João Lourenço, Presidente angolano, por sinal não nominalmente eleito, e também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, apelou no dia 29 de Outubro de 2020 aos jovens para “não se deixarem manipular” por aqueles que não têm condição de resolver os seus problemas em educação, saúde, habitação e emprego. Os jovens não alinharam. Então, para grandes males (possível derrota eleitoral) grandes remédios (guerra, por enquanto jurídica, contra o Presidente da UNITA).
Por Orlando Castro
João Lourenço discursava, na qualidade de líder do MPLA, partido no poder há quase 46 anos, na abertura da IV sessão ordinária do Comité Central, que analisou (ou seja, esteve de acordo com tudo o que o Presidente disser) além de questões internas, a situação dos transportes e vias de comunicação, bem como do Plano Integrado dos Municípios, qualquer um deles geradores de emprego.
A observação feita pelo líder do partido que governa o país desde a independência surgiu após várias manifestações realizadas nos últimos tempos em Angola, nas quais os jovens têm cobrado a promessa eleitoral da criação de 500 mil postos de trabalho e a degradação social e económica da população, sendo que ter 20 milhões de pobres é o melhor e mais paradigmático da capacidade governativa do MPLA.
O Presidente João Lourenço reiterou o direito à manifestação, mas considerou que a UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, deve assumir “todas as consequências dos seus actos de irresponsabilidade” no possível aumento de casos de Covid-19.
Segundo o líder do MPLA, os cidadãos angolanos (sobretudo os de primeira, ou seja, os que sejam a favor do MPLA) têm o direito de reunião e de manifestação, contudo, nesta altura de pandemia, “o seu pleno usufruto fica temporariamente condicionado”.
“Reiteramos o direito à manifestação, algo que é uma realidade no nosso país, onde já tiveram lugar manifestações pacíficas, de protesto ou de reivindicação de direitos, mas não posso deixar aqui de manifestar a nossa indignação com os mais recentes e tristes acontecimentos em Luanda”, referiu João Lourenço, fazendo suas (recorde-se) as teses do seu mentor e mestre, José Eduardo dos Santos.
A tentativa de uma, mais uma, manifestação foi abortada pela polícia, que entrou em confronto violento com os organizadores do protesto, que reagiram com o arremesso de pedras, colocaram nas estradas contentores e pneus a arder, e que provocaram a destruição de meios da polícia.
Para o chefe de Estado angolano, o envolvimento directo da UNITA e dos seus deputados devidamente identificados, “é reprovável e deve merecer o mais veemente repúdio da sociedade angolana, que não pode permitir que partidos políticos, com assento parlamentar, incitem os jovens e a população para a desobediência civil”.
“A UNITA deve assumir todas as consequências dos seus actos de irresponsabilidade, que podem contribuir para o aumento acentuado de novos casos de contaminação por Covid-19”, disse João Lourenço, acenando de forma implícita com risco de ilegalização ou, até, de prisão dos seus dirigentes.
Esse comportamento da UNITA, prosseguiu João Lourenço, pode comprometer e deitar por terra todo o esforço que a nação (segundo a definição do MPLA) vem fazendo, desde Março de 2020, no combate à pandemia. Relembre-se que foi a ausência desse esforço que levou, em 1977, o então Presidente e herói nacional do MPLA, Agostinho Neto, a massacrar todos os supostos contestatários.
“Todo o investimento feito em hospitais de campanha, camas e ventiladores e materiais de biossegurança, laboratórios de biologia molecular, todo o sacrifício consentido todos os dias pelos profissionais de saúde, que arriscam as suas próprias vidas para salvarem outras vidas”, referiu.
O comportamento da UNITA, pode levar o país a ter de entrar novamente em estado de emergência, sublinhou, acrescentando: “[Algo] que todos gostaríamos de evitar, pelas consequências graves na vida familiar, social e profissional das pessoas e na economia do país”.
Provavelmente, se os angolanos continuarem a contestar a ditadura do MPLA, em vez do estado de emergência corre-se o risco de o Presidente decretar o estado de guerra, engavetar a Constituição (que é, aliás, o sítio onde está há muito tempo), não perder tempo com julgamentos e decretar o confinamento (nas prisões ou nos cemitérios) de todos os que ousem pensar de forma diferente.
O chefe de Estado angolano advertiu que “a estratégia de tornar o país ingovernável, para forçar negociações bilaterais, no actual contexto político, em que as instituições democraticamente instituídas funcionam em pleno, não é concretizável”. Por outras palavras, João Lourenço acena com um novo 27 de Maio de 1977 ou, em alternativa, com os massacres de 1992 em que tentou acabar com a UNITA.
“Perante a probabilidade de réplica do que se passou em Luanda pelo país fora, as autoridades competentes vão continuar atentas e cumprir com o seu papel de manutenção da ordem pública e fazer cumprir as medidas tomadas no quadro de calamidade pública”, disse o general João Lourenço, convicto de que a Polícia e as Forças Armadas subscrevem a tese de que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA.
Rabo escondido com gato de fora
Nesta altura em que a popularidade do MPLA cai a pique, o Presidente do MPLA, na sua qualidade de Presidente da República, deu instruções “confidenciais” para que Celestino Paulo Benguela seja o Procurador da República que vai “provar” junto do Tribunal Constitucional que Adalberto da Costa Júnior (AJC) não pode ser Presidente da UNITA porque, como se sabe, ele nasceu na Alemanha, é branco, os pais são austríacos e foram auxiliares de Hitler. E, é claro, com estas origens, não pode ser considerado angolano. Aliás, o MPLA equaciona até a possibilidade de provar que, tal como Jonas Savimbi, AJC nem sequer pode ser considerado… humano.
O MPLA, partido no poder apenas desde 1975, advertiu (entenda-se “ameaçou”) no passado dia 30 de Julho os seus “adversários” (que na intimidade das suas orgias canibalescas, como aprenderam com Agostinho Neto, significa “inimigos e terroristas”) que o poder “não se conquista com inverdades e manchando o nome do país além-fronteiras” (fronteiras de Cabinda? De Cafunfo? Dos massacres de 27 de Maio de 1977?), exortando-os à “responsabilidade, respeito e patriotismo” no exercício da liberdade de expressão.
Não fosse uma verdadeira declaração de guerra, até poderia ser uma candidatura à já exaustiva enciclopédia do nosso anedotário nacional. “Não precisamos de optar por inverdades eivadas de falácias e auto-vitimização, proferindo afirmações que demonstram ignorância e desrespeito pelas instituições”, afirmou a vice-presidente do MPLA, Luísa Damião, na província do Cunene, quando reproduziu as ordens superiores.
Para a líder partidária dos “camaradas”, num “claro desespero ou ânsia desmedida” pelo poder, “certos adversários esquecem-se que este deve ser legitimado por vontade soberana do povo”. É ocaso do MPLA. Naquilo a que chama de eleições, até foi, é e quer continuar a ser, legitimado pelos votos dos angolanos que já morreram, bem como pelos “eleitores desconhecidos” que fazem com que em muitas mesas de voto aparecem mais boletins do que eleitores inscritos.
“Não é com inverdades que se conquista o poder e, muito menos, manchando o país além-fronteiras. O povo angolano está atento, acompanha e aplaude as reformas políticas, económicas e sociais lideradas pelo camarada presidente João Lourenço e saberá fazer a sua escolha”, disse Luísa Damião, coerente com os seus discursos anteriores, apenas substituindo o nome de José Eduardo dos Santos.
Luísa Damião falava na abertura do encontro interprovincial dos secretários executivos dos organismos intermédios do MPLA no Sul, que decorreu na província do Cunene, sul de Angola, afectada pela seca que, como se sabe, é um problema originado pelos adversários, nomeadamente por Adalberto da Costa Júnior, que teimam em não respeitar o patriotismo e a macular o nome do reino além fronteiras.
Segundo a vice-presidente do partido no poder em Angola, no actual contexto de pandemia, dentro e fora do país, são raros os exemplos de economias que alcançaram marcos satisfatórios em termos de crescimento. “E, não ter em conta este facto é sinónimo de ignorância pura dos mais elementares princípios de mercado”, referiu Luísa Damião, mostrando que sabe muito bem a macro diferença entre seis e meia dúzia.
O presidente da UNITA, maior partido na oposição que o MPLA ainda permite, Adalberto da Costa Júnior, tinha dado na altura uma entrevista à televisão portuguesa RTP (a mesma na qual João Lourenço afirmou que em Angola não havia fome) em que teceu “críticas ao Governo angolano e deplorou a condição social das famílias angolanas”. E, é claro, isso é – sobretudo porque é verdade – um crime de lesa Pátria, de lesa Estado, de lesa Reino. E, é claro, os prevaricadores sujeitam-se a chocar com alguma bala perdida. A isso acresce que, citando o seu único herói nacional (Agostinho Neto), o MPLA não está disposto a perder tempo com julgamentos.
Na sua intervenção, Luísa Damião considerou que a democratização da sociedade angolana “tem passado, nos últimos tempos, pela ampliação do espaço de intervenção, expressão e manifestação de opiniões”.
“Sendo inegável que é hoje um dos principais ganhos, reconhecidos reiteradas vezes por organismos internacionais, contudo, a ampliação das liberdades implica maior responsabilidade e responsabilização”, defendeu. Certo, se for de uma regra de sentido único. O MPLA, e bem, exige que a liberdade dos outros termine onde começa a sua. No entanto, não aceita que a sua termine onde começa a dos outros.
Este vértice, realçou, “é, por conveniência, ignorado em profunda manipulação da opinião pública nacional e internacional”. Luísa Damião sabe do que fala.
O MPLA, assegurou, “vai continuar a primar pelo diálogo franco e aberto e a consolidar os ganhos da democracia. Enquanto os nossos adversários estão apenas focados no alcance do poder a qualquer preço, nós devemos fazer bem o nosso trabalho (…)”, notou.
Assim, relembre-se o diálogo do MPLA com os angolanos para iniciar a guerra civil; o diálogo com as muitas dezenas de milhar de angolanos que fuzilou no 27 de Maio de 1977; o diálogo com Cassule e Kamulingue; o diálogo que levou ao fuzilamento do miúdo Rufino António e o jovem adulto Ganga; o diálogo com zungueiras….
Luísa Damião, a mais célebre vice-presidente do MPLA a dar carinho e solidariedade aos familiares das zungueiras que a polícia do MPLA mata, disse que o MPLA vai continuar a primar pelo diálogo franco e aberto e a consolidar os ganhos da democracia. Alguém ouviu a Luísa Damião falar em democracia e diálogo quando o MPLA espancou, prendeu e condenou os Revus a pesadas penas de cadeia por se manifestarem contra a corrupção e defenderem a democracia?