DIA MUNDIAL DO QUE FALTA A MILHÕES

O número de crianças afectadas pelo atraso de crescimento continua em alta na África Subsaariana. A região concentra 91% de crianças que sofrem de nanismo. No continente, 57,5 milhões de menores enfrentam o problema. A região africana é a única do globo com tendência de alta. Onde fica Angola?

Dentre os países de língua portuguesa, São Tomé e Príncipe está entre três nações a caminho de atingir quatro das cinco metas nutricionais da Assembleia Mundial da Saúde. Com uma prevalência de desnutrição de 12%, o país tem a mais baixa taxa entre os lusófonos africanos.

O Panorama sobre Segurança Alimentar e Nutrição na África cita um programa de fortificação de alimentos com pó de micronutrientes múltiplos que cobre todas as crianças são-tomenses abaixo de cinco anos.

No período entre 2017 e 2019, Angola teve uma taxa de desnutrição de 18,6%, seguida de Cabo Verde com 18,5% e Moçambique com 32,6%.

Já a Guiné-Bissau não apresenta dados no estudo, mas consta entre os países que sofrem pela influência de insegurança, da desaceleração económica e de choques climáticos que inter-relacionados aumentaram a prevalência da desnutrição.

Angola (que para uma população de 32 milhões tem 20milhões de pobres) está entre 12 nações africanas em vias de cumprir a meta de combate ao baixo peso para altura.

Cabo Verde aparece entre os mais afectados com a queda abrupta nas viagens por causa da pandemia, pela forte dependência do turismo. O país tem uma prevalência de carência de vitamina A abaixo de 10%, que afasta o problema como uma ameaça à saúde pública.

Já em Moçambique, choques climáticos e desacelerações económicas causaram a alta prevalência de subnutrição. O país tem 1,7 milhões de pessoas sofrendo de insegurança alimentar aguda devido a factores como chuvas fracas, dois ciclones, aumento dos preços dos alimentos básicos e infestação generalizada pela lagarta-do-cartucho-do-milho.

O estudo envolveu especialistas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, FAO, da Comissão Económica da ONU para a África, ECA, e da Comissão da União Africana.

O Panorama sobre Segurança Alimentar e Nutrição em África destaca que quase três quartos da população regional não podem pagar o suficiente para uma dieta saudável com frutas, proteínas, vegetais e animais.

O documento revela que mais da metade não tem acesso a uma alimentação adequada que forneça uma mistura de carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas e minerais essenciais para a manutenção de saúde básica.

Mesmo uma dieta que forneça um mínimo de energia suficiente está fora do alcance de mais de 10% da população da região.

O panorama sobre segurança alimentar e nutrição em África recomenda uma transformação dos sistemas agro-alimentares regionais promovendo dietas saudáveis mais acessíveis.

Os habitantes do continente enfrentam custos alimentares mais elevados do que em outras regiões com um nível de desenvolvimento similar e a alimentos básicos como cereais e raízes com amido. Algumas razões para a situação são sistémicas.

O relatório realça que embora a prevalência da baixa estatura esteja a diminuir, ela cai muito lentamente. Apesar do progresso, quase um terço das crianças na África Subsaariana ainda enfrentam dificuldades para crescer.

São geradas com fome, nascem com fome, morrem com fome

Metade das crianças com idade entre seis meses e dois anos de 91 países não faz o número mínimo de refeições recomendadas por dia, enquanto dois terços não têm a dieta variada necessária para se desenvolverem adequadamente. A denúncia, recorrente, é feita pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

“Os resultados do relatório são claros: Numa fase em que muito está em jogo, milhões de crianças pequenas sentem a ameaça do fracasso”, declarou a directora da UNICEF, Henrietta Fore, citada num comunicado que insta a comunidade internacional a esforçar-se para reverter esta situação.

Henrietta Fore insistiu que uma dieta pobre em nutrientes durante os primeiros dois anos de vida pode “danificar de forma irreversível o corpo e o cérebro das crianças em rápido crescimento, o que afecta a sua escolaridade, as suas perspectivas laborais e o seu futuro”.

A UNICEF divulgou o documento na véspera da realização na ONU de uma Cimeira sobre Sistemas Alimentares, uma reunião virtual que a organização levou mais de um ano a preparar e na qual se esperam compromissos de muitos Governos para transformar o modo como se produz, processa e consome comida.

A directora da UNICEF lamenta que se tenha avançado pouco nos últimos anos “para fornecer o tipo adequado de alimentos nutritivos e seguros” de que os mais jovens necessitam, apesar de esta situação ser conhecida há anos.

O relatório adverte ainda de que o aumento da pobreza, da desigualdade, dos conflitos, dos desastres relacionados com o clima e das emergências sanitárias esteja a contribuir para desencadear uma crise nutricional entre as gerações mais jovens “que deu poucos sinais de melhoria nos últimos dez anos”.

Em concreto, a UNICEF indica que uma análise realizada em 50 desses 91 países estudados revelou que os padrões de má alimentação dos mais pequenos se mantiveram sem alterações na última década.

Além disso, a pandemia de Covid-19 fez com que a percentagem de crianças que consomem o número mínimo de refeições recomendado caísse em um terço em 2020, comparado com 2018.

Como exemplo, o organismo aponta que metade das famílias da cidade de Jacarta, capital da Indonésia, se viram forçadas a reduzir a compra de comida.

“As crianças ficam com as marcas de uma dieta pobre e de más práticas alimentares para o resto da vida. A ingestão insuficiente de nutrientes que se encontram em verduras, fruta, ovos, peixe e carne, que são necessários para sustentar o crescimento numa tenra idade, coloca as crianças em risco de desenvolvimento cerebral deficiente, dificuldades de aprendizagem, baixa imunidade, aumento de infecções e, potencialmente, morte”, alerta a UNICEF.

Para melhorar esta situação, a agência especializada da ONU insta, entre outras coisas, a que seja incentivada a produção, distribuição e venda de produtos ricos em nutrientes, para aumentar a sua disponibilidade e acessibilidade.

Propõe igualmente a criação de normas e leis estatais “para proteger as crianças pequenas dos alimentos e bebidas processados e ultra-processados que não são saudáveis e pôr fim às práticas comerciais nocivas dirigidas às crianças e às famílias”.

“A Cimeira sobre Sistemas Alimentares é uma oportunidade importante para preparar o cenário necessário para que os sistemas alimentares mundiais possam satisfazer as necessidades de todas as crianças”, sublinhou a directora da UNICEF.

Morrem crianças à fome num país onde não há… fome

Numa altura em que até um relatório do Ministério da Saúde indicava que nos primeiros seis meses de 2020 duas crianças morreram por hora devido à fome, aumentando paralelamente o número de pobres que, antes da pandemia de Covid-19, eram 20 milhões, Angola corre o risco (pouco preocupante para o MPLA) de se transformar num não-país ou de assistir a uma violenta implosão social.

Entretanto, como noticiou na altura a VoA, organizações da sociedade civil angolana consideravam que o aumento de mortes de crianças por desnutrição (fome em bom português) no país deve-se à falta de políticas sociais sustentáveis e ao desprezo a que estão votadas as associações que trabalham com as comunidades mais empobrecidas.

Um relatório da Direcção Nacional de Saúde Pública (DNSP) sobre a desnutrição no país revelou que, nos últimos seis meses de 2020, em média, duas crianças com menos de cinco anos morreram em Angola a cada hora devido à fome. Certamente, como parece ser o desígnio nacional do MPLA (o único partido que governa o país há 46 anos), essas crianças faziam parte do colossal conjunto de angolanos que estariam a tentar aprender a viver sem… comer.

O relatório estimava que, no total, 8.413 crianças morreram de um universo de 76.480 que deram entrada nos hospitais públicos do país.

Para o líder da organização “Construindo Comunidades”, padre Jacinto Pinto Wacussanga, o quadro descrito pela DNSP “pode ser muito mais grave do que se pode pensar”. E não é por falta de alertas que o Presidente da República, igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, olha para o lado e assobia. É, isso sim, pelas criminosas políticas económicas e sociais que o seu governo leva a cabo.

O conhecido padre dos Gambos, na Huíla, diz que por falta de comida, “as crianças da região são alimentadas com frutos silvestres e com raízes”. Será que João Lourenço sabe que são crianças angolanas? Será que sabe que lidera um país rico e que nem nos piores tempos da colonização acontecia tal coisa?

O activista social Fernando Pinto, responsável de uma associação de apoio às crianças pobres do distrito urbano do Zango, em Luanda, dizia que o relatório é “um retrato fiel do que se passa em Angola, até mesmo na sua capital”.

Segundo o documento da DNSP, do total dos menores que procuraram hospitais, 11 por cento faleceram, 11 por cento abandonaram o tratamento, seis por cento não tiveram resposta ao tratamento e 72 por cento tiveram alta.

Além da falta de alimentos em vários lugares, aquele órgão do Ministério da Saúde de Angola reconhece a ocorrência de rupturas constantes de stock de produtos terapêuticos nos centros de saúde, atraso na planificação e o número insuficiente de pessoal capacitado para tratar a desnutrição aguda. É claro que os filhos dos dirigentes, e de outros ilustres acólitos do MPLA, vivem noutro mundo, eventualmente por pertencerem a uma casta superior e não terem o estatuto de escravos como acontece com estas crianças.

Em Abril de 2020, o secretário-geral das Nações Unidos (já reeleito para novo mandato), António Guterres, alertou no Relatório Global de Crises Alimentares que o mundo arriscava-se a derrapar este ano para uma tragédia de fome “de proporções bíblicas” devido à pandemia de Covid-19.

“Se nada for feito, o número de pessoas em risco de insegurança alimentar aguda no mundo pode mesmo quase duplicar este ano e chegar aos 265 milhões de vítimas, face aos 135 milhões de 2019”, lia-se no documento que, numa lista de 35 países, alertava para a situação de Angola.

“A insegurança alimentar aumentou devido à seca nas províncias do sul e o afluxo de refugiados da República Democrática do Congo”, concluiu o relatório, que indicou que essa situação estava a afectar mais de 562 mil pessoas.

A ONU concluiu que “mais de 8 por cento das crianças com menos de cinco anos sofriam de desnutrição grave e perto de 30 por cento tinham problemas de crescimento”.

Recorde-se que o Presidente João Lourenço mentiu quando, na entrevista à RTP, disse que não havia fome em Angola, retratando que o que havia, apenas aqui ou ali, era uma ligeiríssima má-nutrição. E com ele mentiram também o Presidente do MPLA, João Lourenço, e o Titular do Poder Executivo, João Lourenço.

Provavelmente João Lourenço deve ter feito estas declarações à RTP depois de um frugal e singelo almoço, do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.

Compreende-se (isto é como quem diz!), que tenha arrotado esta (e outras) mentira em solidariedade com os nossos 20 milhões de pobres que, por sua vez, arrotam à fome e morrem a sonhar com uma refeição.

Em 2018, os próprios dados governamentais davam conta que Angola tinha uma taxa de desnutrição crónica na ordem dos 38 por cento, com metade das províncias do país em situação de “extrema gravidade de desnutrição”, onde se destacava o Bié, com 51%.

As províncias do Bié com 51%, Cuanza Sul com 49%, Cuanza Norte com 45% e o Huambo com 44% foram apontadas, na altura, pela chefe do Programa Nacional de Nutrição, Maria Futi Tati, como as que apresentavam maiores indicadores de desnutrição.

“São cerca de nove províncias que estão em situação de extrema gravidade de desnutrição, sete províncias em situação de prevalência elevada e duas províncias em situação de prevalência média”, apontou Maria Futi Tati, em Junho de 2018.

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