A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angla, assegurou hoje que o seu presidente, Adalberto da Costa Júnior, detinha apenas a “nacionalidade angolana originária” aquando da sua eleição e investidura, em 2019, considerando a impugnação do acto como “uma maquinação política e eleitoralista”.
Segundo o Secretariado Executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA, o processo de impugnação que corre no Tribunal Constitucional (TC), sucursal (ainda) do MPLA, “já não busca a tutela jurisdicional da legalidade”.
A eleição de Adalberto da Costa Júnior, refere a nota de esclarecimento do comité, apresentada em Luanda, “respeitou as normas aplicáveis e deliberações” estabelecidas pelos órgãos competentes do partido adoptado no 13º congresso.
“A candidatura de Adalberto da Costa Júnior foi submetida às exigências desse regulamento e, não tendo sido registada nenhuma incompatibilidade foi admitida e apurada pela comissão organizadora do congresso e ratificada pelo Comité Permanente da Comissão Política, em reunião de 21 de Outubro de 2019”, lê-se na nota.
O actual presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, foi eleito em 15 de Novembro de 2019 como terceiro líder da força política fundada por Jonas Savimbi, em substituição de Isaías Samakuva.
Um alegado grupo de membros do partido (devidamente untado pelo subterrâneo e putrefacto departamento do MPLA), que contesta a actual liderança, aponta supostas irregularidades registadas no congresso, nomeadamente que Adalberto da Costa Júnior teria concorrido à liderança sem renunciar à nacionalidade portuguesa, tendo impugnado o acto junto do TC angolano.
A direcção do partido garantiu hoje que aquando do apuramento das candidaturas, da eleição e da sua investidura, Adalberto da Costa Júnior “era detentor de uma só nacionalidade, a angolana originária”.
A nacionalidade portuguesa adquirida de Adalberto Costa Júnior, prossegue o documento, “não só era conhecida como também foi permitida pela UNITA, pois que, face às sanções da ONU, possibilitou a circulação desse dirigente pelo mundo em missões do partido”.
“Assim, a questão da nacionalidade portuguesa (já renunciada), de Adalberto da Costa Júnior, é encarada na UNITA com perfeita normalidade e circunscrita numa determinada fase da sua história e, de modo geral, da de Angola”, refere o comunicado.
A UNITA “lamenta que no tal processo tenham sido envolvidos consciente ou inconscientemente cidadãos que se assumem como seus membros”, e está “atenta e muito vigilante”, salienta a nota, acrescentando que “saberá responder com a devida maturidade na exacta medida a esta e outras manobras antidemocráticas”.
Nesta nota de esclarecimento apresentada pelo seu porta-voz Marcial Dachala, a UNITA, que classifica o assunto como um “ruído”, afirma que o mesmo visa “atingir a direcção do partido acusando-a de não ser suficientemente idónea”.
Pretende-se igualmente com este “ruído”, aponta o documento, “desvalorizar a cultura democrática que já é uma marca indelével da UNITA e desviar a atenção dos angolanos pela crise geral e profunda que o país vive, resultante de políticas desastrosas”.
Nacionalidade, raça, cor e…
No dia 7 de Fevereiro deste ano o antigo primeiro-ministro de Angola, Marcolino Moco, manifestou-se contra o que classificou como “bullying” racista e xenófobo” à volta do líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior.
Marcolino Moco protestou, na sua conta do Facebook, “contra o regresso (ou nunca chegou a ir-se embora?) da política de desqualificação gratuita de “outras” figuras e ou organizações políticas, pela via mais baixa possível”.
Para o ex-secretário-geral do MPLA, ouvir ou insinuar-se que o líder da UNITA não é angolano é motivo de preocupação: “O que quer que seja, insinuar, sequer, que Adalberto da Costa Júnior não é angolano, ouvi-lo de várias bocas, e agora pressenti-lo num comunicado do Bureau Político do MPLA, é algo que me deixa muito preocupado”, referiu.
O político sublinha que a sua posição é a mesma que sempre teve perante insinuações de que o ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, não era angolano.
“Angola, como fenómeno político-administrativo e sociológico moderno é uma realidade muito recente. Por isso, todos nós, a maioria da elite angolana actual, nascemos como portugueses. Os angolanos são pretos, brancos e mestiços. A maioria nasceu em Angola, mas nem todos poderiam ter nascido aqui”, recordou Marcolino Moco.
Segundo o ex-primeiro-ministro angolano, Adalberto da Costa Júnior “por acaso nasceu em Angola, na actual província do Huambo”.
“A nacionalidade (formal) portuguesa, eu, por acaso, hoje não tenho. Mas quantos a têm, por diversas razões, em todos os quadrantes sociais angolanos? Já temos problemas de ‘marimbondos’ que elegem ‘marimbondos’. Não tenhamos agora “portugueses” a elegerem “portugueses”, frisou.
Ao terminar a sua reflexão, Marcolino Moco discordou que seja Portugal e os portugueses os culpados dos problemas actuais de Angola, porque “isto é um axioma”.
Na altura começaram a ser partilhados nas redes sociais ‘posts’ com a imagem de Adalberto da Costa Júnior e frases que lhe atribuem a nacionalidade portuguesa, nomeadamente: “A SIC apoia o cidadão Adalberto Tuga”, Afinal esse Galo é Português?”, “O Presidente da UNITA é conterrâneo de Salazar”, “É Adalberto Tuga ou Adalberto Júnior?, “Agora a UNITA é um partido português!”, “Adalberto Tuga votou nas eleições em Portugal”, “Adalberto Tuga tem passaporte europeu” e “Adalberto Tuga Vai Anexar Angola a Portugal”.
Nesse altura, o Bureau Político do MPLA, partido no poder em Angola há 46 anos, na sua declaração sobre os últimos acontecimentos ocorridos em Cafunfo, província da Lunda Norte, ao questionar-se sobre que país os angolanos pretendem para o futuro, responde que é “uma Angola onde os eleitores não sejam surpreendidos com líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeiros e por isso executam uma agenda política contrária aos interesses de Angola e dos angolanos”.
A quem beneficia a criminosa mentira?
Como todos sabem, o Folha 8 é um jornal que raramente vai à missa com o MPLA, pagando por isso um alto, altíssimo, preço. Isso não nos impediu de estarmos com o Presidente João Lourenço quando ele, de forma assertiva, classificou como racistas as posições da activista (“revu”) Rosa Mendes, sublinhando que o que tem de ser combatido é o mal e não a cor da pele.
Rosa Mendes, filha do ex-deputado “independente” eleito pela UNITA, David Mendes, disse: “Somos escravizados pelos brancos”. Já o seu pai tinha dito, em plena Assembleia Nacional, que “estava farto dos portugueses”.
João Lourenço, que falava no dia 26 de Novembro de 2020 num encontro com jovens em Luanda, abordou o tema após a intervenção da activista cívica, Rosa Mendes, uma das participantes desta iniciativa, onde estiveram representados vários sectores e organizações.
Rosa Mendes, que se aproximou cantando antes de iniciar a sua intervenção perante cerca de uma centena de jovens convidados, lamentou não ter sido possível “enterrar o irmão Inocêncio de Matos”, passados 15 dias da morte do jovem, na sequência de uma manifestação e abordou situações de discriminação que vivem as mulheres.
Além das dificuldades por que passam as mulheres zungueiras e empregadas domésticas, que estão excluídas dos apoios sociais, Rosa Mendes apontou ainda “a escravidão moderna do sector privado”, de que disse também ter sido vítima.
“Somos escravizados pelos brancos”, acusou a activista, lamentando que os membros do movimento revolucionário (“revus”) em Angola, por terem opinião diferente, não sejam reconhecidos, como disse ser o seu caso.
“Peço como pai que é, ajude-nos, não nos chamem nomes, não nos tratem como arruaceiros porque somos todos angolanos”, apelou, dirigindo-se a João Lourenço. Rosa Mendes definiu-se como “uma vítima do sistema”, apesar do empenho na batalha pela democracia.
Em resposta, o Presidente afirmou não ter chamado nomes a ninguém: “Vocês é que se auto intitulam de revus, se é elogio ou pejorativo cada um tira as suas conclusões”.
João Lourenço disse ainda que “os que lutaram pela liberdade deste país eram revolucionários e orgulharam-se muito disso”, pelo que ser revolucionário não é pejorativo.
“Ninguém condena o que estão a dizer, não é condenável, é um direito vosso”, reforçou, salientando que “a revolução deve ser revolução de ideias”.
O chefe do executivo angolano reprovou, por outro lado, o que considerou (e bem) como declarações racistas.
“Não apoiamos comportamento de xenofobia e racismo de quem vem dizer que não trabalha com os brancos. Há brancos maus, mas também há pretos maus, há pretos muito maus”, frisou, acrescentando: “o que temos de combater é o mal, e não a cor da pele”.
Tal como as declarações do seu pai fizeram mais pela destruição da UNITA do que o próprio MPLA, também as declarações de Rosa Mendes fizeram mais pela descredibilização (tão estimulada pelo regime) dos activistas do que as acções do MPLA.
Talvez David e Rosa estejam a pensar formar um partido cujo único objectivo programático seja lutar contra os portugueses (brancos) e contra os brancos (de outras nacionalidades).
Em Dezembro de 2018, durante o debate que antecedeu a aprovação sobre a Lei de Repatriamento de Capitais, o advogado e fundador da associação Mãos Livres, David Mendes, então deputado independente eleito nas listas da UNITA, questionou o plenário sobre as intenções do Governo com as privatizações das empresas estatais angolanas, culminando com um ataque duro aos portugueses.
Ao longo de uma intervenção de cerca de cinco minutos, David Mendes defendeu que o processo de privatização em curso em Angola não pode permitir que as empresas públicas sejam entregues a estrangeiros, sobretudo aos portugueses, “que querem tomar a economia” nacional.
“Queremos entregar o país aos estrangeiros quando temos consciência que não temos condições económicas? Qual é a pressa? Já cometemos muitos erros no passado, cometemos muitos erros, e não vamos cometer mais um. Isto de entregarmos o país aos estrangeiros tem de parar. Os estrangeiros não vêm aqui de graça. Vêm retirar o que é nosso”, disse então David Mendes.
“Estamos hoje aqui a lutar com o repatriamento de capitais, muitos estão a embandeirar que o dinheiro vai voltar. Eu não acredito que Portugal vai devolver o dinheiro que está lá. E a França e a Espanha também não. Gostaríamos de pedir aqui a esta casa [parlamento] que pensássemos quem são os que vão comprar essas empresas. Queremos privatizar a Sonangol, para quem? Quem vai comprar? Eu não sou contra os portugueses, mas estou farto dos portugueses em Angola”, disse o deputado.
David Mendes continuou, depois, a pôr em causa a presença de “estrangeiros” em Angola, lembrando que, no país, residem mais de 170 mil cidadãos portugueses… brancos.
“Quem serão os beneficiários desta lei? Em primeiro lugar serão os estrangeiros. Não nos esqueçamos de que mais de 170 mil portugueses estão em Angola. A fazer o quê? Querem tomar a nossa economia”, afirmou.
“Outros beneficiários serão os angolanos que têm dinheiro para comprar as empresas. Porém, como estão a ser perseguidos, as abelhas vão tomar conta do negócio, porque o mel todos o querem. Que país é que queremos? Para meia dúzia de indivíduos? Para meia dúzia de estrangeiros? Vamos continuar a ser os escravos na nossa própria terra? Que alternativa? Precisamos de reflectir, de reflectir para os angolanos”, acrescentou.
Dirigindo-se de seguida a Fernando Piedade Dias dos Santos, presidente do Parlamento, David Mendes questionou sobre o que valeu a guerra anticolonial, que culminou com a independência, em 1975.
“O que valeram os 14 anos de guerra? Valeu para quê? Para devolvermos tudo de novo a Portugal? Foi para isso que lutamos? Foi para isso que muitos de nós perderam sangue, que muitos de nós foram para a cadeia? Para perdermos tudo para quem nos esteve a colonizar? É essa a nossa tendência? Devemos parar e reflectir”, disse.
“Qual é o angolano que tem dinheiro? Os empresários estão falidos. Se nos viessem aqui dizer que a dívida pública interna deveria ser convertida em acções das empresas, se o Estado assumisse perante os empresários que, com este dinheiro que lhes deve, iria convertê-lo em acções nas empresas, estaríamos de acordo. Agora, oferecer as nossas empresas aos estrangeiros não estou de acordo”, frisou.
Para David Mendes, os antigos combatentes, veteranos de guerra e os desmobilizados têm uma pensão que fica aquém do que merecem, pelo que defendeu a solução de as acções da Sonangol e de outras empresas a privatizar convertessem também a favor deles.
“Temos de pensar o país. Muitos, muitos companheiros nossos, sofreram, deram toda a sua juventude na luta, e hoje estão na miséria. Quantas vezes olhamos para vários nossos antigos companheiros de luta que estão na miséria. E hoje, com a possibilidade de privatizarmos as empresas, não estamos a olhar para esses nossos companheiros. O senhor presidente [da Assembleia Nacional] sabe do que estou a falar, pois foi um combatente, dirigiu tropas, dirigiu homens, e eu fui um deles”, concluiu.
O então líder parlamentar da UNITA, hoje seu presidente, Adalberto da Costa Júnior afirmou a este propósito: “David Mendes não tem esta posição anti-portuguesa como permanente. Nunca a tinha ouvido. Devo dizer que foi uma surpresa ouvir esta declaração. Não sei a razão. Naturalmente que vamos conversar com ele. É preciso que, futuramente, se cuide melhor este tipo de frases, evitar ferir sensibilidades, porque, de facto, quando se vive em excessos exacerbados de reacções contra determinados povos temos de ser exemplo de tolerância e de abertura”.
“Temos uma comunidade angolana muito vasta em Portugal e não devemos ser nós a tomar aqui iniciativas em Portugal e noutros países. Tivemos uma longa guerra, onde os angolanos tiveram de ir buscar hospitalidade em muitos países, vizinhos e longínquos, pelo que o exemplo de tolerância e de respeito deve ser algo que nós próprios devemos assumir em primeiro lugar. Portanto, lamentamos”, disse Adalberto da Costa Júnior.
Folha 8 com Lusa