O Tribunal Central de Instrução Criminal (de Lisboa) desbloqueou uma conta bancária de “Tchizé” dos Santos, filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, por “decurso excessivo” do tempo e falta de provas quanto à origem ilícita dos fundos.
A decisão datada de 12 de Outubro, assinada pelo juiz Ivo Rosa, justifica o levantamento da medida de suspensão de operações bancárias com a ultrapassagem dos prazos de inquérito e ausência de provas que fundamentem as suspeitas.
A conta de Weltwitschea (“Tchizé”) dos Santos no BCP tinha sido bloqueada por decisão do Ministério Publico em 13 de Agosto de 2020, por suspeitas de que a visada, que foi também deputada do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) no Parlamento, estaria a usar o sistema português para camuflar a eventual origem ilícita de verbas, tendo em conta a origem da transferência (Suíça) e o desconhecimento da origem anterior dos fundos.
A medida foi confirmada posteriormente por vários despachos judiciais e o Ministério Público requereu a prorrogação da suspensão de operações bancárias a partir daquela conta até 26 de Dezembro deste ano, altura em que terminaria o prazo máximo do inquérito por força da suspensão dos prazos processuais, embora tratando-se da investigação de um crime de branqueamento de capitais este prazo fosse de 14 meses.
O juiz decidiu, no entanto, indeferir, por falta de suporte legal um novo pedido de prorrogação da medida por parte do Ministério Público, entendendo que as leis invocadas não se aplicavam, tendo em conta a natureza do prazo em causa.
O documento refere também que “o carácter suspeito quanto à operação bancária e, sobretudo, quanto à origem do dinheiro, não obstante o tempo decorrido desde o início da investigação e o momento actual se mantém muito ténue”.
O magistrado sustenta que as suspeitas iniciais sobre a origem ilícita dos montantes em causa “radicam no facto de a visada ser filha do ex-Presidente de Angola, na opacidade do sistema financeiro suíço e no desconhecimento da origem dos fundos, ou seja, na alegada prática de ilícitos de corrupção cometidos em Angola”.
No entanto, salienta, “nenhuma investigação foi levada a cabo, nomeadamente junto das autoridades de Angola ou junto da visada com vista a recolher elementos relativos à origem dos fundos movimentados da Suíça para Portugal”.
Concluiu, por isso, que além da medida de suspensão da conta se extinguir pelo decurso do prazo, não poderia continuar activa “sem que mais nada sobrevenha aos autos, mesmo em matéria de suspeitas”.
“Tchizé” dos Santos, que vive fora de Angola, perdeu o mandato de deputada em Outubro de 2019. A Assembleia Nacional justificou a retirada do mandato com a ausência prolongada das sessões plenárias e de trabalho.
Na altura, “Tchizé” dos Santos justificou a ausência “involuntária” do país devido à doença da filha e queixou-se de estar a ser “intimidada” por dirigentes do seu partido, afirmando que se recusa a regressar a Angola por falta de garantias de segurança.
“Tchizé” dos Santos é actualmente influenciadora digital e criou um canal no YouTube chamado “Lifestyle em Português”.
Em Maio de 2019, “Tchizé” dos Santos afirmou que o actual chefe de Estado, igualmente Presidente do MPLA, estava a fazer um “golpe de Estado às instituições” em Angola e pedia a destituição de João Lourenço.
Face à realidade – descreveu – em Angola, a deputada assumiu que estava à procura de advogados em Luanda para avançar para o Tribunal Constitucional angolano (embora este mais não seja do que uma sucursal do próprio MPLA) com “um pedido de “impeachment” [destituição]” de João Lourenço, e que também procurava o apoio de deputados para uma Comissão de Parlamentar de Inquérito à actuação do actual chefe de Estado, igualmente Titular do Poder Executivo.
“Tchizé” explicou as ameaças de que era alvo – apontando mesmo uma alegada lista de várias figuras angolanas ligadas ao período da governação do pai, José Eduardo dos Santos (1979 — 2017), que as autoridades pretendiam impedir de sair de Angola – por ser uma voz que contesta algumas das orientações de João Lourenço. “O Presidente da República é conivente porque nada faz”, criticou.
“Está a haver um crime contra o Estado. Isto é um caso para ‘impeachment’. Este Presidente da República merece um ‘impeachment’”, afirmou Welwitschea “Tchizé” dos Santos, considerada a filha mais próxima, politicamente, do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
“Tchizé” falou então em “abuso de poder” com a actual liderança em Angola, referindo o caso de outro deputado do MPLA, Manuel Rabelais, próximo do anterior chefe de Estado e que em Janeiro de 2019 foi impedido pelas autoridades de embarcar num voo internacional, em Luanda, apesar da sua imunidade parlamentar.
“É o senhor João Lourenço que me está a fazer a perseguição através do MPLA, porque ninguém no MPLA toma ali uma atitude sem a autorização do Presidente, ou sem a sua orientação”, afirmou.
“Tchizé” dos Santos assumiu os receios face aos ecos que recebe do partido e que tem vindo a denunciar publicamente, dizendo sem receios que mesmo fora do país é visada: “Passo a vida a receber ameaças”.
“E o partido não me protege, não me defende. A Lei obriga o Estado a prestar segurança aos deputados e eu não fui contactada por nenhum serviço consular, para saberem como é que eu estou, como é que eu não estou. Obviamente que isso é um forte indício de que a perseguição está a vir do Governo e o chefe do executivo é o Presidente da Republica”, apontou.
“Isto é um crime contra o Estado, um Presidente da República estar a atentar contra os direitos de um deputado eleito pelo povo para o supervisionar”, disse ainda “Tchizé” dos Santos, visando sempre João Lourenço.
Ainda assim, assumiu que o seu partido é o MPLA, e disse acreditar que ainda era possível “um entendimento” com a actual liderança de João Lourenço, desde que se garanta a separação de poderes, entre o Parlamento, o partido e o Presidente da República.
Folha 8 com Lusa