Carniceiros maus e carniceiros bons

A justiça internacional confirmou, em recurso, a condenação a prisão perpétua do ex-líder militar sérvio da Bósnia, Ratko Mladic, condenado por crimes contra a Humanidade e crimes de guerra cometidos durante a guerra da Bósnia de 1992 a 1995. Na Re(i)pública de Angola do MPLA o “Carniceiro do 27 de Maio”, Agostinho Neto, é herói nacional do MPLA…

O Mecanismo para os Tribunais Penais Internacionais (MTPI) de Haia rejeitou as alegações de Ratko Mladic e ratificou a sua condenação a prisão perpétua pelo genocídio de Srebrenica, onde morreram 8.000 muçulmanos, quatro crimes de guerra e cinco contra a humanidade. Em Angola, nos massacres de 27 de Maio de 1977 foram assassinados cerca de 80 mil angolanos por ordem directa de Agostinho Neto, o herói nacional do MPLA.

“Esta câmara mantém a sentença de prisão perpétua para o Sr. Mladic”, declarou o MTPI, rejeitando o recurso apresentado pelo ex-general.

O veredicto põe ponto final ao processo legal contra aquele que ficou conhecido como “o carniceiro dos Balcãs”, já que a decisão do MTPI – que substituiu o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) após o seu encerramento, em 2017 — não é passível de recurso.

Ratko Mladic, de 78 anos, foi condenado a prisão perpétua por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio pelo seu envolvimento na guerra na Bósnia (1992-1995) que provocou cerca de 100.000 mortos e 2,2 milhões de refugiados.

Mladic foi detido em 2011 após 16 anos em fuga e, na sequência de um processo que se prolongou por três anos, a decisão em primeira instância foi emitida em Novembro de 2017 pelo TPIJ, que se extinguiu de seguida.

Ainda em 2017, o ex-líder militar da República Srpska (RS, a actual entidade sérvia da Bósnia-Herzegovina) recorreu da sua condenação a prisão perpétua pelo seu envolvimento no massacre de Srebrenica em 1995, que terá provocado a morte de cerca de 7.000 homens e rapazes muçulmanos em idade de combater, na sequência do assalto militar dos sérvios bósnios a este enclave em Julho de 1995.

O julgamento do recurso iniciou-se no final de agosto de 2020 perante o MTPI.

Ratko Mladic afirmou que o Tribunal era um “produto das potências ocidentais” e afirmou ter sido sempre “um alvo da aliança da NATO”, acusando os procuradores de o descreverem em termos “satânicos, pérfidos e diabólicos”.

Inicialmente previstas para 2020, as audiências foram adiadas uma primeira vez pelo facto de Mladic ter sido submetido a uma operação ao cólon, e uma segunda vez devido à pandemia de Covid-19.

Mais de 25 anos após o conflito, o ex-general mantém uma aura de herói entre os seus, mas o seu nome permanecerá associado aos crimes da guerra da Bósnia, desde o cerco de Sarajevo ao massacre de Srebrenica.

Apesar da pandemia, familiares das vítimas, incluindo Munira Subasic, presidente de uma das associações de “mães de Srebrenica”, viajaram para Haia para olhar o “carrasco” nos olhos.

“Este é um dia histórico, não só para nós, mães, mas também para todos os Balcãs, Europa e mundo”, declarou Subasic. Ratko Mladic “é um monstro que não se arrependeu do que fez, mesmo depois de 26 anos”, continuou ela perante o MTPI. “Onde quer que o seu exército fosse, onde quer que colocasse os pés, cometia genocídio”, acrescentou.

“Este julgamento histórico mostra que quem cometer crimes horríveis será responsabilizado”, saudou o presidente norte-americano, Joe Biden.

O veredicto “ressalva a determinação da justiça internacional em fazer os acusados prestarem contas – e no caso de Mladic, passaram-se quase três décadas após os seus crimes hediondos”, afirma comunicado da alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

“A sentença final no caso de Ratko Mladic (…) põe fim a um julgamento chave na história recente da Europa, por crimes de guerra, incluindo genocídio, que ocorreram na Bósnia-Herzegovina”, declararam o Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, e o comissário responsável pela Vizinhança e o Alargamento, Olivér Várhelyi, num comunicado conjunto.

“A negação do genocídio, o revisionismo e a glorificação de criminosos de guerra contradizem os valores europeus mais fundamentais”, frisaram ainda Josep Borrell e Olivér Várhelyi.

“A decisão é uma oportunidade para os líderes da Bósnia-Herzegovina, e perante os factos, conduzirem o caminho para homenagear as vítimas e promover um ambiente favorável à reconciliação”, acrescentaram o chefe da diplomacia europeia e o comissário, recordando que este é um dos requisitos para uma futura e eventual integração do país no bloco comunitário.

Por sua vez, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, considerou que a condenação “vai ajudar-nos todos a deixar o passado doloroso para trás e a colocar o futuro em primeiro lugar”, ao passo que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Heiko Mass, elogiou “o triunfo da justiça”.

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, celebrou “a decisão do MTPI de confirmar a condenação de Ratko Mladic”. “É correcto que seja responsabilizado pelos seus atrozes crimes contra civis, incluindo a morte de milhares de homens e rapazes bósnios em Srebrenica, em 1995”, disse em comunicado.

Stoltenberg recordou que a Aliança Atlântica “ajudou a pôr fim a duas guerras étnicas nos Balcãs ocidentais nos anos 1990”, bem como a “fechar um capítulo negro e vergonhoso na história europeia”. O dirigente da NATO salientou também que a região “continua a ser estrategicamente importante” para a organização e que os países membros continuarão “a contribuir para a estabilidade e segurança nos Balcãs ocidentais, promovendo a paz e a reconciliação”.

A defesa e a acusação recorreram do resultado do primeiro julgamento, no qual o TPII absolveu Ratko Mladic de genocídio em várias outras instâncias, o que constitui a maior parte do recurso apresentado pelo procurador.

A defesa de Ratko Mladic, por sua vez, pediu a absolvição das acusações de genocídio que resultaram em prisão perpétua, alegando que eram infundadas.

Mladic, considerado até hoje um defensor do povo sérvio por muitos sérvios da Bósnia, afirmou que foi arrastado para o conflito desde o início da guerra na Bósnia.

Na véspera do veredicto, na praça central da cidade de Bratunac, perto de Srebrenica, cerca de 50 sérvios assistiram à exibição de um filme sobre Mladic.

“O seu trabalho foi grande e nunca deve ser esquecido”, disse à AFP Vojin Pavlovic, presidente da associação nacionalista Istocna alternativa (Alternativa Oriental). “Só precisas de ser um sérvio para ser sentenciado em Haia”, acrescentou, dizendo que estava “pessimista” sobre o veredicto de recurso do general.

Ratko Mladic é um dos principais líderes julgados pela justiça internacional por crimes cometidos durante as guerras na ex-Jugoslávia, além do ex-líder político dos sérvios bósnios Radovan Karadzic, condenado à prisão perpétua em 2019, e do ex-presidente jugoslavo Slobodan Milosevic, que morreu na sua cela em Haia de um ataque cardíaco em 2006, antes de seu julgamento ser concluído.

O procurador do MTPI, Serge Brammertz, alertou que o julgamento final de Mladic não seria suficiente para encerrar as divisões nos Balcãs, considerando que marcava apenas o fim de um capítulo.

Folha 8 com Lusa

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