A ministra das Finanças angolana, Vera Daves, afirmou hoje que “não há dinheiro” para regalias, sublinhando que os cortes em bens e serviços são para manter no Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2022. Veja-se o que diz o chefe da ministra e o líder da UNITA.
Vera Daves, que falava em Luanda num encontro com jornalistas avisou que o Ministério das Finanças não vai ceder às pressões de diferentes sectores, responsabilizando também os gestores públicos pelas suas decisões.
A ministra deu como exemplo os cortes que têm incidido sobre um conjunto de regalias dos órgãos judiciais, referindo-se aos pedidos de residência para todos os magistrados, bem como aquisição de viaturas e viagens: “Não temos vindo a ceder, não temos dinheiro para dar e não damos”, destacou.
A responsável da pasta das Finanças disse também que o ministério não é responsável por todas as decisões no que diz respeito à despesa, impondo apenas tectos.
“É também um tema de responsabilidade individual de cada gestor público. Se tem dificuldade de manter o elevador e vai a uma conferência e leva uma delegação grande, isto são decisões quotidianas que cada gestor tem de tomar”, comentou, acrescentando que o ministério está atento e vai “aconselhando” os gestores.
“É cada vez mais importante pensar no perfil do gestor público”, realçou, notando que estes são cada vez mais responsabilizados pelas suas decisões, aludindo aos vários casos que estão a ser investigados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
A governante lembrou que “não há almoços grátis”, pelo que uma maior generosidade da política fiscal se reflectirá num sacrifício da despesa.
“Mas não é o Ministério das Finanças que decide quem vai gastar o quê, o ministério define o tecto e cada departamento ministerial pode usar esse tecto. O nosso mandato é assegurar que há um limite de despesa que é respeitado e contratado da melhor forma possível”, sublinhou, acrescentando: “Nós aconselhamos, mas o conselho não é sempre aceite”.
Vera Daves disse ainda que o OGE para 2022 assenta num preço de referência para o petróleo conservador, o que permite mitigar os riscos de volatilidade dos preços, mantendo também uma postura conservadora no que diz respeito à dívida.
A ministra abordou também o tema do reajuste dos salários na função pública, que considerou “desafiante” face à necessidade de repor o poder de compra das famílias.
“Mas temos de ter dinheiro para fazer isso de forma sustentável, não queremos começar e depois ter de reduzir. Temos estado a reflectir até onde podemos ir, estamos a calibrar esses cenários. Queremos atender aos anseios e expectativas dos profissionais, mas temos de ter cautela, temos de avançar na medida das nossas capacidades”, frisou.
A proposta de OGE para 2022 foi aprovada na generalidade a 9 de Novembro e vai agora ser discutido na especialidade.
E que diz o… patrão?
O Presidente João Lourenço destacou no passado dia 9 que o país está a sair da recessão económica em que se encontra há cinco anos consecutivos, “um facto de enorme importância”, prevendo-se um crescimento económico de 2,4% para 2022.
João Lourenço endereçou uma mensagem à Assembleia Nacional por ocasião da discussão da proposta de Lei que aprova o Orçamento Geral do Estado para 2022, lida pelo ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior.
O chefe de Estado frisou que a retoma do crescimento económico é a solução para se reduzir os níveis de desemprego actualmente prevalecentes no país e melhorar o bem-estar dos angolanos.
“O país está a sair da recessão económica em que se encontrava, o que é um facto de enorme importância. Quando o crescimento de um país é negativo significa que há muitas empresas a encerrar a sua actividade, por isso haverá muitas pessoas a ficarem desempregadas”, frisou.
Segundo João Lourenço, a proposta de Lei do OGE para 2022 apresenta um saldo fiscal equilibrado e não é deficitário, significando que o país continua no caminho iniciado em 2018 de apresentação de saldos fiscais positivos.
“Para o ano 2021, prevemos um crescimento do sector não petrolífero de cerca de 5,2% e uma contracção do sector petrolífero em cerca de 10,6%. Para o ano 2022, prevemos um crescimento global do PIB [Produto Interno Bruto] de cerca de 2,4%, com o sector não petrolífero a crescer cerca de 3,1% e o sector petrolífero a crescer 1,6%”, referiu.
Com o crescimento económico, salientou João Lourenço, produz-se riqueza, aumenta-se a contribuição das empresas ao erário público, através dos impostos, e o Estado passa a dispor de mais recursos para implementar os seus programas de combate à pobreza e de harmonia social.
Na proposta de OGE para 2022, estima-se que a agricultura terá um crescimento de 4,3%, as pescas 4%, a indústria transformadora 5%, a construção 2,4%, a energia 4% e o comércio 3%.
“Vamos continuar a trabalhar para que o sector não petrolífero mantenha esta tendência de crescimento positivo, porque é aquele que mais postos de trabalho cria e que por isso está em melhores condições de contribuir para o bem-estar dos angolanos”, observou.
De acordo com o Presidente, o executivo tem feito um grande esforço no sentido de proteger o sector social, com especial realce para a educação e a saúde, que terão visto as suas quotas na despesa incrementadas relativamente ao orçamento do ano que está a findar.
João Lourenço sublinhou que o sector petrolífero continua a ter “um grande peso” na economia do país e face ao desgaste natural dos campos de petróleo, problemas operacionais e de ausência de investimentos suficientes em tempo oportuno na prospecção petrolífera, a produção física do petróleo tem estado a decrescer.
“Devido ao grande peso que o sector petrolífero ainda tem na nossa economia, o crescimento negativo deste sector tem afectado negativamente o crescimento global do país e, por esta razão, Angola tem vivido uma recessão económica desde o ano 2016”, destacou.
O Presidente reiterou o compromisso do executivo no sentido de garantir que os recursos inscritos no OGE “sejam utilizados de forma rigorosa, com disciplina”.
O que diz a UNITA
A posição da UNITA consta da declaração política do seu grupo parlamentar, lida por Adalberto da Costa Júnior, na sessão plenária de discussão e aprovação da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o exercício económico de 2022.
“Estamos, sem sombra de dúvida, diante de um Orçamento essencialmente eleitoralista e que encerra o actual ciclo político com fortes sinais de corrupção, tendo em conta o monstruoso montante num contexto em que a contratação pública ocorre de maneira simplificada, isto é, ocorre uma adjudicação directa a amigos e sócios em prejuízo do país”, referiu Adalberto da Costa Júnior.
Segundo ele, em termos globais, a proposta de OGE 2022 prevê gastos de 18,7 biliões de kwanzas (26,8 mil milhões de euros), dos quais, de acordo com estimativas do Governo, 6,3 biliões de kwanzas (nove mil milhões de euros) serão destinados a pagar despesas “e já foi realizado no passado (devolução de empréstimos ou simplesmente despesa financeira)” e os restantes 11,3 biliões de kwanzas (16,2 mil milhões de euros) são a parte correspondente às despesas, cujo consumo ocorrem em 2022.
Adalberto da Costa Júnior considerou que “culpar” a Covid-19 e a crise do petróleo “é persistir no erro de sempre: não discutir as causas reais da crise económica e social em Angola”.
“Enquanto isso, este paciente chamado Angola, vai-se agravando, porque tem recebido tratamento na base de um diagnóstico errado. É importante partilhar que a Covid-19 até permitiu ao Governo transferir parte substantiva do pagamento da dívida para 2023. Falo essencialmente do serviço da dívida para com a China. Infelizmente o Governo tem olhado para este facto como uma poupança, quando na verdade está desde já a penalizar o próximo ciclo governativo (que poderá não ser seu)”, sublinhou.
De acordo com Adalberto da Costa Júnior, ao longo do mandato actual a economia tem reflectido “um acumular de pobreza ano após ano e de maneira bastante acelerada”.
“Ao actual ritmo de crescimento populacional, de 3,2% ao ano, a única forma de reverter esta situação é a economia gerar taxas de crescimento económico significativamente acima de 3,2% e por variadíssimos anos ininterruptos”, disse.
Adalberto da Costa Júnior apontou como solução “promover reformas políticas e económicas que propiciem ao país um marco elevado e que, por sua vez, determine a capacidade da economia gerar poupança doméstica e externa, acumular capital nacional e estrangeiro, acumular tecnologia de produção, incrementar os seus níveis de produtividade e ocorrer uma valorização natural dos salários como consequência”.
“Infelizmente, está mais do que demonstrado que o partido no poder não é capaz de implementar tais reformas pelo facto das mesmas conflituarem com o seu espírito hegemónico do poder. Aliás, o maior paradoxo enfrentado pelo partido no poder resulta do dilema entre liberdade económica (fim da hegemonia política) e manutenção do poder”, frisou.
“Sucede que este dilema só pode ser ultrapassado com a alternância política, que uma vez formado um governo regular, consolida a estabilidade política, fundamental para o processo económico”, vincou.
Folha 8 com Lusa