A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, entende que “ainda não estão criadas as condições” para que os angolanos façam prova de capacidade eleitoral apenas com base no bilhete de identidade, como pretende o MPLA, e anunciou hoje propostas alternativas.
“O regime concebeu duas novas leis para alterar as regras eleitorais e garantir a manutenção do poder”, acusa UNITA num comunicado hoje divulgado, referindo-se às propostas de alterações apresentadas pelo MPLA, o partido no poder há quase 46 anos, às leis do Registo Eleitoral Oficioso e da Lei Eleitoral para discussão e aprovação, mais do que garantida pela maioria dos autómatos que o MPLA tem no Parlamento.
O principal partido da oposição angolana sustentou que a proposta de lei do MPLA “quer excluir do registo aqueles que não têm bilhete de identidade”, mas entende que “ainda não estão criadas as condições que permitem que todos os angolanos votem só com base no bilhete de identidade”.
“Mesmo lá onde existem instalações dos serviços de Identificação Civil nem toda a gente vai ter bilhete de identidade em tempo útil” para as eleições gerais em 2022, avisou a UNITA no mesmo texto. Isto, acrescente-se, se o MPLA entender que teremos eleições em 2022. E esse entendimento depende de o partido liderado por João Lourenço saber, antes das eleições, qual será a percentagem da sua vitória.
“Não conseguiram em 2010, não conseguiram em 2017, e agora, em 2021, as dificuldades continuam, por isso, defendemos que ainda devem ser feitas campanhas massivas de registo presencial e de actualização da residência das pessoas para que todos tenham também o cartão de eleitor”, propõe o partido do Galo Negro, anunciando que apresentará à Assembleia Nacional propostas de alterações legislativas alternativas às do MPLA.
É claro que o MPLA está disposto a aceitar as alterações sugeridas pela UNITA desde que… E desde que significa… Desde que continue a ser o vencedor e – mais do que isso – saiba de forma inequívoca e antecipada os resultados.
“Assim, todos poderão votar, ou com o bilhete de identidade ou com o cartão de eleitor”, sublinhou a UNITA, apelando a que o Parlamento do MPLA agende para discussão as propostas de lei que hoje a UNITA apresentou com “a mesma celeridade com que foram agendadas as propostas dos (…) colegas do MPLA”.
A UNITA afirma ainda que “milhares de angolanos foram excluídos do processo eleitoral em 2012 e em 2017 por causa de alegados erros na base de dados do registo eleitoral” e que esses erros “ainda não foram corrigidos”.
“Só poderão ser corrigidos se o Governo publicar estes dados com antecedência”, sustentou o partido da oposição, recordando que “a lei manda que todos os anos o Governo envie estes dados à Comissão Nacional de Eleições (CNE) até Novembro”. Mas, convenhamos, para quê mandar dados à CNE se esta é uma sucursal (por sinal das mais caninas) do MPLA?
Ora, “desde as eleições de 2017, já se passaram quatro anos e, pelo que sabemos, o Governo nunca enviou estes dados à CNE. Se enviou, seria bom tornar público para que os cidadãos possam confirmar se a sua área de registo corresponde de facto ao local de sua residência habitual e não a outra qualquer”, afirma-se no comunicado.
Por isso, e neste contexto, a UNITA está a propor na lei que seja aberto um período especial, de Agosto a Dezembro do ano corrente, “para que todos possam confirmar que a sua área de registo e de votação corresponde ao local de residência habitual”.
“A ideia de que cada um escolhe onde quer votar, como pretende o MPLA, não protege os direitos do cidadão, porque facilita as manobras de exclusão, aliás, contraria o princípio da permanência do registo, constitucionalmente consagrado”, acusou a UNITA.
“O cidadão deve votar sempre na mesma assembleia de voto, na sua área de residência. Só muda se ele mudar de residência, e só ele deve comunicar que mudou de residência. O Estado não o pode colocar numa área onde não reside”, sustentou ainda o partido. Ai não pode! Se o MPLA até pode ter em algumas secções mais votos do que eleitores inscritos, se até pode fazer com que os mortos votem, o melhor mesmo é aceitar que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA.
Em relação ao registo eleitoral dos cidadãos angolanos no exterior do país, a UNITA propõe que os “órgãos competentes da Administração Pública (…) devem criar as condições logísticas e administrativas para que os cidadãos residentes no exterior e não inscritos na Base de Dados de Identificação Civil promovam o seu registo eleitoral presencial, junto dos postos de registo”.
Entre as várias críticas que apresenta à proposta de alteração à lei eleitoral do MPLA, a UNITA sublinha que o texto do partido no poder “manifesta uma intenção clara de agredir a soberania popular e violar o Estado de direito, impondo pela força a sua vontade”.
“Isto fica claro quando lemos que o Partido Estado pretende revogar o artigo 110.º que proíbe a presença de qualquer força armada nas assembleias de voto, até um raio de distância de 100 metros. O MPLA quer eleições com tropa armada nas assembleias de voto. Quer intimidar o povo. Quer violar os direitos humanos. Quer impedir que as eleições sejam livres e justas”, acusou a UNITA.
O parlamento do MPLA aprovou na globalidade no passado dia 22 o projecto de lei de revisão constitucional com 152 votos favoráveis do MPLA e de alguns deputados na oposição, nenhum voto contra e 56 abstenções da UNITA e da CASA-CE.
O projecto de lei de revisão constitucional emerge da proposta de revisão parcial da Constituição, apresentada pelo Presidente angolano, João Lourenço.
As eleições gerais, de acordo com o diploma aprovado na generalidade, realizam-se, “preferencialmente, durante a segunda quinzena do mês de Agosto” do ano em que terminam os mandatos do Presidente da República e dos deputados, cabendo ao Presidente da República definir a data. As últimas eleições gerais angolanas decorreram em 23 de Agosto de 2017.
Só e apenas quando o MPLA quiser
Em Angola haverá eleições (autárquicas e outras) apenas quando o MPLA quiser, mesmo que o país pense de outra forma. A cada dia que passa, João Lourenço e a sua máquina de guerra (o MPLA) mostram que, tal como no tempo de José Eduardo dos Santos, filho de jacaré é jacaré. Ao contrário do que afirmou, o Presidente mostrou que não há jacarés vegetarianos.
Os angolanos começam a ver que o MPLA não é (nunca foi) uma solução para o problema. É, isso sim, um problema para a solução. Não admira, por isso, que João Lourenço comece a dar sinais de que não vai perder tempo com julgamentos nem com eleições cujos resultados não controle. Agostinho Neto já o fizera com total sucesso.
Dando uma no cravo e outra na ferradura, o MPLA já admite em público que, seja quando for, a vitória será sempre certa.
A maioria da oposição parlamentar, com a qual o MPLA está a ficar farto porque ela vai mostrando que o partido de João Lourenço só consegue viver em guerra ou num sistema de único partido, considera que o MPLA usa todos os subterfúgios possíveis para esconder a falta de vontade política do partido no poder para dar a palavra (e o direito de escolha) ao Povo.
Com efeito, o secretário para os Assuntos Eleitorais do MPLA afirmou há uns meses não haver, de momento, “condições objectivas” para levar o escrutínio avante, no meio da pandemia de Covid-19. Referia-se às autárquicas, mas a estratégia aplica-se a tudo o que o MPLA quiser.
Em declarações à Rádio Nacional, Mário Pinto de Andrade sustentou que a experiência dos países da África Austral que realizaram eleições legislativas foi “muito má”, o que exige muita cautela. De facto, é complicado. Como é que o MPLA poderá aceitar ser derrotado por um vírus que, ainda por cima, foi gerado nos históricos amigos chineses? Melhor mesmo seria fazer umas eleições em que apenas votassem os deputados do reino.
“Aliás, nós temos estado, ao nível do MPLA e dos partidos da oposição, a participar (em encontros) online de outros países aqui da África Austral que realizaram eleições legislativas, e em que as pessoas pedem-nos para termos cautela porque a experiência deles foi, de facto, muito má”, sublinhou Pinto de Andrade.
E tem razão. Como sempre o MPLA tem razão. Porque o MPLA é Angola e Angola é do MPLA, não há razões para respeitar a democracia (que, ainda por cima, como disse Eduardo dos Santos, “nos foi imposta”). Além do mais, as eleições custam muito dinheiro que, na verdade, faz falta para ajudar os dirigentes do MPLA a comprarem mais casas, empresas etc. no estrangeiro.
A UNITA, o PRS e a CASA-CE recordam que “os primeiros sinais” que revelaram o desinteresse do MPLA na realização do escrutínio em 2020 foram dados com a não aprovação do pacote eleitoral autárquico e com o facto de o Orçamento Geral do Estado não contemplar qualquer verba para as eleições autárquicas.
O secretário-geral da UNITA, Álvaro Chikuamanga, afirmou que “estes foram sinais mais que evidentes de que o MPLA tinha alguma coisa que não ia ao seu agrado”. A UNITA não pode “espingardar” muito. Lá vai dando uns tiros de pólvora seca, mas sabe muito bem que – respeitando a separação de poderes – o Presidente do MPLA pode ordenar a um qualquer tribunal que faça à UNITA o mesmo que fez ao PRA-JA. Aliás, poderá acontecer aos dirigentes da UNITA o mesmo que aconteceu a Jonas Savimbi.
O então vice-presidente da CASA-CE, Manuel Fernandes, também entendia que “a pandemia não poderia ser responsável pela não aprovação do pacote autárquico, nem pela não realização das eleições”.
Por seu lado, para o secretário-geral do PRS, Rui Malopa, o MPLA demonstrou que receava perder para outros partidos se as eleições autárquicas tivessem lugar em 2020. “Teria sido sensato concluir o pacote legislativo e só depois avaliarmos se há ou não condições sanitárias”, sublinhou Malopa.
Quem defende a tese do MPLA é o líder da FNLA, Lucas Ngonda, que considerou que as eleições autárquicas podem esperar, alegando que “a vida tem de estar em primeiro lugar, as eleições nós teremos para todo o sempre”.
No dia 10 de Janeiro… de 2020, o MPLA disse que “não tinha medo” das eleições autárquicas, afirmando ser “o mais interessado”, enquanto a UNITA admitia a vontade política para as autarquias, defendendo “respeito de opiniões contrárias”.
Na verdade, hoje o MPLA tem medo. Mas não há razões para isso. Bem que o partido de João Lourenço poderia até divulgar agora os resultados das próximas eleições… ficando estas adiadas “sine die”.
“Nas eleições de 2017, dos 164 municípios do país o MPLA ganhou 156, isto é para ter medo? O MPLA é um partido de consenso, é uma máquina que trabalha, prepara muito bem, não tem medo”, afirmou em Janeiro do ano passado o presidente do grupo parlamentar do MPLA, Américo Cuononoca.
Ora aí está. E nos 164 municípios só não ganhou 180 porque não quis. 180 se só existiam 164? Perguntarão os nossos leitores. Pois é. Mas se o MPLA já nos habituou a ter em determinados círculos eleitorais mais votos do que eleitores inscritos, se consegue até que os mortos votem no MPLA, nada é impossível para quem é patrão, entre outros organismos, da CNE (Comissão Nacional Eleitoral).
Segundo o líder parlamentar do partido dirigido pelo “querido líder” João Lourenço, “é uma falsa expectativa” pensar-se que o seu partido tenha medo das eleições porque “quem está mais interessado para que estas eleições se realizem é o MPLA”. Mentira, é claro. Por alguma razão o MPLA tem adiado sucessivamente essas eleições. Agora agarra-se com unhas e dentes à Covid-19 para engavetar a democracia, sem esquecer que a pandemia é uma boa forma de sacar dinheiro as doadores.
“Não há outro partido mais interessado em realizar eleições autárquicas que são uma promessa eleitoral. Prometemos realizar eleições autárquicas neste mandato, de tal sorte que o MPLA ter medo? Pelo contrário”, notou.
Pois é. E promessas são coisas que não faltam ao MPLA. Já em 1975 Agostinho Neto prometeu resolver os problemas do Povo e o resultado (20 milhões de pobres, por exemplo) está à vista. Aliás, o querido presidente de Américo Cuononoca conseguiu – reconheça-se – resolver o problema dos milhares e milhares (cerca de 80 mil) de angolanos que mandou assassinar nos massacres de 27 de Maio de 1977.
Para o presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka, as autarquias “são um compromisso do Estado que deverá ser assumido”, referindo que “existe tempo e vontade política para as pessoas consertarem”.
“Independentemente dos interesses de grupos e partidários há um interesse nacional a salvaguardar, a defesa da democracia e realização da dignidade da pessoa. Acho que há sim esta abertura, o ambiente de trabalho e pelo que senti hoje há sim esta vontade”, disse.
Folha 8 com Lusa