DO VIH AO COVID, DO MPLA AO… MPLA

Depois de identificar Angola como o segundo país onde o VIH circulou, em 1924, uma equipa de investigadores portugueses e angolanos vai “tirar uma fotografia” à epidemia em Angola para saber mais sobre a epidemiologia do vírus.

Em entrevista à agência Lusa, Ana Abecassis, médica do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) e líder da equipa que identificou Angola como o segundo país onde o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) foi dectetado, a seguir à República Democrática do Congo (RDCongo), em 1906, sublinhou que este estudo será uma oportunidade para a continuidade desta investigação.

A oportunidade surgiu na sequência da passagem do aluno angolano Cruz Sebastião pelo IHMT, durante um programa com a Fundação Gulbenkian, e de um projecto que, entretanto, obteve financiamento e vai permitir o regresso a Angola para “colher novos dados”.

“A partir destes novos dados podemos tentar voltar a esta história e tentar perceber como é que a epidemia em Angola se alterou e de que forma é que eventualmente os resultados que nós tivemos na altura podem ser actualizados”, explicou.

Neste regresso a Angola, os investigadores vão ainda olhar para a questão das resistências anti-retrovirais, que preocupa a comunidade científica.

O estudo liderado por Ana Abecassis sobre a passagem do VIH por África, antes de chegar aos Estados Unidos da América, em 1981, e de ser isolado em 1983, pretendeu reconstruir a dispersão geotemporal dos vírus (filogeografia), neste caso do VIH, tentando apurar qual o papel que coube a Angola, uma vez que este país está localizado junto à República Democrática do Congo, de onde é oriundo o primeiro registo do vírus, nomeadamente Kinshasa, em 1906.

“Na primeira década de século XX o vírus já estava em Angola e este terá sido um dos primeiros lugares para onde o vírus foi exportado a partir de Kinshasa. Angola estaria envolvida na epidemia desde muito cedo”, afirmou.

Os investigadores tentaram apurar o que potenciou a propagação da pandemia, existindo várias hipóteses para a potenciação do vírus, como o aumento da mobilidade das populações e o crescimento de Kinshasa como cidade.

Também “o aumento da mobilidade que se deu ali na altura, a construção de linhas férreas, tudo isso foram factores que contribuíram para o aumento da transmissão do vírus”, assim como “novos factores de risco que surgiram, como o aumento do trabalho sexual. Pensa-se também que as campanhas de vacinação em massa possam ter contribuído para isso, ou campanhas de tratamento por via endovenosa com equipamento que não estaria esterilizado”.

As primeiras amostras, cuja informação foi trabalhada pela equipa de Ana Abecassis, foram isoladas em 1952, a partir de um cadáver.

“Com estes métodos evolutivos, que nos permitem olhar para trás do tempo, conseguimos reconstruir o início da pandemia em 1906. O vírus circulava ali e sabemos que ocorreram várias exportações do vírus a partir da República Democrática do Congo para outras partes do globo”, acrescentou.

E exemplificou com o subtipo B, que foi exportado primeiro para o Haiti e depois para os EUA, onde encontrou uma população com factores de risco elevado, como homens que fazem sexo com outros homens, sem protecção e de uma forma frequente, um nicho para se transmitir e adaptar-se melhor e transmitir-se com mais eficácia, expandindo-se para a Europa. Para a África do Sul houve outra exportação do subtipo C, que partiu depois para a Índia.

A propósito do Dia Mundial da Sida, que se assinala hoje, e quando o mundo tem o foco num outro agente infeccioso — o coronavírus que causa a Covid-19 — a investigadora alerta que o VIH continua a ser uma preocupação.

“O VIH preocupa sim, até porque a Organização Mundial da Saúde estabeleceu metas, que em 2030 seria o fim da pandemia de VIH, mas as metas que estavam estabelecidas para 2020 não foram atingidas”, afirmou, acrescentando: “Se, por um lado, na Europa temos um panorama bastante positivo, há outros países onde isso não acontece”.

“Continua a preocupar, até porque, a partir do momento em que haja resistências a surgir em determinados países, se estas estirpes são exportadas para outros países, podemos deixar de ter terapêutica anti-retroviral eficaz, embora este cenário no VIH seja menos provável, até porque temos um arsenal terapêutico bastante alargado que nos dá alguma segurança, mas a verdade é que as metas não foram atingidas”, referiu, recordando que “há países com elevados índices de resistência”.

Numa altura em que a desigualdade no acesso às vacinas contra a Covid-19 tem sido apontada como uma das razões para o aparecimento da nova estirpe, uma vez que permitiu a sua propagação, Ana Abecassis indicou que a história do VIH, toda ela, é feita de desigualdades.

“É uma história de desigualdades em tudo. O vírus é identificado nos países de alta renda, nos Estados Unidos e na Europa, tendo circulado em África, despercebido durante anos e anos, porque em África não havia meios para identificar o vírus”. Foi “uma situação que é um bocadinho semelhante àquilo que está a acontecer com a SARS-CoV-2 neste momento, em que se desenvolvem fármacos eficazes para travar a infecção da doença que são utilizados nos países de alta renda e África é deixada ao esquecimento”, disse.

Em África, 25,7 milhões de pessoas vivem com o VIH. Só em 2018, o vírus foi responsável por 470.000 mortos neste continente.

O VIH ataca e destrói o sistema imunitário do organismo, aniquilando os mecanismos de defesa que evitam as doenças. No seguimento desta imunodeficiência, surgem várias infecções oportunistas que podem ser fatais.

O VIH/Sida no (con)texto da propaganda

O Governo angolano anunciou no passado dia 9 de Agosto a revisão da Lei sobre o VIH/Sida, visando “adequá-la ao actual contexto” e “responder às actuais queixas sobre discriminação”, sobretudo no seio laboral, com as empregadas domésticas entre as principais vítimas.

“Esta lei tem que ser actualizada, revista de acordo com o contexto, tem que ser adequada ao contexto actual e gostaríamos que até ao fim do ano consigamos meter já à aprovação no parlamento”, afirmou na altura a ministra da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, Faustina Alves.

Segundo a governante, a lei vigente sobre o VIH/Sida foi aprovada num “contexto diferente” e, por isso “deve ser conformada ao actual contexto visando responder a alguns casos de discriminação que persistem” na sociedade.

“O Governo, acompanhando sempre todo este processo de transformação criou esta lei para proteger, proibindo discriminação das pessoas portadoras com o direito à saúde, alimentação, emprego e outros”, indicou a ministra.

Faustina Alves, que falava no final de um encontro de trabalho com o representante do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, na sigla em inglês) em Angola, deu conta que a revisão da lei deverá responder também ao clamor das empregadas domésticas.

Um grupo de empregadas domésticas portadoras de VIH/Sida, sob acompanhamento do Ministério Acção Social, Família e Promoção da Mulher (Masfamu), “queixa-se de discriminação no seio do trabalho”.

“E esta é uma lei que ainda não está muito bem encaixada, principalmente para as empregadas domésticas, porque muitos patrões quando se apercebem que a empregada é seropositiva despede-a mesmo sabendo que muitas vezes ela faz o tratamento”, disse a ministra.

E “quando despedidas”, observou a titular do Masfamu, “ficam completamente sem capacidade de trabalhar”.

“Temos um grupo grande que temos acompanhado, ele é descriminado, mesmo tendo direito de trabalhar, e se não trabalharem têm o problema de maior vulnerabilidade”, acrescentou.

Técnicos do Masfamu e do Ministério da Saúde “já trabalham para alguns componentes legais que possam ser inovadores de acordo com o actual contexto”, frisou ainda Faustina Alves.

Protecção e combate à violência doméstica, mortes maternas infantis e neonatais e o projecto sobre saúde sexual e reprodutiva foram os temas abordados no encontro entre o Masfamu e o UNFPA em Angola.

Faustina Alves, manifestou também preocupação com as gravidezes e casamentos na adolescência, que continuam a registar-se no país, sem, no entanto, avançar um quadro estatístico.

Segundo Faustina Alves, gravidezes precoces e casamentos na adolescência constituem preocupação do departamento ministerial que dirige, “sobretudo porque estes casamentos ocorrem nas comunidades” e em povos segundo as suas tradições “ou mesmo em certas zonas desconhecidas”.

“E temos que procurar arranjar forma de fazer um inquérito, um estudo, tirarmos uma amostra para vermos como está, se acontecem mais no meio rural ou urbano”, afirmou.

A governante, que não apontou qualquer estatística, falou apenas em “denúncias e algumas constatações”, particularizando o processo de realojamento de famílias do bairro do Povoado, em Luanda, na sequência de um incêndio.

“Aí verificamos muitas adolescentes grávidas e com bebés e foram as primeiras que nós protegemos, isso quer dizer que mesmo dentro da cidade temos já um elevado número de menores grávidas e/ou com dois ou três filhos”, explicou.

“Temos que procurar inverter essa situação, porque ela (a adolescente) está numa fase de crescimento e o outro problema mais grave é que ela não evolui e na maioria dos casos o pai não assiste e ela tem de ir à busca de sustento e não cresce”, sustentou.

A necessidade da promoção do combate às desigualdades sociais, o aumento de locais de segurança para vítimas da violência baseada no género e o reforço do sistema de recolha e análise de dados estatísticos constituem “alguns dos desafios” daquele órgão ministerial angolano.

O Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher e o UNFPA desenvolvem em Angola trabalhos nos domínios da protecção e combate à violência doméstica, no domínio da saúde sexual e reprodutiva, da prevenção de mortes maternas infantis e neonatais, entre outros.

No dia 3 de Agosto, a secretária de Estado para a Família e Promoção da Mulher angolana, Elsa Barber, enalteceu os “notáveis progressos” de muitos países africanos em prol dos direitos da mulher, apontando no entanto os casamentos e gravidezes precoces como “barreiras” ao desenvolvimento.

Elsa Barber, que falava em Luanda num seminário sobre os direitos humanos da mulher em África, considerou que a igualdade de género continua a preocupar, face às disparidades entre mulheres e homens, não obstante Angola ser um dos países subscritores do Protocolo de Maputo, instrumento internacional de direitos humanos estabelecido pela União Africana que garante os direitos das mulheres.

“Apoiamos incondicionalmente a implementação do Protocolo de Maputo”, disse a secretária de Estado, acrescentando que a mulher africana precisa de receber plena capacitação em todas as áreas do saber, ver os seus direitos garantidos e estar livre de todas as formas de discriminação que constituem factores impeditivos para o seu desenvolvimento pleno.

“Torna-se imprescindível que a rapariga e jovem mulher africana concluam os ciclos de ensino e não vivenciem circunstâncias de casamentos e gravidezes precoces que constituem barreiras para efectiva edificação de uma África pacífica, próspera e integral”, sublinhou Elsa Barber, considerando que “ainda há muito a fazer pelos direitos das mulheres em Angola”.

A governante notou, no entanto, que se registam “notáveis progressos” em muitos países africanos, face à aplicação de medidas que promovem o empoderamento das mulheres, boa governação, Estado de direito, educação, serviços básicos e crescimento económico, apesar da regressão em alguns países devido à Covid-19.

No mesmo encontro, que visava debater a experiência regional na implementação do Protocolo de Maputo e a elaboração dos relatórios, contou com a participação de representantes de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, bem como de Ana Celeste Januário, secretária de Estado para os Direitos Humanos e Cidadania, que apontou alguns desafios, nomeadamente a violência contra a mulher.

O executivo angolano tem adoptado diversas medidas que visam reforçar a protecção dos direitos das mulheres, entre as quais, a criação de um quadro legal que coloca homens e mulheres ao mesmo nível em termos de direitos e deveres, disposições que reforçam o princípio da igualdade e penalizações agravadas para crimes contra as mulheres no código penal, referiu.

Ana Celeste Januário notou ainda que estes impulsos permitiram a ascensão de um número maior de mulheres a cargos de chefia, pelo que actualmente se pode dizer que a mulher angolana está representada nos diferentes níveis, embora seja necessário “melhorar para atingir a paridade”.

“Estamos cientes que podemos fazer melhor e encontrar caminhos para que as melhorias se tornam reais”, rematou a mesma responsável.

Parafraseando (com a devida vénia) Elsa Barber, recorde.se que na estrutura hierárquica de Angola as mulheres estão nos mais altos cargos. Note-se: Ana Dias Lourenço é mulher do Presidente do MPLA, João Lourenço. O Titular do Poder Executivo, João Lourenço, é casado com Ana Dias Lourenço. João Lourenço, Presidente da República, é casado com Ana Dias Lourenço.

O ano passado, numa mensagem alusiva ao Dia da Mulher Africana, João Lourenço lembrou que África estava mergulhada “num combate difícil contra o avanço impetuoso da Covid-19”, destacando nesse cenário “o papel e a contribuição da mulher, tanto na primeira linha dos cuidados de saúde, como no seio da família”.

E nada melhor do que usar a pandemia de Covid-19 para passar uma esponja sobre o tsunami da criminosa incompetência do MPLA que, ao longo de décadas, se esqueceu de valorizar as Mulheres angolanas, pouco se importando que passem fome, que vejam os filhos a passar fome, a morrer de malária ou a levar um tiro porque não usam máscara de protecção…

“A destemida mulher africana é mais uma vez posta à prova num contexto em que a pobreza tende a agravar-se devido às implicações directas e indirectas da pandemia que assola o planeta, como sejam o abrupto aumento dos números do desemprego no seio dos seus companheiros, quando não são elas próprias atingidas pela instabilidade das oportunidades laborais”, lê-se na mensagem de João Lourenço.

A pobreza tende a agravar-se? Tende porque o partido de João Lourenço, que está no Poder há 46 anos, apenas se preocupa em trabalhar para os poucos que têm milhões, esquecendo os milhões que têm pouco ou… nada.

O chefe do Estado do MPLA realçou ainda o papel da mulher africana, na “esperança por um futuro melhor em todas as dimensões da luta pela dignificação das sociedades africanas”.

Com uma desfaçatez enorme, João Lourenço esqueceu-se que, por sua exclusiva responsabilidade, as verbas destinadas à luta contra a doença que mais mortes causa em Angola, a malária, diminuíram 45% nos últimos dois anos, e saudou todas as mulheres africanas, reafirmando a confiança da sua capacidade de lidar com a adversidade demonstrada de modo inequívoco ao longo do épico processo de luta como nação angolana.

Folha 8 com Lusa

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