Bater no fundo ajuda a descobrir petróleo?

O departamento de estudos económicos do banco Standard considera que as reformas em Angola e o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) não vão chegar para impedir que a economia continue em recessão este ano. Nada que o Folha 8 não tenha escrito várias vezes desde que o Governo aceitou a ajuda da raposa para guardar o galinheiro.

“A nossa perspectiva sobre a evolução de Angola melhorou principalmente devido a uma melhor estimativa de evolução do sector externo, mas Angola não deverá escapar a uma recessão pelo sexto ano consecutivo”, dizem os analistas, apontando uma previsão de quebra de 0,45% no Produto Interno Bruto, este ano.

De acordo com o relatório que analisa a evolução em várias economias africanas, enviado aos clientes, o Standard Bank compara a estimativa de quebra de 0,45% com os 0% de crescimento previstos pelo Governo para este ano e escreve que a contracção de 5,8% no terceiro trimestre de 2020 deverá redundar numa quebra de 5% no total do ano de 2020.

“A esperada melhoria nas exportações, num contexto de recuperação do mercado petrolífero, vai provavelmente ser insuficiente para compensar o impacto negativo da despesa em Angola, num ano em que a pandemia ainda está a causar um aumento do desemprego”, acrescentam os analistas.

A elevada inflação de dois dígitos desde Julho de 2015, o alto desemprego de 34% no terceiro trimestre do ano passado e o agravamento da pobreza, que afectava 40,6% da população em 2019, “também não vão contribuir para o aumento da despesa geral no país”.

Para além disso, acrescentam, “a despesa pública em 2021 vai continuar limitada pela gestão fiscal prudente para conseguir completar o programa de apoio financeiro do FMI, aprovado em Dezembro de 2018”, e que termina no final deste ano.

O cenário base para a evolução da economia de Angola aponta para uma recuperação ligeira em 2022, que será novamente anulada em 2023 “se o investimento directo estrangeiro não aumentar de forma significativa”, alertam os analistas, salientando que “as perspectivas de médio prazo para o país continuam fracas devido à maturação dos campos de petróleo, declínio na produção e progresso lento na diversificação económica, agora agravado pelo impacto da pandemia”.

O elevado peso da dívida, acima de 100%, “vai provavelmente impedir qualquer resposta orçamental para estimular o crescimento”, apontam, concluindo que o apoio do FMI garantiu “um progresso material nas reformas estruturais, o que permitiu uma avaliação positiva e o desembolso de mais 1,5 mil milhões de dólares [1,2 mil milhões de euros] até final do ano”.

Há quase três anos (Abril de 2018), o então ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, disse que esperava que as medidas aprovadas e o apoio técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) criasse condições para captar recursos financeiros em condições mais favoráveis do que as oferecidas pelo Fundo.

Em entrevista à Lusa em Washington, à margem dos Encontros da Primavera, Archer Mangueira, quando questionado sobre a razão de não recorrer ao financiamento do FMI e optar pelos mercados financeiros, explicou que isso se devia à convicção de que os mercados internacionais de capitais poderiam oferecer condições mais vantajosas depois das reformas.

“O programa de coordenação de políticas [que Angola assinou com o FMI] tem duas opções, com ou sem financiamento”, disse Archer Mangueira, acrescentando: “Normalmente os países recorrem a programas com financiamento para financiar a balança de pagamentos, mas o nosso défice da balança de pagamentos tem vindo a reduzir-se nos últimos anos”, vincou o governante.

“Também acreditamos que o programa de estabilização macroeconómico em curso, e que no fundo vai ser a base de um programa de coordenação de políticas, ao ser concretizado, vai certamente criar um ambiente para a captação de recursos financeiros junto dos mercados internacionais de capitais em condições muito mais favoráveis”, acrescentou o ministro das Finanças.

Archer Mangueira dava nessa altura inicio a um “roadshow” (apresentação aos investidores) da emissão de dívida pública em moeda estrangeira (“eurobond”) no valor mínimo de 2 mil milhões de dólares, para a qual esperava uma taxa de juro na ordem dos 7%, abaixo dos 9,5% de lançamento da última emissão.

Antes, durante a conferência dos ministros das Finanças africanos, na qual participou juntamente com os seus homólogos da Nigéria, Somália e São Tomé e Príncipe, Archer Mangueira já tinha dito que, apesar dos “sucessos alcançados” desde a queda do preço das matérias-primas, em 2014, “Angola ainda tem muitos desafios para colocar a economia numa trajectória de crescimento sustentado”.

Para ajudar nesses desafios, o país vai continuar a trabalhar com o FMI, do qual é membro desde 1989, “com fases intensas e outras menos positivas”, vincou.

Recordando os programas de apoio já completados durante esta década, Archer Mangueira salientou que os técnicos do Fundo fizeram, no âmbito da análise ao país ao abrigo do artigo IV, “muitas recomendações úteis, sobre como implementar a consolidação fiscal, a mobilização de receitas internas e as reformas estruturais”.

Essas preocupações, garantiu, “estão bem reflectidas no Orçamento Geral do Estado e no Plano Nacional de Desenvolvimento, e algumas delas estão já em curso e irão melhorar a capacidade do país implementar o novo quadro operacional da política fiscal para criar emprego e estimular o investimento”.

O objectivo, concluiu, é “ampliar os esforços para a reforma e continuar o envolvimento com o FMI para sustentar os ganhos até agora, buscando assistência técnica para o desenvolvimento das capacidades para sustentar as reformas”.

Mais do mesmo

A descida de preço das matérias-primas obrigou vários países africanos a recorrerem ao FMI, que até há pouco tempo tinha sido substituído pela banca comercial, cujos empréstimos são agora incomportáveis, explicava em Maio de 2016 o jornal britânico Financial Times.

“Um pouco por toda a África, os países que até há pouco tempo não precisavam do FMI como credor de último recurso estão a engolir o orgulho”, lia-se na edição de 16 de Maio de 2016 do Financial Times, num artigo com o título “Tempos difíceis empurram africanos de volta para o FMI”.

O artigo apresenta os exemplos de Angola, Moçambique, Zimbabué, Nigéria e Gana, entre outros, para defender que o recurso aos sistemas de financiamento do FMI eram menos difíceis que nos anos 80 e 90, quando vários países foram obrigados a recorrer ao FMI e tiveram como resposta um conjunto de medidas de austeridade que tornaram o Fundo altamente impopular no continente.

“Há menos estigma em pedir ajuda ao FMI, em parte porque o Fundo já não é tão rígido em enfiar medidas neoliberais pela garganta abaixo dos países, sendo agora mais cuidadoso na protecção da saúde, educação e programas de alívio da pobreza”, escreveu o jornalista David Pilling.

O artigo defendia que o recurso ao FMI por essa altura era mais fácil também porque as condições macroeconómicas do continente melhoraram significativamente face ao panorama dos anos 1980 e 1990, mas nalguns países, como Angola, o tempo perdido é notório.

“Angola, cujos governantes esbanjaram milhares de milhões de dólares durante os preços altos do petróleo, é o último a provar o remédio do FMI”, dizia o jornal.

A verdade é que, com maior ou menor sensibilidade social, o FMI continua a vestir a pela de cordeiro para, muitas vezes com requintes de malvadez, disfarçar a faminta hiena que existe na sua metodologia de trabalho.

O FMI, neste caso, sempre soube – até mesmo quando andou por cá a vender gato por candimba – que o Povo angolano morre de fome e de doenças enquanto os oligarcas do MPLA multiplicavam milhões roubados a esse mesmo Povo.

E o que fez o FMI? Nada. É certo que não lhe cabia intervir. Pois é. Só lhe cabia (e cabe) deixar que o país vá ao charco para depois, qual salvador, dar uma salsicha por cada porco sacado.

O que fez o FMI quando se tornou público o descalabro em que a gestão da Sonangol mergulhou nos últimos anos? Nada. Quanto pior… melhor, terá pensado a então directora-geral do FMI, Christine Lagarde.

Recorde-se, entre outros exemplos, que Tom Burgis, autor do livro “A Pilhagem de África”, considerava que a Sonangol opera à margem da lei (ou dentro da suprema lei do regime: quero, posso e mando) e que foi criada e responde directamente apenas às mais altas figuras políticas de Angola. Nada disto passou ao lado do FMI que, mais uma vez, mostrou que a sua vocação em deixar que os desastres aconteçam (nada de medidas profilácticas) para depois aparecer como divino salvador.

O autor do livro “A Pilhagem de África” defende que a Sonangol foi criada inicialmente (e assim se mantém ao longo de décadas) para conseguir financiar o MPLA, mas que com o passar dos anos acabou por ser a mais importante empresa nacional, controlada directamente pelos principais responsáveis políticos (do MPLA) e fugindo ao controlo das autoridades externas, já que as internas são do… MPLA.

“Para manter o MPLA a andar, tinham de criar uma empresa que corresse bem. A Sonangol é uma das melhores empresas africanas e mundiais, e foi Manuel Vicente, treinado em Londres, que foi geri-la. A partir de 2002 começa a ser óbvio que o MPLA ia ganhar a guerra, e portanto a empresa pode privatizar-se, já não precisa de financiar a guerra, e torna-se o motor deste Estado-sombra”, defendeu o autor, jornalista de investigação no britânico Financial Times.

No que a Angola respeita, o autor retrata as ligações entre os dirigentes angolanos e as grandes petrolíferas ocidentais, bem como o avanço da China e as enormes desigualdades num país onde “uma sandes normal custa 30 dólares, mas a maioria da população vive na pobreza”.

“A Pilhagem de África”, explica o autor, “começa com a ideia de que há uma maldição dos recursos, e mostra que os sítios mais ricos em recursos naturais caíram sempre em golpes de estado, guerras, violência interna, corrupção, opressão, e o padrão está mais exacerbado em África”.

O continente africano, acrescenta, é normalmente olhado como mais pobre, mas é o mais rico, tem um terço de todos os recursos naturais, “mas os padrões de vida são terrivelmente baixos”, tentando mostrar que “a maldição dos recursos” não é um acidente, nem um conceito abstracto, é um sistema concreto de pilhagem que liga políticos locais, autoridades de segurança, intermediários, empresas petrolíferas e os consumidores dos materiais recolhidos em África”.

Folha 8 com Lusa

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2 Thoughts to “Bater no fundo ajuda a descobrir petróleo?”

  1. maria alexandre garcia

    NO POST DO MASSACRE NAS LUNDAS DE SABADO DENUNCIEI QUE O MPLA PRENDIA AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. POR UM MOTIVO NÃO ACEITAREM FAZER O SERVIÇO MILITAR.
    1º MANDAMENTO NÃO MATARÁS . ELES SEGUEM-NO.
    VEJAM O QUE A RUSSIA FAZ DESDE 2017 AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.?COM AUXÍLIO DA IGREJA ORTODOXA!!!
    https://www.dw.com/pt-br/testemunhas-de-jeov%C3%A1-condenados-na-r%C3%BAssia-por-suposto-extremismo/a-50529383

  2. maria alexandre garcia

    NAO CULPEM O FMI, NEM O BANCO MUNDIAL, NEM OS LIDERES DO BNA OU EX E ACTUAL MINISTROS DAS FINANÇAS E DA ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO.
    NAO CULPEM A CORRUPÇÃO. SAO DANOS COLATERAIS
    ACONTECEREM DUAS OPERAÇÕES POLICIAIS E MILITARIZADAS NO INÍCIO DO REINADO DO PR JLO.
    A OPERAÇAO TRANSPARENCIA SEVERAMENTE CRITICADAS ANGOLA E A RDC PELA ONU. PELA DIRIGENTE PARA OS REFUGIADOS MICHELLE BACHELET
    SEGUIU-SE A OPERAÇÃO RESGATE QUE LEVOU A MORTE E VIOLENCIA DAS ZUNGUEIRAS E ZUNGUEIROS E KINGUILAS. AFECTOU NO CORAÇAO A ACTIVIDADE INFORMAL. E CRIOU AINDA MAIS MISÉRIA E MEDO
    FINALMENTE TEMOS MILÍCIAS NO SAMBIZANGA E NO CAZENGA. E MASSACRES NAS LUNDAS
    MILÍCIAS E AS OPERAÇÕES ACIMA LEMBRAM DITADURAS DA AMÉRICA LATINA DOS ANOS DE 1960.E NAO FORAM POR ACASO LOGO, REPITO NO INICIO DO REINADO.

    AGORA CHORAR A NOSSA MISÉRIA É ESQUECER QUE QUASE NENHUMA VOZ SE REVOLTOU CONTRA TAIS INICIATIVAS MILITARIZADAS DO ESTADO OU PRIVADAS.
    E PARA TERMINAR SÓ AMNISTIA CRITICOU A POLICIA NACIONAL NO “ZELO EXCESSIVO” COM MAIS MORTES DE CIVIS QUE DO COVID.

    ONDE ESTAO ANA GOMES , AGUALUSA E TURMA NACIONAL E INTERNACIONAL QUE DENUNCIARAM A CORRUPÇAO? ONDE ESTÃO PARA CRITICAR A POLITICA DO ESTADO QUE VOLTOU A PONTA DO FUZIL
    NÃO VI QUASE NINGUÉM DENUNCIAR EM TERMOS DA SUA COMPLEXIDADE E DESIDERATO CASOS PONTUAIS.SOBRE ISSO NINGUEM PIOU . OU SAO CONIVENTES OU COVARDES.SOBRETUDO ANA GOMES E OS PORTUGUESES SILENCIARAM
    ESTES EXEMPLOS COMO A PRISAO DA DO PREMIO NOBEL DA BIRMANIA SÓ LEMBRAM O POEMA DE BRECHET. NAO LUTHER KING E O SILENCIO DOS BONS. BRECHET MENINOS

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