O ministro angolano dos Petróleos confirmou hoje que o memorando de entendimento entre a Sonangol e um xeque do Dubai para o desenvolvimento do terminal oceânico do Dande não se concretizou, mas garante que o projecto continua.
Diamantino Pedro Azevedo, que falava durante um encontro com jornalistas, confirmou que não houve entendimento com o xeque Ahmed Dalmook Al-Maktoum, do Dubai, relativamente à construção da base logística de armazenamento de produtos petrolíferos da Barra do Dande.
“O memorando de entendimento não é um contrato, é um documento de intenção que pode ser transformado num contrato, num instrumento jurídico mais forte, ou não. Neste caso, ficámos pelo memorando e, após algum tempo de trabalho, achámos que não havia condições para avançar com o projecto porque não houve entendimento”, afirmou o ministro.
Sem detalhar os motivos, Diamantino de Azevedo disse que “a outra parte tinha uma posição diferente” da parte angolana, por isso, “não houve um final feliz, o namoro não deu em casamento”.
O responsável que tutela os sectores dos Recursos Minerais e Petróleos adiantou que as autoridades angolanas estão “à procura de outras alternativas para levar esse projecto em frente”.
Segundo o presidente da Sonangol, Gaspar Martins, “o projecto não parou” e a “a relação terminou de forma amigável”, salientando que o xeque tem outros, muito outros (por enquanto) investimentos em curso em Angola.
“Fizemos os esclarecimentos necessários e estamos a fazer a continuidade do projecto. Entendemos que as condições em que se pretendia cooperar connosco não eram as mais adequadas”, justificou.
O memorando de entendimento com a petrolífera Sonangol para a construção de uma base logística de armazenamento de derivados do petróleo na Barra do Dande foi assinado a 7 de Novembro de 2019, num investimento estimado em 600 milhões de dólares (541,6 milhões de euros).
Na altura, o xeque Ahmed Dalmook Al-Maktoum salientou que “o país tem grande potencial” e manifestou a vontade de se envolver em mais projectos.
O projecto de armazenamento de produtos petrolíferos, visto como estratégico, foi iniciado em 2014 e interrompido em 2016, por força do contexto económico que o país e a empresa viviam nesse período.
A construção da infra-estrutura estava anteriormente estimada em 1.500 milhões de dólares (1.240 milhões de euros) e iria ser desenvolvida pela Atlantic Ventures, uma empresa associada a Isabel dos Santos, filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos, que viu o contrato ser revogado em 2018 e avançou, na altura, com um processo contra o Estado angolano.
Na altura do anúncio, a calendarização apontava para que a estrutura estivesse operacional no primeiro semestre de 2022 e o início das obras estava previsto para 2020.
O Presidente João Lourenço, que como ministro do anterior Governo acompanhou e subscreveu (sem qualquer rebuço) a decisão de entregar a obra à Atlantic Ventures, anunciou, em Estrasburgo, no seu discurso no Parlamento Europeu, no dia 4 de Julho de 2018, a anulação, em Angola, de contratos bilionários, com a construção e gestão de importantes infra-estruturas públicas, como o Porto da Barra do Dande.
João Lourenço justificou a medida com o facto de esses contratos não terem respeitado os mais elementares princípios da transparência e da concorrência. Isto é, o significado de “transparente” e respeitador “da concorrência” varia consoante se é ministro ou Presidente da República.
Já na sua primeira entrevista colectiva, em Luanda, no dia 8 de Janeiro de 2018, à pergunta sobre se o modelo de adjudicação praticado para o Porto da Barra do Dande iria servir para outros tipos de obras públicas, o Presidente João Lourenço respondeu: “É evidente que não”.
“Não só para outras obras públicas, mas mesmo para o caso concreto deste projecto do Porto da Barra do Dande, vamos procurar rever todo o processo, no sentido de, enquanto é tempo, e porque o projecto não começou ainda a ser executado, corrigirmos aquilo que nos parece ferir a transparência”, disse João Lourenço.
“Um projecto da dimensão como este, que envolve biliões, com a garantia soberana do Estado, não pode ser entregue de bandeja, como se diz, a um empresário, sem submissão de concurso público”, acrescentou o Presidente da República, contrariando aquela que foi a sua posição enquanto ministro.
A posição relativa à construção do Porto da Barra do Dande foi oficializada numa informação enviada em Maio de 2018 aos investidores internacionais pelo Governo de João Lourenço.
No documento admitia-se que o Governo “pretende construir um segundo porto comercial nas proximidades de Luanda”, na Barra do Dande, com capacidade para movimentar 3,2 milhões de toneladas de carga por ano.
Contudo, como recorda a mesma informação, até então o Governo não emitiu a garantia do Estado aprovada pelo Presidente José Eduardo dos Santos, e referia que “ainda está em processo de avaliação dos aspectos técnicos do projecto”.
O actual porto de Luanda, o maior do país e construído no período colonial português em pleno centro da capital angolana, é propriedade do Estado angolano, mas a operação dos seus terminais estava entregue a oito empresas privadas.
O porto de Luanda movimentava (2017/18) aproximadamente 5,4 milhões de toneladas de carga por ano e recebeu obras de modernização de 130 milhões de dólares, concluídas em 2014. Antes disso, recordava o Governo, o porto de Luanda “estava altamente congestionado”, com um tempo médio de espera superior a 10 dias.
Foi noticiado em 29 de Setembro de 2017 que o Governo deveria emitir uma garantia de Estado de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) a favor da construção, por privados, do novo porto da Barra do Dande, face ao esgotamento da capacidade do porto de Luanda.
“O Governo pretende criar as condições necessárias para que a província de Luanda tenha um novo porto de dimensão nacional e internacional com capacidade de abastecimento para todo o país e que, estrategicamente, possa ser, também, um entreposto internacional de mercadores”, lê-se nesse mesmo decreto.
Refere ainda que o porto de Luanda, “de acordo com a evolução registada nos últimos anos nas operações portuárias” e face às “projecções de tráfego realizadas, não logrará, a curto prazo, satisfazer as necessidades de estiva e movimentação de cargas e descargas exigidas pelo comércio nacional e internacional”.
Para o efeito, foi definido pelo Governo (do qual, recorde-se, fazia parte João Lourenço), segundo o mesmo documento, o objectivo estratégico para instalação, na nova cidade do Dande (já na província vizinha do Bengo) do novo porto da capital, serviços associados e uma Zona Económica Especial, reservando para o efeito uma área total de 197,2 quilómetros quadrados e um perímetro de 76,4 quilómetros.
“O Governo considera a construção, a exploração e a manutenção do porto da Barra do Dande um empreendimento prioritário, de interesse nacional e público, considerando ainda que o empreendimento deve ser realizado com recurso a financiamento privado, de acordo com os princípios da eficiência da distribuição, partilha e gestão do risco pela parte que melhor o sabe gerir”, lê-se ainda no referido decreto.
Ficou ainda previsto que a concessão do futuro porto à sociedade Atlantic Ventures seria por um período de 30 anos, incluindo a tarefa de licenciamento, concepção, financiamento, projecto, desenvolvimento técnico e sua construção, “em associação com a autoridade do porto de Luanda”.
Recorde-se que o projecto do porto da Barra do Dande foi analisado e aprovado em reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, em 2017, na qual esteve presente João Lourenço, então ministro da Defesa Nacional, e que não mereceu dele a mínima dúvida ou objecção.
Nota. Parte do Poema “Namoro” de Viriato da Cruz: «Mandei-lhe um cartão / Que o amigo Maninho tipografou. / ‘Por ti sofre o meu coração’. / Num canto “sim” / Noutro canto “não” / E ela o canto do “não… Dobrou.»