Fartura de fome e de… monumentos

O ministro da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria, João Ernesto dos Santos “Liberdade”, anunciou na cidade do Lubango, província da Huíla, a inauguração, para breve, do Monumento de Cassinga. “A inauguração do Monumento de Cassinga vai traduzir, na prática, os anseios das populações pela liberdade e independência”, afirmou o ministro.

Vejamos o que, sobre o Monumento aos Mártires de Cassinga, nos diz o mais credível jornal de propaganda do MPLA, o Pravda. Assim, “numa zona coberta de árvores do tipo mumue, jaracandá, figueira e eucaliptos, estão os dois túmulos onde jazem os restos mortais de mais de 700 pessoas que morreram no massacre ocorrido a 4 de Maio de 1978, na localidade de Cassinga, município da Jamba, província da Huíla”.

“Num ambiente de respeito com cânticos e hinos de glória, as delegações angolanas e namibiana homenagearam no local as vítimas, no âmbito dos 39 anos da ocorrência do holocausto.

O lançamento da primeira pedra aconteceu em Maio de 2017 e foi feito, simultaneamente, pelo secretário de Estado do Ministério da Defesa Nacional, almirante Gaspar Rufino, e pelo ministro da Segurança e Protecção da República da Namíbia, Charles Namoloh.

A directora provincial da Cultura na Huíla, Marcelina Gomes, disse na altura que o lançamento da primeira pedra para a construção do memorial foi antecedido de um trabalho preliminar entre os dois países para a concretização do projecto.

A delimitação da área que se pretende como zona histórica é de 65.17 hectares, subdividida em duas partes em relação à estrada Tchamutete-Indungo: a parte oeste da estrada, com 26.57 hectares, compreende os dois túmulos, escombros de alguns edifícios das primeiras construções, tais como os postos administrativo e médico, escola, cadeias e casa dos sipaios e do comandante, bunker, escombros dos serviços administrativos, carcaças de automóveis, árvore histórica e a picada que dá acesso ao rio Colui.

Marcelina Gomes avançou que, na parte este da estrada, com 38.6 hectares, que compreende o Palácio, os seus anexos e o primeiro cemitério da comuna de Tchamutete, a administração municipal vai construir também vários empreendimentos.

“Cassinga constitui um marco histórico da colonização do leste, da província da Huíla, pois a instalação dos primeiros colonos portugueses data de 1884, constituindo-se no ponto de expansão portuguesa na região, com finalidade comercial, que posteriormente evoluiu para a descoberta e exploração dos recursos minerais, principalmente o minério de ferro”, explicou.

Em consideração a vários aspectos e à história do bárbaro massacre ocorrido no local, no dia 4 de Maio de 1978, acrescentou, deve ser classificada como zona histórica, para responder à proposta de construção do monumento em memória às vítimas dos massacres.

Marcelina Gomes disse que a maqueta do monumento é concebida entre os governos da República de Angola e da Namíbia. Acrescentou que se propôs que no memorial estejam incorporadas as palavras do “saudoso Presidente Dr. António Agostinho Neto”, de que “Na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta. Angola é e será por vontade própria trincheira firme da revolução em África.”

Marcelina Gomes disse que se vai recuperar as infra-estruturas que fazem parte do núcleo inicial da história da vila, preservando a sua forma original, criar-se um jardim à volta do monumento e dos túmulos e um espaço musealizado para conservação das carcaças de viaturas destruídas durante os bombardeamentos.

“Tendo em linha de conta que, com a construção destas benfeitorias, o local vai tornar-se num pólo de atracção turística, julgamos imperioso que, na projecção da administração municipal para o desenvolvimento da povoação, figure a construção de infra-estruturas hoteleiras e o centro cultural”, defendeu. O Governo namibiano propõe-se construir em Cassinga uma escola primária. Marcelina Gomes informou que foi sugerida à administração municipal a construção de uma escola do I ciclo do ensino secundário.

A qualidade de vida da população de Cassinga regista melhorias significativas, com a construção e funcionamento do posto de saúde, que atende diariamente entre 20 e 40 pacientes, como referiu o responsável do posto de saúde local, Baptista Cativa.

Na altura, Maio de 2017, a reportagem do Pravda constatou que a doença mais frequente na localidade é o paludismo e, para diminuir a incidência, as autoridades sanitárias distribuíram, durante o período compreendido entre Janeiro e Abril (desse ano), mais de dois mil mosquiteiros impregnados com insecticida.

Outra valência, referida pelo responsável do posto de saúde de Cassinga, é o abastecimento regular de medicamentos essenciais, e acrescentou que a unidade sanitária conta com o suporte de uma ambulância.

Baptista Cativa defendeu a colocação de mais técnicos de saúde para atenderem o número de pacientes que acorrem ao posto de saúde, que funciona apenas com um técnico e dois quadros administrativos.

A construção de cinco casas sociais na localidade de Cassinga alterou a configuração da localidade, que dispõe ainda de uma manga de vacinação e de um tanque banheiro para o gado bovino.

A colocação de um gerador com mais de 20 kva foi outra valência na localidade de Cassinga, que dista 450 quilómetros a leste da cidade do Lubango.

O administrador municipal da Jamba, Miguel Cassela, frisou que para Cassinga as autoridades administrativas projectaram ainda a construção de um novo centro de saúde, de um campo polivalente e um de futebol.

A construção de 60 casas e um projecto agro-pecuário em benefício de antigos combatentes e veteranos da pátria são outras valências para a localidade de Cassinga.“Vamos criar também uma cooperativa agro-pecuária e reconstruir a ponte sobre o rio Colui, destruída no dia 4 de Maio de 1978”, garantiu.

Na altura, o ministro da Segurança e Protecção da República da Namíbia, Charles Namoloh, destacou as boas relações existentes entre os dois países. O também co-presidente da Comissão Ministerial Bilateral para Construção do Memorial, em homenagem ao massacre de Cassinga, disse que a República da Namíbia tem uma dívida permanente para com o Governo e o povo de Angola, pelo sacrifício que sempre mostrou a favor da Independência da Namíbia.

Em Maio de 2016, Charles Namoloh chefiou uma delegação aquando da comemoração do 38º aniversário do massacre de Cassinga. Naquela altura, lembrou, “reiterei o compromisso do Governo da República da Namíbia de trabalhar com o Governo da República de Angola, para a construção de monumentos memoriais condignos para honrar os heróis e heroínas tombados no dia 4 de Maio de 1978 ”.

Nas vestes de co-presidente da Comissão Ministerial Bilateral deste projecto, orgulha-se por ter a oportunidade de estar presente na cerimónia de lançamento da primeira pedra, que oficialmente marca o começo da construção dos monumentos memoriais.

Os monumentos memoriais simbolizam a história dos mártires que sacrificaram as suas vidas pela independência de ambos os países e também fortificam os laços históricos de amizade e de solidariedade existentes entre os dois povos e nações. “Esta herança de libertação muito histórica vai servir de catalisador para as gerações vindouras, assim como à geração presente dos dois países”, garantiu, acrescentando: “estou imensamente agradecido por estar aqui com a minha delegação no lançamento da primeira pedra para a construção dos monumentos memoriais de Cassinga e Tchietekela.”

Parte da história, história em partes

A partir de 1976, os combatentes da SWAPO, por intermédio do Exército Popular de Libertação da Namíbia (PLAN; braço armado da SWAPO), viajavam regularmente para o sul de Angola por via rodoviária a partir de Huambo até Cassinga, uma vila mineira angolana abandonada, localizada a meio caminho da frente de batalha na fronteira com o Sudoeste Africano (actual Namíbia). A vila de Casinga tinha cerca de vinte edifícios que anteriormente serviam ao complexo mineiro de Cassinga, como armazéns, acomodações e escritórios.

Um grupo de guerrilheiros do PLAN, liderados por Dimo Hamaambo, ocupou Cassinga e, algumas semanas depois, começaram a usá-la como ponto de trânsito de refugiados. Segundo Charles “Ho Chi Minh” Namoloh e Mwetufa “Cabral” Mupopiwa, que acompanhavam Hamaambo no início do processo de ocupação da vila, os primeiros habitantes da Namíbia em Cassinga eram inteiramente de combatentes treinados do PLAN. Pouco depois do estabelecimento do campo do PLAN em Cassinga, começou a funcionar também como um campo de triagem para os exilados da Namíbia. O governo angolano atribuiu a vila abandonada à SWAPO em 1976, para fazer face ao afluxo de milhares de refugiados do Sudoeste Africano, estimado em Maio de 1978 num total de 3.000 a 4.000 pessoas.

Dois dias antes do ataque sul-africano, o Unicef informou sobre um campo “bem administrado e bem organizado”, mas “mal equipado” para lidar com o rápido aumento de refugiados no início de 1978. Os cubanos, que montaram uma base na vizinha Chamutete quando intervieram na guerra em 1975, forneceram apoio logístico à administração da SWAPO em Cassinga.

De acordo com a inteligência da SADF (Força de Defesa da África do Sul), “o planeamento logístico e o fornecimento de suprimentos, armas e munição para insurgentes operando na região central e leste foram realizados a partir de Cassinga”, informação que eles teriam conseguido com um suposto militante do PLAN que havia sido capturado, que tinha o o nome de guerra “Moscovo”.

No início de 1978 a SWAPO melhorou a sua organização e ganhou força sobretudo na faixa de Caprivi, enquanto que a UNITA estava sob pressão do MPLA, tornando cada vez mais difícil para a SADF operar no sul de Angola.

O ataque a Cassinga surgiu do plano da Operação Bruilof, em que a SADF previa atacar seis alvos da SWAPO ao redor da vila de Chetequera. A SADF concluiu que a pequena vila de Cassinga era o principal centro médico, de treino e controlo das guerrilhas na região, e uma das duas sedes regionais da SWAPO (o outro era no Lubango).

A SADF ainda detinha a superioridade aérea sobre Angola na época, permitindo que 12 esquadrões realizassem o reconhecimento aéreo de fotos com aeronaves Canberra B12 na primavera de 1978. Essas fotos mostravam infra-estruturas militares recém-construídas, incluindo búnqueres para veículos de combate blindados, estradas, trincheiras em ziguezague em torno da base, trincheiras para metralhadoras/equipas de morteiro – e a estrutura de base em betão em forma de estrela altamente característica para uma bateria de mísseis SAM-3 e os seus veículo de radar/comando.

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