Angola evitou uma situação de incumprimento graças às moratórias internacionais sobre os pagamentos da dívida e poderá demorar mais tempo a recuperar economicamente do que outros países africanos, segundo um relatório publicado hoje pela Fundação Mo Ibrahim.
De acordo com os autores do documento, Angola poderá ter poupado três mil milhões de dólares entre Maio de 2020 e Junho de 2021 graças à Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) promovida pelo G20, que garante uma moratória sobre os pagamentos da dívida dos países mais endividados aos países mais desenvolvidos e às instituições financeiras multilaterais até Dezembro de 2021.
“As moratórias de dívida salvaram temporariamente Angola de incumprimento, enquanto o Chade, a República do Congo, a Mauritânia e o Sudão estão todos sob forte pressão financeira”, refere o estudo “Covid-19 em África, um ano depois: impacto e perspectivas”.
Trinta e oito dos 54 países africanos são elegíveis para usar o DSSI, mas sete optaram por sair por recearem que a participação resultasse numa descida do ‘rating’ da dívida púbica e dificultasse o acesso a novo financiamento em condições não preferenciais.
A Zâmbia foi o primeiro e até agora único país africano a entrar em incumprimento durante a pandemia Covid-19, em Novembro de 2020, e em Abril deste ano a Tunísia entrou em negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para iniciar um novo programa de ajuda financeira.
Este cenário reflecte o impacto da crise pandémica no continente, que levou à revisão em baixa das perspectivas de crescimento económico até 2024, refere o estudo.
Em 2021 espera-se que o Produto Interno Bruto (PIB) africano cresça 4,5%, em vez de 6% projectados antes da pandemia, uma melhoria face à contracção de 1,9% em 2020, de acordo com dados da Fundação baseados nas estimativas do FMI.
“Todos os países, excepto as Ilhas Comores, devem regressar ao crescimento em 2021 e a maioria do continente deve ver o PIB recuperar para os níveis pré-pandémicos (2019) até o final do mesmo ano”, lê-se no relatório.
Porém, existem disparidades no continente, e oito países, incluindo Angola, Maurícias, Seicheles e África do Sul, poderão demorar entre três a seis anos para que o PIB volte aos níveis anteriores à pandemia, enquanto na Argélia, Líbia e Zâmbia, a recuperação poderá levar sete ou mais anos.
O estudo, que fornece uma análise abrangente do impacto da pandemia Covid-19 sob as perspectivas da saúde, sociedade, política e economia, vinca que a pandemia Covid-19 exacerbou problemas enfrentados no continente, nomeadamente o desemprego, que deverá chegar a um máximo na última década.
“Confinamentos e proibições de viagens em todo o mundo atingiram sectores importantes. Consequentemente, as perspectivas de emprego para jovens diminuíram ainda mais, milhões caíram na pobreza, a insegurança alimentar disparou e as desigualdades aumentaram”, refere.
O relatório “Covid-19 em África, um ano depois: impacto e perspectivas” foi publicado na véspera do início do Ibrahim Governance Weekend 2021, promovido pela Fundação Mo Ibrahim, que vai decorrer num formato digital entre quinta-feira e sábado.
O empresário Mo Ibrahim, fundador e presidente da Fundação com o seu nome, defende na introdução que “a recuperação da pandemia oferece uma oportunidade África construir um novo modelo de crescimento que seja mais sustentável e resiliente”.
Entre os oradores do Fórum estão, entre outros, o Director-Geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o Presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, o director do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC), John Nkengasong, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
O magnata britânico de origem sudanesa Mo Ibrahim é conhecido por dizer as verdades, mesmo quando o mundo olha para o lado e assobia.
Por exemplo, Mo Ibrahim responsabilizou as “falhas monumentais dos líderes africanos após a independência”, explicando sem meias palavras (coisa cada vez mais rara) que, “quando nasceram os primeiros Estados africanos independentes, nos anos 50, África estava melhor em termos económicos”.
Há dez anos, falando em Paris, Mo Ibrahim disse que os interesses da Europa apenas podem ser duravelmente garantidos pela democracia e não pelo apoio aos ditadores.
“Se a Europa quer garantir a longo prazo os seus interesses, ela tem todo interesse em se aproximar dos povos africanos. Pensar que a conivência com os ditadores seria benéfica é um grande erro”, indicou Mo Ibrahim.
Este empresário, que fez fortuna na telefonia celular ao criar o operador CELTEL que se tornou depois ZAÏN, chegou mesmo a qualificar de “vergonhoso e um golpe à dignidade” a contínua dependência de África em relação ao ocidente, tendo em conta os “recursos impressionantes” que abundam no continente.
“Não se justificam a fome, a ignorância e a doença que assolam África”, disse Mo Ibrahim, para quem a solução terá de passar obrigatoriamente por “bons líderes, boas instituições e boa governação”, sem os quais “não haverá Estado de Direito, não haverá desenvolvimento”.
E recordou que “havia uma África na qual o Estado era o único proprietário dos meios de informação, na qual a única televisão pertencia ao poder, na qual toda a informação era controlada. Esta África já não existe”.
Por isso, “o que aconteceu na Tunísia e no Egipto nunca teria sido possível sem as tecnologias de informação e comunicação. Apesar dos esforços colossais, os Governos destes dois países não conseguiram impedir a circulação das informações. Nesta nova África, o povo é o único soberano e os nossos amigos europeus devem persuadir-se disso”.
Comparando o posicionamento europeu com o norte-americano, Mo Ibrahim entende que “os americanos escolhem geralmente muito claramente a democracia e a luta contra a corrupção na sua relação com os Estados africanos. Seria bom que os nossos amigos Europeus fizessem o mesmo”.
Em relação às posições da Europa, recorde-se que Margaret Thatcher, que em Maio de 1979 se tornou a primeira mulher a dirigir um governo britânico, proibiu nesse ano o seu enviado especial à Rodésia de se encontrar com Robert Mugabe.
E fê-lo para defender a democracia? Para lutar contra as ditaduras? Não. O argumento, repare-se, era o de que “não se discute com terroristas antes de serem primeiros-ministros”.
“Não. Por favor, não se reúna com os dirigentes da ‘Frente Patriótica’. Nunca falei com terroristas antes deles se tornarem primeiros-ministros”, escreveu – e sublinhou várias vezes – numa carta do Foreign Office de 25 de Maio de 1979 em que o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Lord Peter Carrington, sugeria um tal encontro.
Ou seja, quando se chega a primeiro-ministro, ou presidente da República, deixa-se de ser automaticamente terrorista. Não está mal. É verdade que sempre assim foi e que sempre assim será.
Folha 8 com Lusa