Vários cidadãos angolanos manifestaram-se agastados com o cenário de enormes filas nas caixas automáticas, em Luanda, situação que se verifica todos os meses, por altura do pagamento dos salários à função pública. A EMIS – Empresa Interbancária de Serviços, que gere a rede Multicaixa, diz que se trata de uma questão de logística da responsabilidade dos bancos.
As pessoas ouvidas pela agência Lusa apelaram às autoridades para que resolvam a situação, que consideram “um sofrimento” para o povo angolano e “uma falta de respeito” para com os clientes dos bancos.
Lenin Jerónimo, que se deslocou na quarta-feira a um terminal “Multicaixa” para levantar algum dinheiro, relatou que desde segunda-feira tem enfrentado dificuldades, devido às enchentes nas caixas automáticas (ATM).
“Estive neste mesmo ponto e estava muita enchente na vez passada e hoje repete-se o mesmo”, disse Lenin Jerónimo, questionando o que estará na base do problema.
“Também não sei o que se passa, ninguém diz nada e estamos aqui nesse sofrimento. Tem pessoal que sai do trabalho para conseguir levantar algum dinheiro e não consegue”, lamentou, salientando que na segunda-feira chegou às 12:00 e só às 16:00 conseguiu levantar o dinheiro, “graças a Deus”.
Por sua vez, Marcial Barros, vendedor ambulante, realçou que as enchentes coincidem com a altura em que os funcionários públicos recebem os seus salários.
“Quando chega esta fase, as filas nos ‘multicaixas’ são constantes, a pessoa é capaz de ficar de 40 minutos a uma hora à espera do levantamento. Há muita gente e chega a uma fase em que o sistema bancário cai e muitos saem daqui chateados”, frisou.
Segundo Marcial Barros, “no sábado passado, a cidade de Luanda ficou sem dinheiro nos ‘caixas’, e era muita gente de cima abaixo [à procura de dinheiro], parecia uma guerra”.
Para o vendedor, os bancos deviam usar um outro método para resolver o problema da população, tendo em conta que nos balcões existe um limite de levantamento diário até 100.000 kwanzas (132 euros).
“Então muitos levantam esse valor no balcão e recorrem aos ‘multicaixas’ para suprirem as suas necessidades”, acrescentou.
Eduardo António, visivelmente agastado com a situação, considerou que o problema “tem sido constante” e “um grande transtorno”.
“Sempre que termina o mês, que os salários são depositados nas nossas contas, para retiramos 1.000 kwanzas apenas é difícil”, referiu, porque as pessoas dirigem-se a um ATM e deparam-se com caixas sem dinheiro ou fora de serviço.
“É necessário percorrer tantos quilómetros, 10 ou 15, à procura. Vais para ali não tem, vais a outro não há, acabas exausto e sem um kwanza”, criticou.
A situação, acrescentou Eduardo António, tem causado até problemas a nível laboral, já que muitas vezes as pessoas têm falta devido ao tempo que demoram fora dos seus postos de trabalho.
“Para nós, que somos funcionários públicos, temos que pedir aos chefes para dispensar por 10 a 15 minutos para ir ao ATM, acabamos por fazer duas a três horas, e depois encontramos uma falta”, exemplificou, lamentando igualmente a falta de explicações de quem de direito sobre o que se passa.
“É que ninguém diz nada, está todo o mundo caladinho, não sei qual a melhor forma que têm de usar para facilitar a vida do cidadão”, disse.
De acordo com Eduardo António, as aglomerações que se verificam nos ‘multicaixas’, visíveis em toda a capital angolana, vão contra os apelos que as autoridades sanitárias têm feito para prevenção da covid-19.
“Imagina que temos tido apelos para evitar as aglomerações, mas eles fazem com que isso aconteça, encontras enchentes de 50 a 100 pessoas. Como evitar as aglomerações? É impossível. Alguma coisa tem de ser feita”, frisou.
Joaquina Lourenço deslocou-se também na quarta-feira a um multibanco para um levantamento, depois de já ter tentado durante o fim de semana e nos últimos dois dias.
“Tem ocorrido sempre nos finais dos meses, quando há pagamentos de salários, há constrangimentos para as pessoas que têm os salários nos bancos para levantarem o seu dinheiro”, opinou.
Para a funcionária pública, isto é “uma falta de respeito com o cliente do banco”, que se vê obrigado a deslocar-se de um bairro para outro.
“Há casos em que é necessário mesmo apanhar um táxi. Eu vivo no [bairro] Prenda e já girei o Prenda todo, o Zamba II, para chegar até aqui no [Largo] Primeiro de Maio para fazer levantamento de valores. Tem acontecido sempre, todos os finais dos meses”, indicou.
Joaquim Caniço, administrador executivo da EMIS – Empresa Interbancária de Serviços, que gere a rede Multicaixa, adiantou à Lusa que não têm havido anomalias no funcionamento das caixas, pelo que se trata de uma questão de logística da responsabilidade dos bancos.
“A EMIS, na qualidade de gestora da rede Multicaixa, tem a responsabilidade pelo seu bom funcionamento e segurança. A logística pelos carregamentos de notas e papel é dos bancos, não obstante haver protocolos de monitoramento entre estes e a EMIS no sentido de conhecer-se e informar o estado de disponibilidade de cada caixa automático num determinado momento”, justificou.
O responsável da EMIS salientou que a procura por numerário acentua-se no final de cada mês devido aos pagamentos dos salários e pensões, e consequentemente, os esforços de logística dos bancos.
“Convém recordar que o caminho não é esse, mas sim o dos pagamentos electrónicos, embora se reconheça que sempre haverá utilização de numerário. O que se pretende é que venha ser em menor escala que a actual”, salientou.
A Lusa dirigiu várias questões ao Banco Nacional de Angola (BNA), mas não obteve resposta até ao momento.
No entanto, o BNA divulgou na quarta-feira à noite, no seu ‘site’, uma informação relativa ao uso alargado dos cartões da rede Multicaixa para pagamentos, realçando que este tem sido crescente.
“Entretanto, tem sido recorrente no final e início de cada mês, por altura do pagamento de salários, a concentração de cidadãos junto dos balcões da rede comercial bancária para consulta de saldos de conta e levantamento de numerário”, indica o BNA, acrescentando que no actual contexto de pandemia devem ser observados cuidados adicionais e apelando, sempre que possível, a que se evite a ida ao banco nos dias imediatamente a seguir ao de pagamento de salários.
“O movimento junto dos bancos comerciais é particularmente intenso na última e primeira semana de cada mês”, destaca.
Além de recomendar o uso do cartão multicaixa para pagamentos em estabelecimentos comerciais, o BNA aconselha os comerciantes a instalarem terminais de pagamento automático, tendo sido facilitado o acesso para pequenos comerciantes, através da ‘Conta Simplificada para Fins Comerciais’.
O BNA insta também os bancos “com limitada capilaridade” a contratarem ‘Agentes Bancários’ para apoiar necessidades de levantamento de pequenos montantes.
Empresa Interbancária de Serviços (EMIS) gere o multicaixa angolano, a rede interbancária do país e tem como missão contribuir para a massificação do pagamento electrónico em Angola e para a eficiência geral do sistema de pagamentos angolano, garantindo segurança, eficácia, comodidade e inovação, ao menor custo possível.
Pedro Puna, presidente do Conselho de Administração, afirma que “são deveras significativos os avanços que a EMIS vem somando ano após ano, situando-se hoje nos lugares cimeiros do ranking das empresas homólogas a nível não só da SADC mas do Continente africano em geral”.
“O exercício de 2019 fica marcado pela entrada em serviço do novo canal interbancário MULTICAIXA Express, que constitui um dos projectos de maior sucesso que a nossa empresa já desenvolveu e que vem registando uma grande aceitação por parte da clientela bancária. A migração do cartão MULTICAIXA para a norma EMV teve também o seu efectivo arranque neste ano de 2019 e constitui um passo fundamental para reforçar a resistência à contrafacção deste importante instrumento de pagamento”, refere Pedro Puna na mensagem colocada no site da empresa, acrescentando que “é também de registar a conclusão do Sistema de Débitos Directos e substancial avanço feito no Gateway de Pagamentos Online, uma iniciativa fundamental para dinamizar o comércio electrónico no nosso país”.
“A EMIS tem como fundamento o aproveitamento do efeito de escala. Nos últimos cinco anos o crescimento do negócio em unidades físicas foi da ordem dos 170% enquanto a inflação acumulada no mesmo período ultrapassou os 180%. Isto significa que os ganhos de escala da sociedade foram consumidos pela inflação. No mesmo período de cinco anos o tarifário da empresa aumentou cerca de 20%. Neste quadro, o autofinanciamento nos últimos cinco anos foi bastante sacrificado, o que afectou a capacidade de investimento. Essa redução no investimento não teve ainda consequências graves no negócio, mas não poderá manter-se por muito tempo, sob risco de deterioração dos níveis de serviço”, refere o presidente do Conselho de Administração.
Pedro Puna afirma também que, “apesar dessa envolvente macroeconómica pouco favorável, o movimento transaccional na rede MULTICAIXA continuou a crescer e situou-se nos 26% com relação ao ano transacto, tendo o exercício fechado com volume transaccional de 570 milhões de transacções financeiras no subsistema de cartões. No final do Exercício ora em análise, devidamente validado pela auditoria externa, a EMIS apresentou um resultado final de Kz 927 mil milhões de Kwanzas cuja aplicação obedecerá aos estatutos da sociedade”.
Apesar de afirmar que “cumprimos com rigor os nossos compromissos e prestamos contas de forma regular e transparente”, refira-se que, no site da EMIS, o último relatório e contas publicado refere-se a 2019.
Folha 8 com Lusa