A ministra das Finanças de Angola, Vera Daves, realçou hoje, em Luanda, o crescimento ainda que “tímido” verificado no primeiro trimestre deste ano comparativamente ao quarto trimestre de 2020. Bem que o MPLA poderia, quiçá, obter melhor crescimento se o comparasse com o primeiro trimestre do ano em que Diogo Cão se filiou no partido…
Vera Daves, que procedia à apresentação na Assembleia Nacional do Relatório de Execução Orçamental do primeiro trimestre, salientou que o país registou uma taxa de crescimento negativa, de menos 3,4%, comparativamente ao mesmo período de 2020.
“Mas se a comparação for entre o primeiro trimestre de 2021 e o quarto trimestre de 2020 já verificamos uma taxa de crescimento positiva de 0,2%, ainda muito tímida, é certo, mas um primeiro sinal de que começamos a fazer a curva de inflexão em termos de crescimento económico”, referiu.
A governante, fazendo o enquadramento macroeconómico no período em análise, frisou que o preço de referência do petróleo foi de 61,7 dólares (52,5 euros) por barril, a produção petrolífera situou-se em 1,13 milhões de barris/dia, sendo a inflação acumulada de 5,5%, no trimestre, mas de 24,8% comparativamente ao primeiro trimestre de 2020.
A titular da pasta das Finanças disse que as reservas internacionais líquidas foram de 8,4 mil milhões de dólares (7,1 mil milhões de euros), tendo havido uma apreciação kwanza de 4,1% comparativamente ao dólar.
Relativamente à execução do Orçamento Geral do Estado, no que se refere às receitas, Vera Daves destacou a arrecadação, no trimestre, de receitas totais de 2,1 biliões de kwanzas (2,7 mil milhões de euros), representando uma execução de 15%, face ao valor total do orçamento e uma redução de 19% face ao período homólogo.
“Vale referir que dessas receitas totais 59% diziam respeito a receitas correntes e 41% a receitas de capital. As receitas correntes tiveram uma execução de 16% e as receitas de capital de 13%”, disse.
Vera Daves sublinhou que se entende por receitas correntes as provenientes do petróleo, diamantes e das contribuições sociais, bem como de outras categorias, nomeadamente impostos, como o Imposto de Rendimento do Trabalho (IRT), Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), entre outros.
“Receitas de capital, entenda-se alienações de activos e receitas de financiamento interno e externo resultam do endividamento do Estado”, acrescentou.
Quanto às despesas, o país registou despesas totais de cerca de 2,58 biliões de kwanzas (3,4 mil milhões de euros), representando uma execução de 17% face ao valor total do OGE e um aumento de 7% face ao período homólogo.
Das despesas totais, 40% corresponderam às despesas correntes, com uma execução de 13%, e 60% às despesas de capital, com uma execução de 22%.
“Vale caracterizar despesas correntes, entenda-se remunerações com pessoal e contribuições de empregadores, despesas com bens, serviços e juros da dívida. Despesas de capital vale destacar investimentos e despesas de capital financeiro, no caso amortização de capital em dívida”, explicou Vera Daves.
A governante realçou que o sector social liderou a lista, com uma execução de 16% do valor total autorizado e uma participação de 35% da despesa total, seguindo-se o sector económico com a segunda maior participação da despesa total, representando 26%, tendo executado cerca de 34%.
O sector de defesa e segurança, em terceiro lugar da lista, teve uma execução de 24% e um peso também de 24% da despesa total, seguindo-se o dos serviços públicos gerais, que representaram cerca de 15% da despesa total, com uma execução de 11%.
Sobre o balanço do plano anual de endividamento, a ministra salientou que relativamente à dívida interna as emissões totalizaram cerca de 1,1 biliões de kwanzas (1,4 mil milhões de euros) e o serviço da dívida foi de 1,4 biliões de kwanzas (1,8 mil milhões de euros), sendo capital 1,2 biliões de kwanzas (1,5 mil milhões de euros) e juros e comissões 273 mil milhões de kwanzas (313,5 milhões de euros).
“No âmbito da dívida externa foram desembolsados cerca de 111 mil milhões de kwanzas (146,8 milhões de euros) e verificou-se um serviço de dívida na ordem dos 325,8 mil milhões de kwanzas (430 milhões de euros), com 265,8 mil milhões de kwanzas (351,6 milhões de euros) de capital e 60 mil milhões de kwanzas (79,3 milhões de euros) na ordem de juros e comissões”, referiu.
O ‘stock’ da dívida governamental, até ao primeiro trimestre de 2021, foi de 39,5 biliões de kwanzas (52,2 mil milhões de euros), dos quais a dívida interna representava 29% e a dívida externa 71%.
No período em análise, o país registou um défice de 436,2 mil milhões de kwanzas no que se refere às receitas totais e despesas totais.
“Saldo fiscal, diferença entre receitas correntes e despesas correntes e de investimentos, excluindo as despesas de capital financeiro, também tivemos um saldo deficitário de 227,7 mil milhões de kwanzas (301,2 milhões de euros)”, acrescentou a ministra.
“A boa-nova é que, relativamente ao saldo corrente, mantemos a tendência de ter um superavit, ou seja, a diferença entre receitas correntes e despesas correntes foi superavitário na ordem dos 236,5 mil milhões de kwanzas (312,8 milhões de euros), demonstrando que as despesas correntes foram suficientes para fazer face às despesas correntes”, destacou.
O projecto de resolução sobre a apreciação do Relatório e Execução do Orçamento Geral do Estado, referente ao primeiro trimestre do ano, foi aprovado por 130 votos a favor, com 38 votos contra do grupo parlamentar da UNITA.
A deputada da UNITA, Miraldina Jamba, justificou o voto contra por constatar, entre outros aspectos, que no período em análise apurou-se um resultado orçamental deficitário de 436 mil milhões de kwanzas (576,8 milhões de euros), correspondendo a uma variação negativa acima dos 100%, verificando-se o mesmo com o saldo fiscal.
“Denotou-se que no cômputo geral a execução financeira no período em apresso é deficitária abaixo dos 25% do que era recomendável, tendo em consideração a despesa autorizada”, referiu.
O que é feito do controlador financeiro?
Em Fevereiro de… 2018, foi anunciado que Governo pretendia aprovar, ainda nesse ano, legislação sobre responsabilidade fiscal, para melhorar a qualidade da despesa pública, introduzindo a figura do “controlador financeiro”.
Em causa estava a execução da lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2018, aprovado como previsto em votação final, no Parlamento, e as medidas previstas pelo Governo para “melhorar a qualidade da despesa”, conforme realçou o então ministro das Finanças, Archer Mangueira.
De acordo com Archer Mangueira, o objectivo com esse OGE era “realizar despesa com maior rigor, com maior disciplina e com transparência”.
“Por essa razão, estamos a preparar uma lei de responsabilidade fiscal e introduzir elementos novos, por exemplo a nível da gestão das finanças públicas nós vamos introduzir a figura do controlador financeiro”, explicou o governante, numa entrevista ao canal público de televisão do MPLA.
Na entrevista, já após a aprovação do OGE no Parlamento, apenas com os votos favoráveis do MPLA, partido no poder desde 1975, Archer Mangueira explicou que actualmente o Tesouro e o Ministério das Finanças fazem apenas a atribuição das quotas financeiras para cada unidade orçamental (ministérios, departamentos governamentais e outros) e que no fim de cada exercício, “por via da informação que recebe, vai controlando a execução, depois da atribuição das verbas”.
“Com este Orçamento [OGE 2018], com a introdução da figura do controlador financeiro, o objectivo não é depois da execução, é controlar em tempo real o destino dos recursos que são cabimentados e que são pagos”, sublinhou.
Em paralelo, o Governo angolano estaria a avançar, ainda na área da melhoria da qualidade da despesa pública, com o regime da contratação electrónica de bens e serviços do Estado, apertando igualmente com a obrigatoriedade de realização de concursos públicos, disse o ministro.
Ainda em 2018, explicou Archer Mangueira, seriam “reforçadas” as acções de recadastramento dos funcionários públicos, com vista “a eliminar os chamados ‘trabalhadores fantasma’” que ainda existem na Função Pública angolana.
O Governo angolano previa um crescimento económico de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no OGE para 2018.
O Relatório Parecer Conjunto à proposta de Lei do OGE para 2018, com 56 constatações e 202 recomendações, pediu que fossem incrementadas as verbas atribuídas ao sector da saúde, educação, ensino superior e construção, pressupondo um valor global de 96.453.183.132,00 kwanzas (372 milhões de euros).
“Este incremento corresponderá à aproximadamente 0,5% de incremento do défice fiscal, elevando-o para 3,5%, sendo que o nível de endividamento seria elevado na mesma proporção”, referia o relatório-parecer.
No documento era ainda recomendado que o reforço para o sector social fosse retirado da dotação orçamental para a concessionária nacional (do MPLA) Sonangol, que dos actuais 7% passaria a 5%, sendo o diferencial de 2% para a referida área.
A proposta de OGE para o exercício económico de 2018 comportava inicialmente receitas e despesas de 9,658 biliões de kwanzas (36.870 milhões de euros), representando a despesa com o pessoal 1,647 biliões de kwanzas (6.280 milhões de euros), o correspondente a 17% do total.
As contas do Estado para 2018 previam inicialmente um défice de 697,4 mil milhões de kwanzas (2.690 milhões de euros), equivalente a 2,9% do PIB, traduzindo-se no quinto ano consecutivo de défice nas contas nacionais.
O exemplo socrático do controlador financeiro
Portugal também já andou nessa tese do “controlador financeiro”, com excelentes resultados para o desastre económico e financeiro, no tempo do primeiro-ministro José Sócrates (2005/2011).
De facto, a proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2006 previa que cada ministério tivesse um controlador financeiro, que actuaria na dependência do ministro da respectiva área governamental mas também do ministro das Finanças.
O controlador financeiro acompanhava a execução orçamental de todas as entidades na esfera do respectivo ministério e quaisquer medidas e compromissos que este não aprove só podem prosseguir quando autorizadas por despacho ministerial conjunto.
O ministro das Finanças de então (2005/2011), Teixeira dos Santos, tinha já anunciado a intenção do Governo de criar a figura de controlador financeiro, em declarações feitas à margem da reunião de ministros das Finanças da União Europeia, em Setembro de 2005, no Reino Unido.
Entre as funções do controlador financeiro estavam o acompanhamento da gestão financeira e a comunicação das tendências de risco para os objectivos de consolidação das Finanças Públicas, o acompanhamento do cumprimento das obrigações financeiras para com terceiros e a intervenção em iniciativas com impacto financeiro relevante, de forma a evitar desvios.
As funções do controlador financeiro abrangem a fase de planeamento, da execução orçamental e da prestação de contas.
Teria também a obrigação de comunicar ao ministro das Finanças e ao do ministério a que pertence a avaliação dos impactos financeiros previstos e, periodicamente, apresentar relatórios sobre a execução orçamental, a evolução prevista e os problemas identificados, com propostas para os resolver.
O Conselho de Ministros de 12 de Janeiro de 2006 aprovou a criação da figura do controlador financeiro que acompanharia a evolução das contas de cada ministério.
A figura do controlador financeiro é já corrente nas maiores empresas do sector privado. No caso do Governo português de José Sócrates os resultados foram bem visíveis: bancarrota, falência e o pedido de salvação feito à troika.
Folha 8 com Lusa