FOI OU NÃO ASSIM, PRESIDENTE JOÃO LOURENÇO?

O partido no poder em Angola há 46 anos, no seu papel de virgem ofendida, denuncia a existência do que chama de “inúmeras campanhas de mentiras e difamação que visam atingir a imagem do MPLA, a honra e o bom nome dos seus dirigentes”. Provavelmente a começar no seu herói nacional, Agostinho Neto, o assassino responsável pelo massacre de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977.

Na denúncia, lamento, acusação, vitimização feita em comunicado, o Bureau Político do MPLA acusa “diferentes meios de comunicação, com mais incidência nas redes sociais”, como sendo os veículos de tais campanhas.

A denúncia foi feita no final de uma reunião ordinária daquele órgão do partido que aprovou a agenda do VIII Congresso do partido e aprovou (para espanto de todos e como prova da sua forte “democracia”) a candidatura de João Lourenço ao cargo de Presidente do MPLA.

Para o partido no poder, o Congresso “constitui uma plataforma política para reforçar a união e a coesão dos militantes, simpatizantes e amigos do partido em torno da liderança do camarada Presidente, João Lourenço, tendo em perspectiva vencer os desafios políticos eleitorais”. Quem diria?

O Bureau Político fez saber que durante o encontro, orientado pelo seu líder, João Lourenço, reafirmou “o modelo de desenvolvimento sustentável adoptado pelo Partido para Angola, assente na maior inclusão dos angolanos nas oportunidades económicas e no aprofundamento da cidadania participativa em prol do desenvolvimento harmonioso do país”.

O MPLA, qual virgem (de esquina de estrada) ofendida, continua igual ao que sempre foi, se bem que em termos de equidade social José Eduardo dos Santos tinha razão quando, entre amigos, fez o seu “mea culpa” ao dizer que “depois de mim virá quem de mim bom fará”.

De facto, João Lourenço continua a preferir ser assassinado pelo elogio do que salvo pela crítica. Pode, contudo, estar descansado. Não será o Folha 8 a “assassiná-lo”. Para inglês ver, o Presidente até condecorou algumas personalidades da sociedade, casos – entre outros – de Rafael Marques e Luaty Beirão. Ou seja, recebeu críticos do anterior governo (do qual, aliás, foi figura de destaque) para, numa eficaz campanha de marketing, dizer: “Estão a ver, até eles concordam comigo”.

É claro que, sendo forte com os fracos, João Lourenço continua no essencial a seguir o ADN do partido que o formou e formatou, desencorajando “as tentativas de provocar distúrbios e instabilidade”, por aqueles que têm “um historial de destruição e desordem no país”.

Até chegar ao Poder, João Lourenço (como todo o MPLA) tinha um inimigo que lhe tirava o sono, mesmo não passando de um fantasma: Jonas Savimbi. No entanto, descobriu que – pelo sim e pelo não – era urgente encontrar um bode expiatório vivo para os possíveis (e são cada vez mais) fracassos, para a descoberta de muitos dos seus telhados de vidro, para justificar junto do Povo, mas sobretudo da comunidade internacional que lhe empresta milhões, a razão pela qual a montanha vai parir um rato.

E então quem melhor do que a família Dos Santos (que ele próprio reverenciava num paradigmático culto canino) para “desempenhar” esse papel? Sendo o patriarca já um ancião, João Lourenço elegeu os seus filhos, dando especial relevo a Isabel dos Santos que, mais a nível internacional, tem demonstrado que o réu vai nu e que quem nasce minhoca nunca chegará, mesmo com a estrelas de general, a ser jibóia.

João Lourenço passou a contar com novos aliados na sua suposta senda de justiceiro. Todos (ou quase) os que criticaram (desculpem a imodéstia, mas nesta matéria de críticas o Folha 8 está no pódio e mantém-se onde sempre esteve) José Eduardo dos Santos por décadas de actividades cleptocráticas estão agora rendidos a João Lourenço. Para estes, quem roubou uma vez é ladrão para sempre, e quem ficou a proteger o ladrão é um herói. E no rol de crimes figuram todos os roubos, mesmo os que não cometeu, mesmo os que o não foram por estarem respaldados na lei.

Isabel (dos Santos) passou a ser sinónimo de crime pela mão do “juiz” João Lourenço. “Juiz” que antes foi vice-presidente do MPLA, ministro de Dos Santos, propagandista da capacidade do “arquitecto da paz” e do “escolhido de Deus”.

O Folha 8 foi dos que mais criticou Isabel dos Santos. Continuaremos a faze-lo se existir matéria de facto para isso. Mas se ladrão tanto é o que entra no galinheiro como o que fica à porta, quantas vezes o justiceiro João Lourenço, enquanto vice-presidente do MPLA, enquanto ministro, enquanto alto dirigente do partido, ficou à porta e beneficiou do produto do roubo?

Seria para nós fácil continuar a culpar Isabel dos Santos, tornando-a o único bode expiatório dos enormes crimes cometidos em Angola em dezenas de anos, branqueando os principais responsáveis. Para além de fácil dar-nos-ia milhões de felicitações por parte de João Lourenço.

Isabel dos Santos, enquanto empresária, chegou a ameaçar levar o Estado angolano a tribunal, depois da decisão do Presidente João Lourenço de anular contratos milionários que tinham sido entregues a empresas suas pelo ex-presidente do país, o seu pai José Eduardo dos Santos.

Convenhamos que Isabel dos Santos é suficientemente inteligente para saber que os tribunais angolanos, nesta como noutras matérias, se limitam a encontrar matéria de facto que consubstancie o veredicto que lhe seja ditado antes mesmo de analisar qualquer queixa. Era assim no tempo do seu pai, é assim agora no tempo de João Lourenço.

Mais do que levar o Estado (isto é, o MPLA) a tribunal, Isabel deveria contar-nos (em livro, para o qual já tem matéria mais do que suficiente, por exemplo) tudo o que sabe da promiscuidade criminosa entre dirigentes do partido/Estado/Governo, entre o seu pai e João Lourenço, os acordos firmados, o papel dos serviços de informação etc. etc..

Onde estão as cópias dos dossiers sobre o actual Presidente da República, uma espécie de “Paradise Papers of João Lourenço”?

Certo é que quando se perde o Poder a maioria dos acólitos saltam a barricada. Não serão muitos, mas ainda são relevantes, os que consideram que as decisões em catadupa tomadas pelo Presidente da República, João Lourenço, são uma caça às bruxas no MPLA e uma lavagem da sua imagem, quase parecendo que ele nada tem a ver com o MPLA e que só em 2017 chegou à política angolana.

Isabel dos Santos não gostou, por exemplo, da anulação do contrato de construção do Porto da Barra do Dande, orçamentado em 1500 milhões de dólares, que tinha sido atribuído a uma empresa sua, por decisão do seu pai mas, é claro, apoiada sem hesitações por… João Lourenço, enquanto vice-presidente do MPLA e ministro. Foi ou não assim, Presidente João Lourenço?

O Estado/MPLA também anulou o contrato de compra e venda de diamantes brutos que a empresa pública angolana Sodiam tinha com a Odyssey Holding, outra sociedade da empresária que tem sede nos Emirados Árabes Unidos. Outra sociedade “politicamente subscrita e caucionada” por Dos Santos e João Lourenço. Foi ou não assim, Presidente João Lourenço?

Enfim. Nada nesta novela espanta. Espanta, isso sim, o êxito da estratégia de João Lourenço que, com algumas jogadas de mestre, conseguiu trazer para o seu lado da barricada muitos, quase todos, jornalistas que – tanto quanto parece – só têm por missão acertar (agora que está prostrado) contas com o clã Eduardo dos Santos, mesmo que tenham de violar a sua mais importante missão: a verdade.

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