O Governo angolano e a FAO estão a reproduzir nas restantes províncias, depois de Luanda, o chamado Diálogo Nacional sobre os Sistemas Alimentares, para recolher contribuições para a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional de Angola (ENSAN II) 2022-2030. Estratégia, que a fazer fé noutras encetadas nos últimos quase 46 anos, vão navegar nas areias do deserto do Namibe.
De acordo com um comunicado de imprensa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), esta acção decorre depois do lançamento, no dia 6 de Julho, em Luanda deste debate, que juntou representantes do Ministério das Relações Exteriores, da Agricultura e Pecuária e de agências das Nações Unidas.
Os Estados-membros da ONU foram incentivados a organizar diálogos nacionais sobre os sistemas alimentares, prévios à Cimeira que terá lugar paralelamente à 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a realizar-se entre 14 e 30 de Setembro deste ano, em Nova Iorque.
A FAO e o Ministério da Agricultura e Pescas estão agora a liderar os debates provinciais dos Diálogos Nacionais, que decorrem em formato presencial e virtual, para que seja possível a participação das 18 províncias do país.
Segundo o documento, os Diálogos Nacionais em Angola enquadram-se nas consultas públicas sobre a nova ENSAN II 2022-2030, que tem como objectivo geral promover um sistema alimentar sustentável em Angola, “capaz de erradicar a fome e de alimentar adequadamente todos os angolanos, preservando os recursos naturais do país, assim como promovendo a sua resiliência alimentar”. Fome que, recorde-se, o Presidente da República, João Lourenço, em sintonia plena com o Presidente do MPLA, João Lourenço, e com o Titular do Poder Executivo, João Lourenço, disseram não existir em Angola.
“A ENSAN II assenta na visão da realização progressiva do Direito Humano à Alimentação, com a promoção de um sistema alimentar sustentável e resiliente e com a aceleração de investimentos que permitam atingir os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, em especial o ODS número 2 que visa a erradicação da fome a nível mundial até 2030”, refere o comunicado.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou a presidentes e chefes de Governo do mundo a participem no diálogo, com vista a estabelecer os percursos nacionais para a transformação dos sistemas alimentares e acelerar a acção colectiva para alcançar os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030.
Substituir seis por… meia dúzia
No dia 9 de Julho de 2019, o Governo angolano disse que queria alcançar a auto-suficiência alimentar para “garantir uma soberania segura”, mas, apesar das acções em curso, como o apoio à agricultura familiar, “não tem ainda um horizonte temporal” para alcançar esta meta, disse na altura o célebre e paradigmático ministro da Agricultura e Florestas de Angola, Marcos Nhunga.
“Estaria a mentir se lhe disser que daqui a um, dois ou três anos vamos atingir auto-suficiência alimentar, temos é que trabalhar para resolver aqueles que são os pressupostos fundamentais para o desenvolvimento de qualquer agricultura”, disse aos jornalistas o ministro Marcos Nhunga.
“A abordagem e o objectivo que o executivo tem é atingirmos a auto-suficiência alimentar, tenho estado a referir muitas vezes isso porque um país sem auto-suficiência e segurança alimentar não tem uma soberania segura”, apontou.
Segundo o governante (que entretanto foi semear demagogia, como governador, para Cabinda), que falava à margem da abertura oficial da 35ª edição da Feira Internacional de Luanda (FILDA) 2019, “várias acções” estavam em curso com vista ao alcance da auto-suficiência alimentar.
Referiu que são acções constantes na linha programática do sector que dirigia, nomeadamente do “apoio à agricultura familiar, ao sector empresarial”.
“Mas dizer-lhe para quando, é muito difícil, porque há muitos factores que emperram o desenvolvimento da nossa agricultura e temos que ir resolvendo esses problemas paulatinamente”, admitiu.
Gozar com quem tem fome
O Governo angolano (ou seja, do MPLA desde 1975) garantiu no dia 14 de Dezembro de 2018 que a dotação para o sector da Agricultura, de 1,6% de todas as despesas inscritas no Orçamento Geral do Estado para 2019, iria concorrer para o “alcance da auto-suficiência alimentar”, promovendo diversas culturas.
“A nossa prioridade continua a ser o alcance da auto-suficiência alimentar e procuramos com que consigamos a nível do país obter mais divisas, implantando culturas como o milho, cacau e café”, afirmou nesse dia (perante o espanto mundial em função da descoberta) o ministro da Agricultura e Florestas de Angola, Marcos Alexandre Nhunga.
Em declarações aos jornalistas, após a aprovação final no Parlamento da proposta do OGE para 2019, o então ministro salientou que, com auto-suficiência alimentar, o país deve diminuir as importações e gastar menos divisas.
Que maravilha. Marcos Alexandre Nhunga é um dos melhores cérebros do MPLA. Então não é que diminuindo as importações o país vai gastar menos divisas? Quem diria? De facto, ninguém tinha descoberto tal coisa. Está de parabéns o Governo e, é claro, o então ministro.
No Orçamento de 2019, aprovado nesse dia apenas com votos favoráveis do MPLA e votos contra e abstenções da oposição, o sector da agricultura absorvia 1,6% de todas as despesas, um aumento face aos 0,4% do Orçamento de 2018.
“E vamos lutar para que se possa consignar mais verbas para o sector da agricultura, para podermos trabalhar muito mais”, indicou Marcos Alexandre Nhunga. Provavelmente para ser uma luta que leve à vitória, o então ministro devia contar com o apoio das Forças Armadas. Isto porque não vão os agricultores dedicar-se antes à produção de marimbondos… ou caranguejos.
Mas, observou o ministro, houve “recomendações muito concretas, em relação ao sector da agricultura, de forma a diversificarmos melhor a nossa economia”. Ou seja: “Queremos aumentar a produção e a produtividade a nível da agricultura, pecuária e florestas”.
O trabalho manual das terras agrícolas, com recurso a enxadas, ainda é utilizado em 98% dos terrenos em Angola, em contraponto com o reduzido recurso à mecanização nos cerca de cinco milhões de hectares de cultivo.
A informação foi avançada, recorde-se, no dia 11 de Maio de… 2017 pelo então ministro da Agricultura de Angola, por sinal o mesmo Marcos Alexandre Nhunga, durante uma reunião com agentes económicos ligados à banca comercial, empresas do sector do agrícola, seguradoras e outros, tendo afirmado que apenas 2% dos hectares de cultivo do país são preparados com “recurso a mecanização e tracção animal”.
“A actividade de produção agrícola no país debate-se com o problema do baixo uso de mecanização na preparação de terras”, admitiu.
Provavelmente esta realidade enquadra-se, como tanto gosta o regime que (des)comanda o país desde 1975, no facto de Angola viver desde finais de 2014 uma profunda crise económica, financeira e cambial devido à queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, com o ministro a admitir consequências negativas no sector, como a falta de meios de apoio à produção agrícola.
“Com a retracção da actividade económica, vários meios e equipamentos de trabalho detidos pelas empresas de construção civil, tais como tractores, camiões e outros, incluindo a mão-de-obra, ficaram praticamente inactivos. Estando muitos deles parqueados nos estaleiros”, observou.
Nesse encontro, que juntou empresários angolanos e estrangeiros do agronegócio para apresentação de oportunidades de investimentos no sector, o governante admitiu que os meios “ociosos” de mecanização agrícola “podem ser, facilmente, reconvertidos para a realização de actividades agrícolas”.
“Diante da realidade que algumas empresas atravessam, imposta pela conjuntura económica, uma alternativa segura para as vossas empresas hoje seria o aproveitamento das oportunidades existentes no sector agrário investindo no agronegócio”, alertou, dirigindo-se aos empresários.
Marcos Alexandre Nhunga referiu ainda que apesar de Angola dispor de “solos de elevada aptidão agrária, abundantes recursos hídricos e uma expressiva faixa da população dedicada às actividades do campo”, actualmente “a produção interna ainda, em muitas culturas, não satisfaz as necessidades de consumo”.
“A realização plena do potencial do sector agrário nacional, como motor da segurança alimentar e promotor do desenvolvimento socioeconómico do país, depende, em grande medida, da eficiência e eficácia com que decorrem as actividades produtivas dentro de cada um dos seus subsectores”, concluiu.
Descoberta da pólvora seca… na versão molhada
Recorde-se que, tal como o seu colega das Finanças, também o ministro da Agricultura, Marcos Nhunga, descobriu a pólvora que, por sua vez, fora inventada pelo seu antecessor, Afonso Pedro Canga.
Então, como grande novidade, Marcos Nhunga, apelou à participação activa dos intervenientes no sector agrário para o processo de diversificação da economia, tendo em vista melhorar as condições de vida da população.
Originalidade não falta. O ministro da Agricultura dizia que pelo facto de o país estar a atravessar um momento de crise financeira, precisa de buscar força e inteligência para concretizar os objectivos que o país se propõe, a criação das melhores condições de vida. Quem diria?
De acordo o governante, deve-se prestar atenção especial a todos os quadros desta área e moralizá-los, de modo a trabalhar mais para o cumprimento dos objectivos traçados.
Marcos Nhunga dizia que deve haver maior motivação a nível dos quadros do Ministério, um diálogo interno e permanente nos órgãos internos, assim como com os empresários, para que todos se revejam nos programas deste sector.
Marcos Nhunga, referiu ainda que o sector da agricultura é chamado para arranjar soluções. Apelou aos membros do Ministério a não se aproveitar das respectivas funções para a resolução dos problemas pessoais. Boa!
“Vamos pautar por uma gestão rigorosa e transparente para que os poucos e parcos recursos que forem arrecadados possam ser aplicados para o alcance dos objectivos traçados”, disse Marcos Nhunga, acrescentando que deve haver união entre todos os que trabalham para a mesma causa.
Em Angola, depois do milho o arroz é o segundo cereal mais consumido, mas a sua produção interna, apesar dos esforços para o seu incremento, ainda não satisfaz as necessidades, obrigando a reforçar a sua importação.
Há muito que se sabe que quando o petróleo espirra Angola entra em estado de coma. Mesmo assim, os peritos dos peritos do regime olham sempre para o lado, não vão ser contaminados com essa epidemia da competência e da diversificação da economia.
As ligações económicas de Angola ao petróleo ilustram, aliás, um problema mais amplo em África; as nações produtoras que ligaram as suas fortunas exclusivamente ao crude encontram-se agora reféns da turbulência dos preços, correndo muitas o risco de um desastre colectivo de larga escala.
Como antídoto, o regime esperava que novos empréstimos e investimentos da China, o maior parceiro comercial de Angola, conseguissem ajudar a conduzir a economia dependente do petróleo por entre as águas revoltas. Mas essa opção não está a resultar e o barco mete água por todos os lados.
Do ponto de vista da propaganda, Luanda e Pequim apresenta-se ao mundo como “irmãos e parceiros estratégicos de longo prazo”. No entanto, a verdade é que os importadores angolanos estão agora em dificuldades para pagar artigos básicos como medicamentos ou cereais.
Folha 8 com Lusa