Cadáveres de recém-nascidos retirados de contentores de lixo

Oficialmente, 17 recém-nascidos foram abandonados em contentores de lixo, em Luanda, desde Dezembro. As mães angolanas continuam a gerar filhos com fome e que, quando nascem, o fazem com fome. E, claro, muitos morrem pouco depois com… fome. Será que nos devemos orgulhar de Angola estar nos primeiros 20 países com maiores índices de mortalidade neonatal?

O número de mortes de recém-nascidos a nível global mantém-se assustadoramente elevado, sobretudo nos países mais pobres do mundo, ou naqueles que são ricos mas que não geram riqueza para o seu povo. Geram apenas ricos, milionários.

Os bebés nascidos no Japão, Islândia e Singapura têm a maior probabilidade de sobreviver enquanto os recém-nascidos no Paquistão, República Centro-Africana, Angola ou Afeganistão enfrentam as piores probabilidades.

“Embora tenhamos reduzido para mais da metade o número de mortes entre crianças abaixo dos 5 anos de idade nos últimos 25 anos, não fizemos progressos semelhantes relativamente à redução da mortalidade de crianças com menos de 1 mês de idade,” disse em 2018 Henrietta H. Fore, Directora Executiva do UNICEF, sendo que a maior parte destas mortes podem ser evitadas.

A nível global, o índice médio da mortalidade infantil em países de baixa-renda é de 27 mortes em 1,000 nascimentos, diz o relatório “Para Cada Criança, Vida. É urgente acabar com a morte de recém-nascidos” (Every Child Alive. The urgente need to end newborn deaths). Em países de alta-renda, esse mesmo índice é de 3 mortes em 1,000. Assim, os recém-nascidos em países onde os partos são realizados com maiores riscos têm 50 vezes mais probabilidade de morrer que nos países onde o parto é o mais seguro.

Oito dos 10 lugares mais perigosos para se nascer estão situados na África Subsariana, onde a probabilidade de assistência a mulheres durante o parto é menos provável devido à pobreza, conflitos e fragilidade das instituições. O relatório colocava Angola na posição 19 da lista dos países com maiores índices de mortalidade neonatal. Se até 2030 cada país reduzisse o seu índice de mortalidade neonatal ao nível médio dos países de alta-renda, 16 milhões de vidas poderiam ser salvas.

Mais de 80 por cento das mortes de recém-nascidos devem-se a nascimentos prematuros, complicações durante a gravidez ou infecções tais como a pneumonia e septicemia. Estas mortes podem ser prevenidas com o acesso a parteiras bem formadas e a soluções já comprovadas, tais como o uso de água limpa, desinfectantes, amamentação nas primeiras horas, contacto com o corpo da mãe e uma boa nutrição. Contudo, a escassez de profissionais de saúde e parteiras bem formadas significa que milhares recém-nascidos não recebem o apoio necessário para sobreviver. Por exemplo, enquanto na Noruega existem 218 médicos, enfermeiras e parteiras para servir 10.000 pessoas, essa proporção é de 1 para 10.000 na Somália.

Em Angola o UNICEF apoia o Governo (que por sua vez apenas se apoia a si próprio) nas suas acções para reduzir a mortalidade neonatal por meio do reforço dos cuidados de saúde e de nutrição da grávida e do recém-nascido, incluindo o programa de prevenção da transmissão do VIH-Sida de mãe para filho, a promoção da amamentação exclusiva até aos 6 meses, o tratamento de desnutrição – sobretudo em situações de emergência – e a vacinação de rotina, ao invés da realização das campanhas esporádicas. O UNICEF tem ainda desempenhado um papel crítico de assistência técnica à Direcção Nacional de Saúde Pública para a revisão e elaboração do Plano Estratégico de Saúde Materno-infantil e Nutrição.

O número de recém-nascidos encontrados em lixeiras, após o abandono com vida, supostamente pelas próprias mães, tende a aumentar na província do Huambo. Do ponto de vista de quem manda, o MPLA, não é preocupante porque essa malta do Huambo não são propriamente… angolanos. E os de Luanda também não.

E por falar em crianças

Para a erradicação do trabalho infantil em Angola os ministérios do Trabalho e da Acção Social fazem o que tem sido o diapasão da governação de João Lourenço e do MPLA há 45 anos: elaboram planos de acção. As acções propriamente ditas ficam em lista de espera. Tem sido assim, reconheça-se, ao longo das últimas décadas.

Assim temos um Plano de Acção Nacional (PANETI 2018-2022), que visa a tomada de medidas que facilitam a tarefa dos diferentes agentes na aplicação prática dos direitos da criança.

O PANETI foi apresentado em Luanda durante um fórum sobre o lema “Não ao trabalho infantil: criança protegida segura e saudável” no âmbito do dia Internacional do Combate ao Trabalho Infantil.

O projecto prevê aumentar o acesso à educação e programas de formação profissional, apropriados para crianças, assim como mapear as zonas e os tipos de trabalho infantil em todo país.

Ao intervir no encontro, o então secretário de Estado do Trabalho e Segurança Social, Jesus Moreira, considerou o trabalho infantil como um fenómeno que deforma a criança, para além de não proporcionar condições para escapar da situação de penúria e privação na vida pessoal, familiar e social.

O responsável apontou ainda a pobreza como uma das principais razões que tem levado as crianças ao trabalho infantil, assim sendo defende o esforço ao combate e a luta contra a pobreza no país. Prevê-se, assim, que os 20 milhões de pobres passem também a alimentar-se dos planos do governo, eventualmente tendo como conduto mandioca, farelo ou peixe… podres.

Jesus Moreira reprovou a atitude de alguns empregadores que aceitam crianças, porque estas são incapazes de defender os seus direitos. E os que tentam defender os seus direitos recebem os “cumprimentos” da Polícia.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho infantil tornou-se uma fonte de rendimento de famílias, principalmente daquelas em situação de pobreza, as idades variam entre 5 aos 14 anos.

Refere ainda a OIT que 218 milhões de crianças no mundo com idades entre 5 a 17 anos estão engajadas na produção económica, das quais 152 milhões são vítimas do trabalho infantil, sendo 58 por cento do sexo masculino e 42 do feminino.

Deste universo, 73 milhões estão em situação de trabalho infantil perigoso, 85,1 por cento do trabalho infantil realiza-se no sector da agricultura.

Em África 72.1 milhões de crianças encontram-se em situação de trabalho infantil, isto é, uma em cada cinco crianças africanas são vítimas da mesma violência.

Medalha de ouro para o MPLA

Recorde-se, por exemplo, que o secretário-geral da Central Geral de Sindicatos Livres e Independentes de Angola (CGSILA) denunciou no dia 16 de Junho de 2017 que Angola continuava a registar a prática do trabalho infantil, sobretudo em empresas estrangeiras, lamentando a falta de fiscalização.

Não há fiscalização, mas há (ou haverá) planos. É que sem planos para inglês ver a coisa não se resolve…

Em declarações no quadro das celebrações do dia da Criança Africana, Francisco Jacinto fez saber que muitas crianças são recrutadas no interior do país para trabalharem em Luanda no sector da construção.

“A maior percentagem de crianças a trabalhar é encontrada em empresas estrangeiras. Tudo isso por falta de fiscalização e controlo dessas empresas, porque essas empresas estão aqui como se estivessem em zonas especiais, ou seja, fazem o que querem porque não há um trabalho cerrado de fiscalização”, disse.

De acordo com o sindicalista, a província do Cunene tem sido a mais visada no que diz respeito ao recrutamento de crianças para o trabalho, salientando que estas são muitas vezes submetidas a péssimas condições laborais.

“Em 2016 fizemos um inquérito e concluímos que mesmo aqui em Luanda, no município de Viana, há empresas, sobretudo chinesas, que vão buscar adolescentes às províncias de Benguela, Cunene, Huíla e que vêm aqui, são quase aprisionados. Aquilo é um trabalho de escravo”, explicou.

Acrescentou que estas crianças não só são submetidas ao trabalho, idêntico aos adultos, mas são também “acantonadas”, sem condições de alojamento ou refeições “muito precárias”.

“Nós denunciamos isso, mas infelizmente as nossas autoridades não colocam um travão nisso”, acusou Francisco Jacinto. Pois. Para resolver a questão são precisos planos e para que estes planos funcionem são precisos mais planos que, pelo seu lado, carecem de planos…

As “péssimas condições de habitabilidade” a que estão votadas muitas famílias em Angola constituem, segundo o sindicalista, um dos grandes impulsionadores do trabalho infantil, acrescentando que mesmo que este é já “um problema social” que decorre da falta de assistência a pessoas mais vulneráveis.

“São familiares que não têm emprego e muitas das vezes obrigam crianças a irem para as ruas à procura de alguma ocupação, quando deveriam estar, por exemplo, na escola”, concluiu.

No entanto, segundo o Governo, são muitas as acções empreendidas pelo Estado em defesa das crianças pela produção de planos, leis e criação de condições que permitam acolher menores vítimas de violência. Seria reconfortante saber, se fosse a regra e não a excepção, que o Estado está empenhado no combate a todo o tipo de trabalho infantil e em criar condições para todas as crianças poderem ir à escola.

O trabalho de menores é proibido por lei, salvo em casos excepcionais que a legislação laboral permite e em determinadas condições. Mas isso não basta. Não deveria bastar. No entanto, em cada esquina da sobrevivência se encontram exemplos de que a lei não é cumprida. Faltam… planos.

Já em 2013, Pinda Simão, então ministro da Educação, lamentou que a maioria das crianças que são obrigadas a trabalhar o façam no campo, na extracção de minérios e na rua nas mais vaiadas actividades. Foi em 2013 como poderia ser num qualquer ano dos 45 que levamos como país independente. Constata-se, olha-se para o lado e… assobia-se.

Naturalmente que as crianças, a não ser em casos muitos especiais, não trabalham por iniciativa própria. São os adultos que as empurram para essa situação, que as exploram, pondo em causa a sua saúde e desenvolvimento harmonioso e lhes coarctam o direito de estudarem, de brincarem, de serem felizes.

Em Angola há demasiadas crianças a trabalhar e são as autoridades que, conhecendo bem a situação, devem actuar. No entanto, ao actuarem estarão a reconhecer a sua incapacidade para debelar o problema. E assim sendo, deixam que tudo fique mais ou menos na mesma e, é claro, o último que feche a porta e apague a luz.

Em 2014, o Papa uniu-se a vários líderes religiosos mundiais numa declaração comum pela erradicação da escravatura até 2020 e para sempre. Francisco qualificou como crime de lesa humanidade todas as formas de escravatura moderna.

Na sede da Academia Pontifícia das Ciências, no Vaticano, o Papa disse: “Trabalharemos juntos para erradicar o terrível flagelo da escravidão moderna, em todas as suas formas: a exploração física, económica, sexual e psicológica de homens, mulheres e crianças acorrenta dezenas de milhões de pessoas à desumanização e à humilhação”.

O Papa condenou um “delito aberrante”, um “flagelo atroz”, que atinge de forma especial os “mais pobres e vulneráveis”.

Na cerimónia de assinatura do acordo estiveram líderes anglicanos, muçulmanos, hindus, budistas, judeus, ortodoxos e católicos, que assinalaram desta maneira o Dia Mundial para a Abolição da Escravatura.

“Declaramos, em cada um dos nossos credos, que a escravatura moderna em todas as suas formas – prostituição, trabalho forçado, mutilação, venda de órgãos ou trabalho infantil – é um crime de lesa humanidade”, afirmou o Papa na sua intervenção.

“Cada ser humano é imagem de Deus. Deus é amor e liberdade, que se doa em relações interpessoais, de modo que cada ser humano é uma pessoa livre, destinada a existir para o bem de outros, em igualdade e fraternidade”, defendeu Francisco, agradecendo os esforços de todos os presentes em favor dos sobreviventes deste tráfico.

Qualificando a assinatura do acordo de “iniciativa histórica”, Francisco congratulou-se com o esforço conjunto de todas as confissões e apelou a todos os governos e empresas que se juntem a esse esforço.

Segundo o Papa, a escravatura está presente “tanto nas cidades como nas aldeias”, em todo o mundo, e “muitas vezes disfarça-se de turismo”.

Em Maio de 2016 o aumento de meninos de rua em Angola preocupava, pelo menos oficialmente, o Instituto Nacional da Criança (INAC), que enquadrava o fenómeno nas questões ligadas à violência contra menores.

Sem avançar números, a chefe do serviço provincial de Luanda do INAC, Ana Silva, disse na altura que aumentam os focos de meninos de rua na capital angolana, Luanda, facto que atribui maioritariamente ao fraco poder aquisitivo das famílias.

Ah! Estamos mais próximos da verdade. Pais com fome, sem emprego, doentes… filhos na rua à procura de subsistência.

“Temos hoje um acréscimo de meninos nas ruas, coisa que há dois ou três anos já não era visível, mas hoje temos focos de meninos de rua a aumentar”, frisou a responsável, acrescentando que é igualmente elevado o número de crianças com desvios comportamentais.

Ana Silva, que falava no âmbito das jornadas comemorativas do Dia Internacional da Criança, apontou ainda como preocupações a fuga à paternidade, o abuso sexual de menores e a negligência das famílias para com as crianças.

“Ultimamente, as famílias têm negligenciado muito em questões de protecção à criança, relegam esta protecção dos filhos, da responsabilidade que têm em relação às crianças a terceiros e até às próprias crianças”, lamentou.

O trabalho infantil continua a constituir preocupação, sobretudo no sector informal, na área do comércio, disse Ana Silva, onde as crianças servem de mão-de-obra para o transporte de mercadorias, para a limpeza, nos mercados, entre outras tarefas inadequadas.

“Nós ainda há tempos, estivemos a fazer um levantamento e há dois anos também já tínhamos chamado atenção para esse facto, por isso temos programadas várias actividades de consciencialização dos vendedores a nível dos mercados”, salientou.

Segundo Ana Silva, a situação da criança é muito preocupante e os problemas citados juntam-se ainda à falta de acesso às escolas e ao registo de nascimento. Ou seja, as crianças reais do país real não são familiares dos donos eméritos do país.

“Ainda temos alguns problemas neste sentido, que muitas vezes não tem nada a ver com a falta de estruturas, mas sim com as próprias famílias, que não têm disponibilidade e informação”, afirmou.

Artigos Relacionados

Leave a Comment