FOME, FOME, FOME, FOME

Um relatório do Governo angolano sobre a situação da insegurança alimentar e nutricional aguda em três províncias do sul (fome em bom português) concluiu que 1,32 milhões de pessoas estão bastante afectadas, e que até Março de 2022 pode chegar aos 1,58 milhões. Não são dados relativos…

Os dados constam do relatório realizado pelo Departamento Nacional de Segurança Alimentar, da Direcção Nacional de Agricultura e Pecuária (DNAP), do Ministério da Agricultura e Pescas nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe, entre Março e Maio de 2021, com inquérito em 17 municípios.

O documento, datado de Agosto, tem (teria, terá) como objectivo apresentar os resultados da análise da Classificação das Fases de Insegurança Alimentar (IPC) e de desnutrição aguda causadas pela seca e outros factores externos.

“Os resultados permitiram concluir que 1,32 milhões de pessoas enfrentam uma situação de insegurança alimentar aguda alta”, refere o relatório, indicando que este número corresponde a 49% da população “que carece de uma intervenção urgente”.

“Insegurança alimentar aguda alta” é um primor linguístico para gozar com a chipala dos matumbos (todos nós, o Povo) e relativizar o que de facto se passa com os que ainda estão vivos: fome. Muitos outros não contam para esta estatística pois quando estavam quase, quase mesmo, a saber viver sem comer… morreram.

Um quadro resumo divide a situação por fases, tendo a primeira 31.260 pessoas em segurança alimentar, a segunda 820.998 pessoas em situação de ‘stress’, a terceira 1.008.245 de pessoas em situação de crise, a quarta 307.288 pessoas em situação de emergência, e a quinta fase zero pessoas em situação de catástrofe.

A projecção para o período entre Outubro de 2021 e Março de 2022, aponta na primeira fase um número de 482.825 pessoas em segurança alimentar, a segunda com 638.303 pessoas em situação de ‘stress’, a terceira com 1.167.337 pessoas em situação de crise, a quarta com 416.660 pessoas em situação de emergência, e a quinta fase zero pessoas em situação de catástrofe.

O documento realça que a seca observada nos últimos dois anos agrícolas, o contexto de crise económica desde 2014, o aumento do custo de vida e a crise pandémica da Covid-19, desde Março de 2020, resultaram no actual contexto de insegurança alimentar aguda nas três províncias. Não seria de incluir também as acções socialmente terroristas da UNITA, de Savimbi, de Adalberto da Costa Júnior, dos colonialistas portugueses, dos descendentes de Diogo Cão?

De acordo com o relatório, a escassez de colheitas afectou gravemente o acesso das pessoas aos alimentos na região sul de Angola, com forte vocação agro-pecuária, agravando o estado nutricional da população. População que, refira-se, antes de morrer estava… viva.

“Com a tendência de redução acelerada das reservas alimentares, a situação tende a evoluir para o nível de crise alimentar, como revelam os dados apresentados no quadro”, alerta o documento, que acrescenta: “A assistência humanitária, até à próxima colheita, é uma acção necessária para evitar o agravamento da insegurança alimentar aguda das comunidades”.

Com 34% da população em IPC Fase 3 (crise) e 11,4% em IPC Fase 4 (emergência), as pessoas nesta situação, realça o relatório, “enfrentam dificuldades no acesso aos alimentos, ou apenas conseguem satisfazer as suas necessidades alimentares mínimas, com recurso a estratégias de crise e/ou de emergência”. E, 46 anos depois do MPLA ter comprado Angola, esses cidadãos nem direito têm a peixe podre ou fuba podre.

A escassez de chuvas e efeitos recorrentes da seca, que reduziram significativamente a produção agrícola, a principal fonte de alimentos dos agregados familiares das zonas rurais, e causou perda de animais por falta de pasto e água, o aumento generalizado dos preços dos alimentos e a praga de gafanhotos em algumas comunidades são igualmente apontados como alguns dos factores da actual situação.

“Para os meses de Outubro de 2021 a Março de 2022, esse número poderá subir para 1,58 milhões de pessoas, em situação de insegurança alimentar aguda, o que corresponde a 58% da população dos 17 municípios inquiridos”, dos quais 42,9% na fase de crise e 15,3% em fase de emergência, destaca o documento.

“Com a agravante, que esses são meses de escassez alimentar, caracterizados pelo aumento dos preços no mercado interno, sendo que a próxima colheita agrícola apenas se inicia em Março de 2022, caso haja regularidade de chuvas”, frisa o relatório.

O documento salienta que a insegurança alimentar está presente em todos os municípios, mas alguns têm maior prevalência da população em crise ou emergência, nomeadamente Cahama, Curoca e Namibe (Cunene), Gambos (Huíla), Virei e Camucuio (Namibe), com mais de 60% da população total nas fases três e quatro (crise e emergência), no período entre Julho e Setembro de 2021.

“Embora os municípios referidos anteriormente mantenham maior gravidade no período de projecção, coincide com a época de escassez, os 17 municípios terão que ser apoiados e monitorizados adequadamente até Março de 2022, para evitar maior deterioração da situação de insegurança alimentar aguda das comunidades”, aponta o relatório.

No que se refere à desnutrição aguda (fome), a metodologia de análise IPC indica que em 10 municípios elegíveis das três províncias 11.400 crianças, entre os 6 e 59 meses sofrem ou poderão vir a sofrer deste mal nos próximos 12 meses e necessitarem de tratamento.

“Em termos de gravidade da situação, no período entre Abril e Setembro (…), correspondente à época em que foi realizado o inquérito, os municípios da Humpata e da Jamba (Huíla) e da Bibala e Moçâmedes (Namibe) foram classificados em situação grave (Fase 3 de IPC, desnutrição aguda)”, lê-se no relatório.

Já os municípios de Cuanhama e Cuvelai (Cunene), da Chibia e Quilengues (Huíla) e Camucuio (Namibe) foram classificados na fase de alerta (Fase 2 de IPC, desnutrição aguda), sendo o município de Namacunde (Cunene) o menos afectado e classificado na fase aceitável (Fase 1 de IPC, desnutrição aguda).

Monangambé do MPLA

Aquela roça grande
continua a não ter chuva
é o suor de outros rostos
que rega as plantações;

Aquela roça grande
ainda tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas de outro sangue
feitas seiva.

O café vai ser torrado,
pisado, torturado,
continua a ser negro,
negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que já não cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:
Quem se levanta cedo?
Quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta kwanzas
“porrada se refilares”?

Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?

– Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de outros pretos
para os motores?

Quem faz o MPLA prosperar,
ter barriga grande
– ter dinheiro?

– Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

– “Monangambééé…”

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer diluído
nas minhas bebedeiras.

Nota: Poema original de António Jacinto. Monangambé (O contratado) eram angolanos negros contratados para trabalhar nas roças dos brancos, na era colonial. Hoje são angolanos negros contratados para trabalhar nas roças dos negros donos do poder.

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