné-Bissau, é um dos mais pobres do mundo e enfrenta, nos últimos meses, uma crise política e económica, agravada pela pandemia de Covid-19.
João Lourenço foi o segundo cidadão angolano a ser prestigiado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional da Guiné-Conacri, depois de António Agostinho Neto (o único herói nacional que o MPLA autoriza em Angola) no ano de 1973.
No discurso feito na Guiné-Conacri, João Lourenço fez também referência à situação de segurança em África nos últimos tempos que “não tem evoluído tão positivamente quanto seria desejável” apesar de algumas iniciativas desenvolvidas no sentido de inverter esta tendência.
“Realço, nesta perspectiva, outros factos importantes como a realização de eleições de forma pacífica em alguns pontos do nosso continente com historial de conflitos pós-eleitorais, facto que reforça a esperança e a ideia de que a África despertou para a necessidade da construção da estabilidade e da segurança como factores incontornáveis para assegurar a concretização dos nossos grandes objectivos de redução da pobreza, e de construção do bem-estar e prosperidade dos nossos povos”, frisou.
João Lourenço esteve, nesta incursão filosófica sobre eleições em África, ao seu melhor nível. Mostrou, com rara perspicácia, que quem sabe… sabe. Por alguma razão ele próprio é um presidente não nominalmente eleito e lidera um partido que só está no poder há quase 46 anos e que, até agora, nunca fez uma só eleição autárquica.
O Presidente angolano destacou assim a importância de um trabalho contínuo e de forma unida e conjugada, no sentido de construir um continente livre de conflitos armados, de destruição e deslocações forçadas das suas populações.
João Lourenço defendeu que é fundamental a adopção de formas de governação “cada vez mais participativas, inclusivas e genuinamente africanas, de modo a contribuir para a promoção de uma cultura africana de paz, de justiça e de respeito pelos princípios dos direitos humanos”. Ou seja, em síntese, fazer tudo o que o MPLA não fez, não faz e nunca fará.
No dia 27 de Dezembro de 2008, a União Africana (UA) descobriu a pólvora. Numa atitude que nem sequer era original (basta ver o que vai repetindo a ONU) defendeu que a situação na Guiné-Conacri era “anticonstitucional” apesar de o governo guineense derrubado se ter apresentado voluntariamente amarrado à Junta Militar.
“A UA continua a acompanhar de perto o que se passa na Guiné-Conacri”, afirmou o então comissário para a Paz e Segurança da organização, Ramtane Lamamra. E é sempre assim. Essas organizações acompanham sempre de perto mas, é claro, a uma distância que permita dar corda aos sapatos.
“Constatamos que o esquema constitucional não foi respeitado, não estando prevista na Constituição a entrega do poder a um membro das forças armadas”, afirmou o alto responsável. Brilhante. Mas… nada a fazer, não é?
“Da mesma forma, a duração do período de transição está estipulado pela Constituição, sendo este de dois meses, e não de dois anos”, adiantou Lamamra. Se a atitude é anticonstitucional, para quê chamar à ribalta a questão dos dois meses, dois anos, vinte anos?
“Todos estes elementos indicam que a Guiné-Conacri se encontra num quadro anticonstitucional. São estes os elementos que o Conselho de Paz e de Segurança (CPS) da UA terá que examinar no seu encontro” em Adis Abeba, Etiópia, sede da UA, disse. E depois de analisar, a UA vai continuar a acompanhar de perto…
“Mas podemos supor que a UA manterá a sua posição de rejeitar este esquema”, avançou, recordando as “exigências da declaração de Lomé e dos actos constitutivos da” da UA.
A declaração de Lomé proíbe golpes de Estado em África, o mesmo sucedendo com os Actos constitutivos da UA, aprovados em 2001.
Isso de em África proibir golpes de Estado por decreto não lembraria nem ao menino Jesus. Está no entanto, consagrado. É mais ou menos como proibir que a seguir à noite venha o dia. Mas o que é que se há-de fazer?
Na sequência de uma reunião do CPS, a UA ameaçou os militares golpistas, na Guiné-Conacri, de avançar com sanções “firmes” se viesse a ser concretizado um golpe de Estado.
Mas como ele se concretizou, certamente que a UA vai rever a sua posição e considerar que são bestiais os que na véspera eram umas bestas.
Folha 8 com Lusa