Hoje? Sim! Hoje, 48 horas depois, de uma data, cunhada em Alvor/74 (Portugal), sugerida por Holden Roberto e consensualizada, pelos quatro actores: MFA (Movimento das Forças Armadas-Portugal); FNLA; MPLA; UNITA, o 11 de Novembro 1975-2021, nada diz, a uma grande maioria, nada me diz. Reconheço, ter acreditado, ingenuamente, que os revolucionários eram superiores aos camaleões e nunca se tornariam numa espécie humana pior que os colonialistas/escravocratas. Ledo engano. Eles são piores, até na delapidação da “res-publica”
Por William Tonet
Eu estava lá. Dia 10, madrugada de 11 do mês de Novembro de 1975. Postado, com outros milhares, na lateral da ex-Escola Comercial, à estrada de Catete, feito Largo da Independência. Eufórico! Transportava na mochila, munições de esperança, alegria, benefício da dúvida e confiança no futuro. Comandava “soldados–mirins”, porta-estandartes, nas vestes de testemunhas, puras, inocentes, com os olhos esbugalhados no mastro, para o hastear de uma nova bandeira, diferente da (bandeira) das Quinas, que representava o Estado colonial e os “heróis do mar” lusitano.
Infelizmente, Agostinho Neto apequenou-se quando poderia, ante a crise guerreira, com os outros dois movimentos: FNLA e UNITA, agigantar-se, cunhando impressões digitais numa bandeira e hino, que inspirassem conciliação e reconciliação entre todos os entes e filhos legítimos dos reinos territoriais, ao invés das cores e estrofes de um partido.
O novo país, proclamado, por António Agostinho Neto, não nasceu República, mas como uma partidocracia que, “ab initium” impôs uma constituição ideológica a todos os entes públicos e privados: “Em nome do comité central do MPLA, proclamo a República Popular de Angola” e, para dar mais enfâse à miopia ideológica, a Lei Mãe era promulgada, pelo presidente do MPLA, ao invés do da República, para acentuar a discriminação.
A bandeira, que vi subir o mastro, na madrugada de 11 de Novembro de 1975, para minha tristeza, afinal não era diferente da do meu partido de então: MPLA; vermelho, preto e amarelo, quando poderia ter as cores do arco-íris representativas de todos os povos e micro-nações.
Neto foi a decepção de milhões, que assistiam ao vivo, à pobreza discursiva no dia da proclamação de quem acreditavam ser líder, mas que, nessa madrugada, se revelou não passar de um simples chefe de partido, com capacidade intelectual assimilada.
Fui cúmplice? Sim e não…
Sim, por ter acreditado em Agostinho Neto e no MPLA que seriam artífices de um novo provir e que se suplantariam as querelas ideológicas.
Não, porque não tinha poder decisório, tão pouco fórum de auscultação onde a minha voz, o meu sentimento fosse acolhido, para discussão. Sem ser como Pilatos, distanciei-me das águas turvas de uma visão de dirigentes de país monocrático, com apetência institucional de esfolar e assassinar os contrários.
Hoje, 46.º anos depois, não me revejo na independência, pois ela não me outorgou direitos de cidadania plena, pelo contrário.
Eu sonhava com uma liderança republicana, capaz de respeitar, reunir e falar com os representantes de todos os reinos, antes invadidos por Diogo Cão e Paulo Dias de Novais, nas duras noites coloniais, e não o emergir de uma nova colonização travestida de revolucionária.
Hoje, não consigo festejar com os meus filhos, netos, familiares e amigos, nenhum 11 de Novembro, uma data, que a maioria não se orgulha, por não terem uma bandeira, hino, símbolos e heróis imparciais, que a todos representem.
46 anos depois o MPLA continua a sequestrar a independência, tornando-a sua propriedade material e só ele a festeja, exaltando os seus heróis e feitos, num ego, sem precedentes, que abocanha as riquezas dos milhões, para proveito de uma minoria que governa, com o carimbo da discriminação neocolonial, em muitas latitudes pior da de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano.
46 anos depois de proclamada a independência material, o MPLA tem sido incompetente, na produção de um acto que o poderia guindar aos píncaros referenciais da construção história de um novo ente jurídico nacional e internacional, se despartidarizadamente, iniciasse a implantação de uma verdadeira INDEPENDÊNCIA IMATERIAL, de que os povos e micro-nações, tanto carecem.
Infelizmente, os outros movimentos: FNLA e UNITA, não eram a justificativa do autoritarismo, pois a nível interno, Agostinho Neto especializava-se no esfolamento e assassinatos públicos de todos quantos ousassem pensar diferente.
A institucionalização da barbárie, através da “ditadura do proletariado”, teve o apogeu entre 1975-1977, com fuzilamentos, sem o devido processo legal, nos campos da Revolução e cadeias da famigerada DISA (polícia política de Neto), autênticas antecâmaras de genocídios sem precedentes: 80.000 (27.05.77), que tornaram os ditos revolucionários e o chefe, numa elite predadora e ditatorial.
Hoje, Novembro de 2021, não é difícil perceber que Neto e o seu partido, alcandorado ao poder, engavetaram as promessas de boa gestão governativa, implantação de programas sociais, para benefício da maioria, principalmente depois de abocanharem os cofres públicos, transformando-os em gamela de aboletamento e enriquecimento ilícito, da elite dominante, desde as famosas Lojas dos Dirigentes e Lojas do Povo, que consagraram a corrupção, num falso partido popular e de esquerda.
MENTIR É UM DEVER REVOLUCIONÁRIO
O MPLA, um partido que assume ter mais quadros que ardósias, age inversamente e o actual presidente envia um forte recado à navegação: “Mentir é um dever revolucionário”, indicando o ministro Marcy Lopes, da Administração do Território, para o representar no acto de comemoração do 46.º aniversário da independência, que definitivamente, é do MPLA e não da República.
Recorde-se ter este governante, em Lisboa, nas vestes de professor, num encontro com a comunidade angolana, ministrado, delirantemente, uma aula da disciplina “Como mentir aos estrangeiros”, dizendo aos alunos, para transformarem a falta de energia eléctrica, em lâmpadas que não acendem, os monturos de lixo, em estrume vegetal, para os jardins e a fome que leva milhares a comer dos contentores, como técnicos de análises laboratoriais, com a missão de testarem a qualidade dos sobejos (restos de comida) e do material reciclável, em suma, não são famintos, sem emprego, segundo o também membro do Bureau Político do MPLA, doutorado em “mentirologia”.
Sinceramente é a vergonha de um menino, feito alto dirigente, que deveria ser acantonado pela heresia, que envergonha o seu executivo, mas ainda é premiado, a falar sobre a independência, que dela, sabe o que nada sabe…
Houvesse higiene intelectual, no partido no poder e tentaria, no meio de tanta borrada, fazer diferente e ao invés de mandar um ministro, que ensina as estrofes do hino da mentira, ousaria, no 11 de Novembro de 2021, pela primeira vez, nomear, por exemplo, num trio de sobreviventes que se bateram de armas nas mãos, pelo sonho da independência: França Ndalu ou Dino Matross, pelo MPLA, General José Samuel Chiwale ou Ernesto Mulato da UNITA e Ngola Kabangu da FNLA, demonstrando o libertar da data das algemas exclusivistas do MPLA.
O local escolhido foi o monumento do Soldado Desconhecido, à baixa de Luanda, pago com dinheiro público, mas, uma vez mais, exibido, como sendo apenas de usufruto, dos dirigentes e heróis do MPLA, com exclusão a todos os outros.
Numa data como esta, afastado o recurso à velha guarda, que se optasse, por mirins do MPLA, que estiveram na madrugada da independência, como Mário Rosa, Dino Nascimento, António Van-Dúnem, Mariano de Almeida e tantos outros, “crianças –soldados” (hoje adultos), comandadas por mim e integrados em companhia, de corpo da guarda, para o hastear da nova bandeira.
É preciso dar valor à História, afastando a banalização e desvalorização de datas que se querem importantes, na memória colectiva.
Esquecer, nestes 46 anos, verdadeiros heróis, mesmo ligados ao MPLA, como os tanquistas, Mariano, que travou o blindado sul africano em Kifangondo, Cadete e outros heróis da 9.ª Brigada ou ainda, Bob, o cientista, substituto do comandante Nito Alves, na 1.ª Região Político Militar, ostracizados por conotação ao alegado fraccionismo, criado por Neto, que os levou à prisão, em 1977 e, hoje, auferem uma mísera e vergonhosa pensão de reforma de 25.000,00 (vinte e cinco mil kwanzas)/mês, cerca de 8 (oito) euros.
Mas afastando esses, porque não rebuscar jovens que agitaram desde o mundo estudantil, ao dos bairros, em 1975, tais como Matadi Daniel, Reginaldo Silva, Filomeno Vieira Lopes, entre outros, que agitaram Luanda e não só…, impedindo a idolatria e a perversão da História.
É urgente dar vez, aos conhecedores da história e não aos contadores mentirosos de estórias, que enaltecem a privatização da Independência, quando seria importante ver consagrada uma Pátria, na rota de uma Nação almejada pelos meus e milhares de outros ancestrais que visionavam uma Federação dos Reinos.
Eu assumo, estive lá, naquele dia 11 de Novembro de 1975, em Luanda, comandando jovens, hoje homens, mas não sou cúmplice do actual estado de bandalheira, ladroagem e autoritarismo genocida. Nestes últimos quatro anos, o país regrediu mais do que nos 42 anteriores, de governação monolítica e tornou-se paupérrimo em relação aos últimos 46 anos, de governação do colonialista e fascista, António de Oliveira Salazar, que não sendo angolano, guindou o território, para níveis altos de desenvolvimento, que o MPLA só teve maestria em destruir e afundar, pelo alto nível de incompetência e falta de visão republicana de governação.
Desgraçadamente esperei, hoje: 11 de Novembro de 2021, mais uma vez, que nos 46 anos de celebração da independência partidocrata, o MPLA tivesse higiene intelectual e humildade para libertar o sonho aprisionado de milhões de autóctones, principalmente, os 20 milhões de pobres, que auguram, pelo desfraldar de uma nova bandeira, o cantar de um novo hino e uma constituição plural, para orgulharem o renascer de um país, verdadeiramente livre de todos os colonialismos, quer sejam ocidentais, como o de negros assimilados, capachos do capital estrangeiro esclavagista, no poder.