Oficiais generais e subalternos reformados das Forças Armadas de Angola pediram hoje a intervenção do Presidente da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, e ex-ministro da Defesa, general João Lourenço, para liquidar a dívida do Estado, avaliada em 130 mil milhões de kwanzas (162 mil milhões de euros), admitindo manifestarem-se “nus” até ao Palácio Presidencial.
Os oficiais generais, superiores, capitães e subalternos reformados de Angola queixam-se de cortes nas suas pensões de reforma e nos subsídios de empregadas domésticas desde 2009, afirmando estar atirados à sua sorte e sem quaisquer meios de subsistência para as famílias.
A “indignação” dos ex-oficiais angolanos na reforma, viúvas e órfãos foi apresentada hoje à imprensa numa denúncia pública onde espelham o quadro “crítico e dramático” em que se encontram os mais de 1.600 membros associados.
Mais de 300 pessoas, entre oficiais reformados, viúvas e órfãos, “agastados com a situação”, participaram no encontro, que decorreu hoje nas instalações da antiga Feira Popular de Luanda.
O presidente da Associação dos Oficiais Generais, Superiores, Capitães e Subalternos Reformados de Angola, José Alberto “Limuqueno”, pediu “encarecidamente”, na ocasião, a intervenção do Presidente para a liquidação da dívida por grau de patente.
Para o brigadeiro de 65 anos, reformado compulsivamente em 2004, a penalização de que dizem ser alvo tem origem no decreto-lei 16/94 de 10 de Agosto que, de “forma injusta”, salvaguarda apenas pensões para quem tenha 30 anos nas Forças Armadas Angolanas (FAA).
“Os descontos que nos são feitos são incalculáveis e mergulhámos todos em pobreza extrema por não termos 30 anos das FAA, que foram fundadas em Outubro de 1992. Elas [as FAA] não têm nada ver connosco por que já éramos militares antes das FAA”, disse.
Segundo o oficial na reforma, os cortes nas pensões e nos subsídios para empregadas domésticas tiveram início em 2009 e há 11 anos que os associados são “penalizados” com cortes mensais entre os 70.000 (87 euros) e 200.000 kwanzas (245 euros). A dívida total acumulada, disse, está avaliada em 130 mil milhões de kwanzas (162 mil milhões de euros).
“É triste e vergonhoso, essa pensão de reforma que nos cortaram está a criar um descontentamento de grande envergadura, estamos todos agastados, a pobreza está a tomar conta de todos”, lamentou.
“Estamos a andar a pé todos os dias, não temos direito a meios de transporte, casa, alimentação… Há colegas nossos que estão no contentor de lixo à procura de comida, o sofrimento é demais, está a tomar contornos altamente complicados”, frisou.
O brigadeiro “Limuqueno” deu conta igualmente de que, em 2015, o anterior Presidente, José Eduardo dos Santos, havia orientado as estruturas afins para liquidarem a dívida, mas até ao momento o quadro não se alterou, pedindo agora a intervenção de João Lourenço.
“Pedimos encarecidamente ao Presidente João Lourenço, comandante em chefe das FAA, que ordene ao executivo para pagar o nosso dinheiro de acordo à patente de cada um para podemos sobreviver com dignidade”, sublinhou.
“Várias manifestações” de protesto foram suspensas nos últimos anos, inclusive a última, agendada para 7 de Novembro de 2020, sob “promessa das autoridades” de pagarem a dívida, mas tal não foi cumprido.
“Se o mês de Janeiro terminar e não nos pagarem o dinheiro, dia 20 ou 21 de Fevereiro vamos sair à rua, a temperatura está a subir. Se o camarada Presidente [João Lourenço] não pagar o nosso dinheiro pode contar connosco no Palácio Presidencial”, assegurou.
A “situação dramática” porque passam os oficiais generais na reforma em Angola foi também reiterada por Bernardo Miguel, brigadeiro reformado, que atribui “culpas” ao Presidente angolano, João Loureço, pela penúria a que dizem estar submetidos.
Isabel Luís, viúva de um ex-coronel, pediu também a “benevolência” do Presidente para a resolução das suas inquietações, referindo que está com os filhos fora do sistema de ensino e o “lixo, muitas vezes, é o recurso dos pequenos para a alimentação”.
“Só pedimos pelo menos para que estas pobres viúvas possam ser atendidas e, caso não nos atenderem, vamos até ao Palácio sem roupa, com sacos amarrados ou mesmo nuas”, atirou.
“Triste” por não estar a receber, há dois, a “diminuta” pensão de reforma em nome do marido falecido, está a viúva Celeste Pedro António, 54 anos, pedindo igualmente a reposição dos seus direitos.
Um pagamento parcial da dívida também é defendido pelos oficiais generais, superiores, capitães e subalternos na reforma, que não aceitam o “argumento da crise internacional ou da Covid-19” para a solução dos seus problemas.
Recorde-se que, em Abril de 2020, o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente, general Pedro Sebastião, pediu atenção à Caixa de Segurança Social das Forças Armadas na adequação permanente das condições de assistência aos oficiais reformados e pensionistas.
Em Junho de 2018, o Governo anunciou que iria permitir, excepcionalmente, até 2023, a reforma dos militares com pelo menos 45 anos de idade e 25 de serviço, segundo a proposta de lei de Bases das Carreiras dos Militares das Forças Armadas Angolanas. A proposta estava integrada num pacote legislativo de reforma das Forças Armadas Angolanas que aguardava por uma decisão há, na altura, quase 20 anos.
De acordo com a proposta de lei do Governo, que conta com 148 artigos e que revoga toda a legislação anterior, durante um período de cinco anos, contados a partir da data de entrada em vigor deste diploma, será “facultada a passagem à situação de reforma ao militar” que “cumulativamente” preencha ou venha a preencher, durante aquele período, duas condições.
Especificamente, poderá ser reformado a partir dos 45 anos de idade, desde que possua pelo menos 25 anos ao serviço de um dos ramos das Forças Armadas Angolanas. Após esse período, esta nova legislação prevê a reforma de oficiais entre os 50 e os 59 anos, e de sargentos entre os 55 e os 59 anos. Os generais podem reformar-se aos 65 anos ou atingido os 40 anos de serviço.
A legislação prevê a distribuição das Forças Armadas pelo Serviço Militar Obrigatório (dois a três anos), Quadro Miliciano (até oito anos) e Quadro Permanente, nos três casos para oficiais, sargentos e praças.
O tempo de serviço militar durante o período da guerra anticolonial é contado para efeitos de reforma, nesta proposta de lei.
Nos três ramos das Forças Armadas, Angola conta actualmente com cerca de 150.000 efectivos militares, segundo dados do Governo.
Folha 8 com Lusa
Foto: Lusa